domingo, 13 de março de 2022

Iluminação

 Não quer luz quem dorme.

Iluminado, ruim é o despertar.

Grogue, não entende ao escutar,

A luz não leva a enxergar,

Os olhos ela só faz irritar.


Mas jamais cubra seu rosto!

Em breve, desperto vai se ver,

O que ouvir, você vai entender,

E, com os olhos, tudo vai perceber.


Ainda tenho bastante sono,

Percebo com certo horror,

Está acordado, caro leitor?

terça-feira, 8 de março de 2022

Jonas

 Jonas: Direita e esquerda, nomes sem materialidade alguma. Alguém ainda liga pra essa briga?

Michel: Ligar muitos ligam, são palavras bem úteis nas discussões políticas. 

Roberto: É claro que aqui no Brasil as opções não são boas, mas é sim um debate importante. Poder ter tanto uma direita quanto uma esquerda de qualidade é um bom jeito de garantir que essa democracia funcione.

Murray: Ter uma direita já seria um bom começo! Aqui nesse país só tem um monte de estadistas disfarçados!

Bernie: É claro que tem direita aqui! Não vê o monte de velhos esquisitos que só querem saber dos interesses dos evangélicos e dos ricos?

Murray: Isso não é direita jamais! Esses conservas não passam de esquerdista enrustidos! A direita de verdade não quer saber de usar o Estado pra nada. É a esquerda que quer Estado socialista e com isso a destruição de toda liberdade e oposição!

Bernie: Olha, você devia olhar menos pra o que os outros aparentemente querem e ver o que JÁ acontece: o capitalismo selvagem mata milhões todo ano e empobrece ainda mais gente...

Murray: De jeito nenhum! Capitalismo é liberdade, é totalmente diferente dos esquerdistas que geraram tanto o nazismo quan...

Bernie: O que? Desde quando o nazismo é uma ideologia de esquerda? 

Murray: Claro que é! Até se chamavam de partido socialista!

Bernie: E a Coreia do Norte é uma república democrática...

Roberto: Olha, eu concordo que o nazismo é uma ideologia de esquerda mas também não achei esse argumento bom.  

Jonas: Se bem que é um debate idiota mesmo, o argumento é o que essa conversa merece.

Roberto: Por que é um debate idiota?

Jonas: Tanto direita quanto esquerda não significam nada, não tem como saber qual dos grupos tem o nazismo se nem sabemos o que cada um é. 

Roberto: É verdade até. O que fazer então?

Bernie: O jeito deve ser descobrir primeiro o que é esquerda e o que é direita pra depois ver o que é nazismo.  

Murray: Realmente.

Jonas: Boa sorte com isso.

Roberto: Com certeza! Vamos então definir esses dois termos.   

Michel: Não acredito que qualquer termo tenha uma essência fora do seus usos em diferentes épocas, mas deve ser divertido. Nós temos então que olhar para os usos históricos dos termos e então irm...

Murray: Esquerda é quando tem Estado e direita é quando tem capitalismo!

Roberto: Faz sentido, realmente a esquerda é focada em ter o Estado fazendo tudo. 

Michel: Ou nós podemos começar com essas definições idiotas e ai depois discutir história...

Jonas: Como assim direita é capitalismo e esquerda é Estado? Isso falha em qualquer nível!

Murray: Direita é libertários e perto dela fica liberais e alguns conservadores mais espertos enquanto esquerda é comunismo, trabalhismo e vagabundos de Iphone que querem tudo de graça. Obviamente o que separa os dois lados é um foco em ter mais ou menos Estado

Jonas: Bom, eu sou anarquista e de esquerda igual, tipo, praticamente todo anarquista antes dos ancaps colocarem as fotos de anime. Como eu posso defender mais intervenção estatal que um liberal se ele defende que o Estado exista e eu não? Pelo seu critério, boa parte da esquerda histórica seria de direita. 

Murray: Mas essa esquerda supostamente anarquista não é anarquista de verdade não. Como é que pode não ter trocas voluntárias ou como é que todos podem entregar suas propriedades privadas pro coletivo sem um poder coercitivo que obrigue todos a serem comunistas?

Jonas: Pra começar, nem todo anarquista de esquerda é comunista. Você tem alguns distributistas, os mutualistas e os belos anarcoindividualistas, grupos decentes que aceitam trocas voluntárias e propriedades pessoais. Pode parecer chocante pra você, mas geralmente nós sabemos que o capitalismo depende e muito do poder estatal pra gerar esses grandes capitalistas donos de tudo, de forma que livre mercado de verdade só é possível precisamente sem o Estado. 

Bernie: E mesmo os anarcocomunistas acreditam em algo parecido: que o Estado apenas defende os poderosos. Acho algo exagerado mas não faz sentido os chamar de estadistas.   

Roberto: Olhando bem, é verdade. Mesmo que seja, e é, verdade que os comunistas precisariam de um Estado para implantar o comunismo, não segue dai que eles são estadistas. Da mesma forma que o fato dos conservadores precisarem de coerção nível totalitarismo para a sociedade ser como eles querem não quer dizer que temos que classificar o conservadorismo como ideologia totalitária, o fato dos anarcocomunistas precisarem do Estado para terem o que querem não os coloca como fãs do Estado. As consequências de um ponto de vista e o que seus defensores pensam não precisa ser o mesmo. 

Murray: Bom, faz sentido. Mas os anarquistas de esquerda ainda são burros!  

Jonas: Claro, claro...

Roberto: Alguém tem outra definição?

Bernie: Que tal: esquerda é quem ajuda os pobres e direita quem ajuda os ricos? 

Roberto: Eu não vejo as políticas de esquerda ajudando os pobres em nada...

Bernie: Então você enxerga mal.

Roberto: Ou o que realmente ajuda os pobres e o que ajuda os ricos não são coisas indiscutíveis, cada lado se enxerga como quem efetivamente ajuda os pobres. 

Michel: É verdade. Apesar de não ser incomum esquerdistas se definirem como inimigos dos poderosos, mesmo os mais brutais regimes direitistas se vendem como aqueles que ajudam os mais pobres. Definir um lado como aquele que ajuda pobres não vai gerar uma definição útil, só debates. 

Jonas: Com certeza, precisamos de outra definição então. 

Bernie: Que tal então dizer que a esquerda é quem busca ajudar os pobres e a direita quem não tem esse foco?

Roberto: Não parece muito melhor, há esquerdistas que só buscam se ajudar e há direitistas que vivem pelos pobres.

Jonas: Tem razão. Essa definição parece atingir algo importante mas não serve. Definir as posições com base na psicologia das pessoas não é muito útil, cada um tem um objetivo. 

Roberto: Você mesmo não liga muito para os pobres, não é?

Jonas: Nem um pouco, mas minhas ideias sendo postas em prática é o que eles precisam.

Michel: Temos que ver outra definição então.

Roberto: Que tal dizer que a direita é defensora do capitalismo e a esquerda do comunismo?

Michel: A Guerra Fria não acabou?

Roberto: A verdade não é atemporal?

Michel: Eu não diria sim, mas o foco é outro. 

Jonas: Nem na Guerra Fria essa definição funciona. Por capitalismo se entendia o capitalismo liber...

Murray: Puro corporativismo! Capitalismo não é nada mais e nada menos do que trocas voluntárias.      

Jonas: Então sou capitalista?

Murray: Não é você que defende que a propriedade privada pode ser violada? 

Jonas: O que não existe não pode ser violado. 

Murray: Então aquele seu salão, o Max Estilo, pode ser tirado de você sem ninguém ter feito algo errado?

Jonas: É. De qualquer forma, defendo que na verdadeira anarquia a economia seria geralmente regida por trocas voluntárias feitas por donos dos próprios meios de produção que agem em benefício próprio mas não sou capitalista, então sua definição de capitalismo falha.

 Roberto: Eu pensei na definição da Guerra Fria mesmo. Capitalismo é o liberal e comunismo o marxista. 

Bernie: Bom, eu defendo um capitalismo regulado, a social-democracia, mas não sou de direita, onde fico?

Roberto: A social-democracia não surgiu como forma de alcançar o comunismo?

Michel: Termos mudam de significado direto.

Roberto: Talvez, mas é importante lembrar que isso surgiu do comunismo.  

Bernie: Bom, eu não quero comunismo e acho que ninguém que, por exemplo, gosta dos países nórdicos, defende que devamos buscar o negócio, talvez por engano. 

Jonas: Exato. Além dessa definição não botar no lugar certo boa parte da esquerda ela não se dá bem com anarquistas não-comunistas, os que prestam.  

Murray: Isso ai é a pura verdade.

Jonas: A definição estar errada ou os anarcocomunistas não prestarem?

Murray: Sim. 

Michel: Enfim, alguém ainda tem alguma definição pra tentar ou podemos falar de história? 

Murray: A direita é individualista e a esquerda é coletivista. Pronto, resolvi tudo.

Michel: Como assim?

Murray: A direita busca defender o individuo, quer uma sociedade onde se tem liberdade. Já a esquerda quer defender grupos onde o individuo é só um pedacinho do coletivo e tem que agir como manda o grupo.  

Jonas: Anarcoindividualistas e mutualistas também focam no indivíduo como livre e autônomo e são de esquerda enquanto conservadores e reacionários focam no indivíduo como parte de grupos com padrões rígidos e são de direita. Ou seja: não.

Bernie: É verdade, tem isso. 

Roberto: Concordo. Apesar de boa parte da esquerda ser coletivista não é só a direita que tem libertários.

Jonas: Tanto é que os primeiros libertários eram de esquerda. O libertarianismo de direita surgiu bem depois do nome.

Murray: Mas como você pode defender o indivíduo e ai querer ditar o que ele pode comprar ou onde ele pode trabalhar?

Jonas: Não pode. Que pena que entre nós anarquistas de esquerda não há gente decente e defensora do livre mercado...

Murray: E não há mesmo, já que a propriedade privada precisa ser inviolável.

Jonas: Isso faria bem menos diferença na vida real do que parece. Boa sorte pra tomar a casa de alguém numa vizinhança onde todos se conhecem, não há leis desarmamentistas e o dono apenas viajou por uns duas semanas... 

Murray: É, isso parece algo que um utilitarista aprovaria. É antiético mas acho que serve se formos ignorar ética.

Jonas: Excelente. Ignorar "ética" sempre é uma boa. 

Roberto: Concordamos então que há esquerda individualista e direita coletivista?

Murray: Sim. O conservador nem pra me ajudar...

Bernie: Precisamos de outra definição então.

Jonas: Que tal dizer que a direita quer manter as coisas como são e a esquerda quer mudança do status quo? A direita geralmente é bem mais conservadora.

Michel: A esquerda realmente costuma buscar mais a mudança da sociedade do que a direita. Os liberais inclusive eram vistos como a esquerda durante a Revolução Francesa. Não acho que essa definição abranja todas as épocas mas entendo a ideia.

Jonas: Por que não abrange todas as épocas?

Michel: Ela não parece representar bem situações como a da China após começar a abraçar o capitalismo. Nessa época, os maoistas seriam vistos como direita por tentar conservar o socialismo no país.

Roberto: É verdade, essa definição é contingente demais. O que definiria uma ideologia como esquerda ou direita no seu caso seria sua situação política num determinado lugar, o que destruiria a classificação das ideologias em ideologias de direita ou de esquerda pelas ideologias as vezes serem novidade e as vezes serem o status quo em diferentes países. As vezes uma ideologia seria de esquerda e as vezes de direita, não funciona.

Jonas: É verdade, entendi o problema. Sobrou alguma outra definição?

Bernie: Que tal dizer que a direita seria quem tem pontos de vista conservadores na área social e a esquerda quem é liberal nessas coisas? Mesmo os nossos liberais nem sempre apoiam pautas progressistas como aborto, casamento gay, transgêneros etc.

Roberto: Então todo mundo antigamente era de direita?

Bernie: Não, se não nem hoje haveria esquerda pelas pautas do futuro provavelmente serem diferentes das nossas. Mas os esquerdistas de antigamente geralmente defendiam pautas progressistas de suas épocas como anticoncepcionais, amor livre etc.

Murray: Mas o que é defender pautas progressistas? Pra mim isso tudo é bobagem e não ia querer na minha propriedade privada, mas não botaria os ladrões estatais para impedir as pessoas de fazerem o que querem com seus corpos igual defendem os estadistas conservadores. Além de não impedir tem que gostar?

Bernie: Me parece que você ainda tem a mentalidade conservadora no sentido de não gostar de mudanças sociais, então acho que te classificaria como direita sim. Claro que não botar leis contra o progresso é diferente do que fazem os conservas, mas você usaria boicotes e outras coisas assim se defensores dessas coisas aparecessem no seu pedaço do Ancapistão, então não dá pra considerar um apoio.

Roberto: Ou pode ser uma forma de centrismo: a direita ataca, a esquerda defende e o centrista só quer ficar na sua em paz. Agressão, apoio e apatia, são essas as respectivas atitudes dos lados. 

Bernie: Bom, pode ser. 

Murray: Também acho aceitável, não me vejo tomando lado algum nessas brigas ridículas. De que vale ter essas coisas ou não se somos roubados a todo instante?

Bernie: Enfim... Bom que resolvemos essa dificuldade pra definição. Que bom que concordamos nisso.

Michel: Mas a definição em si não funciona tão bem assim. Historicamente falando não há uma ligação necessária entre ser de direita e ser conservador ou ser de esquerda e ser progressista. Veja por exemplo alguns libertários que são economicamente de direita mas defendem abertamente essas práticas, embora não sejam os mais populares. Há também esquerdistas stalinistas, religiosos e positivistas que, por razões diferentes, concordam com a esquerda em inúmeras pautas mas rejeitam visões progressistas de comportamento. É claro que desde pelo menos os anos 60 e a contra-cultura americana há essa ligação entre progressismo e a esquerda, mas não é algo que todo esquerdista que já viveu concordaria.

Jonas: É um bom ponto. Claro que bobagens como papeis de gênero, tradição etc não combinam com muitas ideologias políticas de direita, mas muitos esquerdistas defendem essas coisas e os liberteens em massa fariam o mesmo caso fossem capazes de racio...

Murray: E não somos?

Jonas: Fica pra outro dia, mas não. Enfim, não dá para resumir a discussão direita-esquerda em o que se pode fazer entre quatro paredes, precisamos de outra definição.

Michel: Ou nenhuma funciona por conceitos não serem imutáveis...

Jonas: Uma opção também. 

Murray: Que tal dizer que a esquerda acredita que as pessoas são naturalmente boas e que a direita acredita que são naturalmente ruins? Os esquerdistas costumam defender que dá pra criar paraísos terrenos e a direita diz que a vida sempre será mais ou menos como é hoje.

Jonas: Nada a ver. Eu mesmo não acho que o homem é "bom" mas sim que justamente por ser egoísta que dá pra vida melhorar. Se o homem esquecer dessas bobagens de honra ou obediência veremos algo melhor acontecendo.    

Roberto: Acha que algo como o livre-mercado seria o mecanismo pra o egoísmo gerar coisas boas pra todos?

Jonas: Por ai. 

Murray: Acredita em egoísmo e em livre-mercado mas é de esquerda? Como pode?

Roberto: É uma dúvida boa, mas deixa pra outra hora.

Murray: Certo, é o tipo de coisa que merece ser aguardada mesmo. 

Jonas: Nem precisa aguardar pois eu respondo a pergunta: é só não ser burro. Mas enfim, não acho que achamos o critério certo. Não há liberais como Kant que defendiam que o homem é meio perverso por natureza mas que a vida poderia ser bem melhor do que é hoje se fizessem as mudanças certas? E também há na esquerda alguns cristãos que defendem o tal pecado original e positivistas que defendem que a civilização é totalmente anti-natural, como se isso significasse algo, mas que mesmo assim nos ajuda. Há várias posições que não encaixam certinho nessa divisão otimista/pessimista.   

Roberto: É verdade. Apesar de ser uma opinião mais comum entre a direita, alguns da esquerda também defendem que o homem é ruim por natureza ou indiferente. Mesmo o Aristóteles, que com certeza não era de esquerda, defendia que o ser humano nasce bem plástico e que sua criação e os hábitos adquiridos mudam tudo.

Michel: Se bem que depois ele me vem com a ideia de que alguns nascem pra escravidão...

Roberto: Aristóteles também errava. Mas enfim, acho que tem alguma ligação entre otimismo quanto as pessoas e a esquerda mas que não tá ai a chave para diferenciar as posições. 

Bernie: Olhando bem realmente dá pra ser pessimista e de esquerda, acho que olhei demais pro pessoal de hoje.

 Roberto: Acontece, as brigas de hoje chamam muita atenção e as vezes nem lembramos que tem mais posições.

Bernie: Verdade. Então precisamos de outra possível definição, alguém tem outra ideia?

Roberto: Não tenho nenhuma.

Jonas: Nem eu.

Murray: Eu também não.

Michel: Então que tal FINALMENTE fazermos uma análise histórica? 

Roberto: Sempre foi tua vontade, né?

Michel: Não posso negar. Discutir definições é perda de tempo pois conceitos mudam, o que há é olhar a genealogia do que queremos conhecer. 

Roberto: Então tudo bem. Começamos na Revolução Francesa?   

Michel: Começamos na Revolução Francesa. 

Roberto: Certo.

Michel: Vamos lá: perto do fim do século XVIII, a França estava em crise financeira e uma assembleia que deveria representar as três classes do país, clero, nobreza e povo, se reuniu pra discutir o que fazer. Os representantes do povo reclamaram que as coisas estavam sendo organizadas de forma injusta e ai saíram pra fazer sua própria assembleia, a Assembleia Nacional. Os representantes do clero e da nobreza os seguiram e, para evitar briga, aqueles que eram contra o Ancien Régime se sentavam do lado esquerdo e os que eram a favor se sentavam do lado direito. O que cada lado acreditava?

  Roberto: O pessoal da direita da época geralmente defendia a continuação da monarquia, dos privilégios da nobreza, da união entre o Estado e a religião e a vida pautada pela autoridade e ordem. Já a esquerda da época geralmente defendia o fim da monarquia em favor da democracia ou algo mais próximo, a igualdade entre todo cidadão, um Estado mais laico e a vida pautada pela igualdade, liberdade e fraternidade. Tentando resumir como num trabalho de escola seria assim.

Bernie: Que horror essa direita ai! E eu achando que era ruim hoje...

Jonas: É que a direita da época era defensora de uma ordem pré-liberal, antes da nossa religião civil atual. Você só vê esse pensamento em reacionários, enquanto a esquerda dessa época venceu e seu liberalismo é nossa base indiscutível. 

Bernie: É verdade. Ainda bem! Hoje temos liberdade.

Murray: Se bem que os ladrões do Estado legislavam bem menos naquela época... 

Michel: Enfim... vou continuar até a próxima mudança. A assembleia acabou e foi substituída pela Assembleia Legislativa, com novos membros. Agora, os defensores do rei já não tinham lugar, com a direita sendo burgueses que queriam uma monarquia constitucional e a esquerda sendo aqueles que achavam que a revolução devia ir mais longe e implantar uma democracia. O arranjo continuou depois que essa assembleia decretou a suspensão do rei e a criação de um parlamento, a Convenção Nacional pra criar uma nova constituição. Tudo continuou assim até a abolição da direita após a prisão dos girondinos. Até aqui já tem toda uma mudança, não?

Jonas: É, a divisão parece ser entre o que seria a esquerda e o centro de antes. A direita antiga some e tem o lugar tomado por alguns de seus opositores mais moderados.

Michel: Então um grupo que era de certa categoria acabou em outra por algumas mudanças contingentes?

Jonas: Sim, obvio. 

Roberto: O que não prova que não há uma classificação que abarque todos os tipos.

Michel: Veremos. Enfim, com as coisas acontecendo durante a revolução essa classificação ficou meio que morta até voltar junto com grupos políticos e a monarquia com a Restauração Bourbon, depois da primeira queda do Napoleão. Se volta a decidir os nomes pelo lugar que se senta. Nessa época, a extrema-direita surge pedindo a volta da monarquia absolutista, a nobreza, Estado católico etc. A direita comum era basicamente liberal e queria uma monarquia constitucional junta com um parlamento que só podia ser composto pela elite. A esquerda liberal tinha alguns republicanos e queria tornar o parlamento acessível ao menos pra classe média. Por fim, a extrema-esquerda surge com democratas defensores de trabalhadores e também com socialistas utópicos. já teve novas mudanças, não?

Roberto: Sim, você tem versões extremas das ideologias e uma delas é o que era a direita comum no inicio.

Michel: Vai tudo mudando com o tempo. Após essa época, a divisão esquerda e direita acabou continuando a se referir ao lugar que as pessoas se sentavam nos parlamentos, ao menos na França. Tudo muda mais no século XX, mais ou menos na guerra civil da Espanha, quando se começa a usar a divisão para falar de ideologias especificamente e não de lugares onde as pessoas sentavam. Por exemplo, conservadores e liberais eram de direita e comunistas e anarquistas eram de esquerda. Surge com o fascismo então as ideologias chamadas terceira posição, que se definiam como contrárias a tanto o capitalismo liberal quanto o socialismo russo e que portanto não queriam ser parte nem da esquerda e nem da direita. Aqui já tá mais próximo da nossa era, não?

Roberto: Verdade. Aqui já nem se fala em monarquia, o capitalismo liberal é ou tudo ou algo a ser superado, a religião no máximo é útil ao Estado, ideias como o anarquismo são irrelevantes e há uma tentativa de transcender toda essa divisão.

Michel: Exato. Tudo continuou até a queda da União Soviética, onde a esquerda comunista deixou de ser a mais importante e o capitalismo foi considerado vencedor. Aqui no Brasil, parece que se pode dividir tudo em: extrema-esquerda: o resto dos comunistas, nova esquerda: que tolera um capitalismo bem regulado e assistencialista e é mais identitária, centro-esquerda: que é mais trabalhista e parece ser mais tímida na parte social, centro: que não parece ter altos ideais além de continuar existindo, centro-direita: mais próxima do liberalismo, nova direita: fusão entre o neoliberalismo e o conservadorismo evangélico, e extrema-direita: que são basicamente fascistas. Claro que o impacto das posições extremas é basicamente nenhum, mas tudo bem.

Roberto: Parece ser um bom retrato da situação. Devemos ter passado por cima de algumas coisas nessa análise mas até que fomos bem. 

Michel: De fato, o importante é perceber que não há dois momentos que os termos tem exatamente o mesmo significado, simplesmente se tem inúmeras direitas, inúmeras esquerdas e é isso. 

Jonas: Não diria melhor. Ideias fixas como a desses grupinhos a qual devemos lealdade acabam sempre sendo, bem, ideias.   

Bernie: Não sei, me parece que as ideologias de direita tem sim uma certa essência meio maligna nelas que talvez tivesse como reparar.

Murray: E a esquerda tem uma essência ridícula e contrária a liberdade!

Roberto: Enfim... não acho que vocês estão certos. Acho que há sim uma forma de definir esquerda e direita que abrange todas essas encarnações diferentes, estava pensando nisso enquanto falávamos da França.

Michel: E qual seria?

Roberto: Simples, a esquerda acredita que as desigualdades são em geral artificiais ou indesejáveis e a direita que são em geral inevitáveis ou desejáveis. Estranho que ninguém aqui pensou nisso antes. 

Michel: Como essa definição funciona em todos os casos?

Roberto: É simples: há o espectro direita-esquerda onde se podem agrupar todos as ideologias possíveis em uma categoria num grau específico dela. Por exemplo, há a categoria extrema-direita que engloba o fascismo por essa ser uma ideologia obcecada com desigualdades entre homem e mulher, homens fortes e fracos, sociedades "saudáveis" e "degeneradas" etc. Quanto mais uma ideologia é contra a desigualdade mais próxima está da esquerda e quanto mais é a favor dela mais próxima está da direita.

Jonas: Usando a classificação de ideologias brasileiras algo como o liberalismo clássico seria centro-direita e o trabalhismo seria centro-esquerda, certo. O que seria então uma ideologia de centro?

Roberto: Acho que algo como a social-democracia nórdica, talvez. Há capitalismo pouco regulado mas também assistencialismo, altos impostos e vários serviços públicos. É mais tolerante com desigualdade econômica e capitalismo livre que alguns como nossos trabalhistas mas tem um Estado muito inchado para os liberais. Algumas formas não-neoliberais de conservadorismo como a democracia cristã devem entrar também. 

 Jonas: Interessante. Como isso se aplica a tendência da direita de ser mais conservadora?  

Roberto: Mentalidades mais conservadoras geralmente defendem rígidas hierarquias, com cada categoria, cada papel acabando com certos direitos e deveres, é uma visão de mundo necessariamente desigual. Como alguém na direita defende que certas desigualdades são boas, você tem mais chance de achar um conservador nesses grupos. 

Jonas: Faz sentido.

Bernie: A definição parece boa, mas e quanto a tendência da esquerda de ser mais Rousseau do que Hobbes que surgiu na conversa antes de falarmos de história? A definição explica isso?  

Jonas: Até explica. Para eu defender que temos que acabar com a desigualdade eu preciso achar que isso é possível, se não eu tô louco. Como é mais provável que acabar com a desigualdade seja mais fácil se ela é unicamente uma criação humana, você vai ver na esquerda mais gente que não acredita que a desigualdade entre as pessoas é natural.

Bernie: Entendi. Sempre vejo mesmo liberal ou conserva falando que o ser humano é egoísta ou violento por natureza.

Murray: Até esses ai percebem a verdade!

Jonas: Tão defensor da liberdade física e tão escravizado mentalmente...

Roberto: Agora não, caras...

Michel: Realmente não é hora.

Murray: E quando é?

Michel: Nunca. Enfim, eu vejo como essa definição funciona no campo das ideias, mas como exatamente isso explica tantas situações diferentes onde as ideologias mudam de papel direto?

Roberto: Simples: há o espectro político do mundo das ideias onde as diferentes formas de esquerda e direita vivem alegres e há os vários espectros políticos das brigas políticas pela história. É verdade que há situações que uma ideologia que mora na direita vai ser parte da esquerda de certo lugar, não tô negando isso, mas sempre vai ser contra uma irmã que está mais na direita do que ela. Liberais vão ser chamados de esquerda se disputarem com fascistas ou revolucionários, sociais-democratas vão ser direita se disputarem com trabalhistas etc. Claro que a realidade não obedece certinho nossos conceitos, mas são bem úteis.

Murray: É verdade! Tanto é que antigamente a "direita" do Brasil era meio que só os socialistas fabianos do PSDB e hoje quase ninguém pensa no partido quando se fala em direita.

Bernie: Sim, é isso mesmo. Se insanidade aumentasse ainda mais nesse país castigado e as disputas eleitorais fossem entre os fundamentalistas que estão ai e a direita de sapatênis, em pouco tempo todos começariam a chamar os engomadinhos de esquerda.    

Roberto: Isso que eu quero dizer! As formações de timinhos políticos seguem uma ordem e acho que a achei agora. 

Michel: Olha, olhando bem... né... até que meio que entendo onde você quer chegar... 

 Murray: É normal não gostar de estar errado, cara, você supera.

Jonas: Normal pra uns...

Michel: Mas é isso mesmo, o conceito é útil pra analisar esses casos todos sim. Com o tanto que as mentalidades mudam com o tempo fiquei surpreso que você achou algo útil.

Jonas: Se bem que foi nessa época que as bases iluministas do mundo de hoje ficaram populares, então a mentalidade mudou menos do que parece. 

Michel: Sim, verdade.

Bernie: Agora que finalmente descobrimos o que é esquerda e direita podemos discutir o que o nazismo foi, não é?

Michel: Verdade!

Jonas: Eu tinha esquecido do assunto...

Murray: Também.

Roberto: Também. Mas claro, fomos prum assunto totalmente diferente, nem tinha como lembrar.

Michel: É quase como se o tema principal não fosse o nazismo...

Jonas: E eles merecem ser o tema de algo?

Michel: Você tem um ponto. Mas realmente podemos discutir isso agora, cabe a nós então reconstruir o pensamento nazista e ver onde essa coisa se encaixa no espec...

Murray: Nazismo é socialismo e portanto é uma forma de extrema-esquerda!

Michel: Okay, tá difícil...

Jonas: Por que o nazismo é socialismo?

Murray: Nazismo é fascismo e o fascismo é socialista. Socialismo é quando o Estado controla tudo e o fascismo defende que tudo esteja sobre controle do Estado. Como diz o Mussolini: "tudo dentro do Estado, nada fora do Estado e nada contra o Estado".

Bernie: Nem toda forma de socialismo é assim, você toma o socialismo soviético como o único possível e isso é ignorar muitos pensadores.

Jonas: Com certeza. Socialismo é ter os meios de produção na mão da sociedade e os socialistas totalitários, como os soviéticos, são só um tipo de socialismo.

Murray: Mas se o fascismo for como o socialismo soviético eu ainda tô certo, não?

Bernie: Claro, só achei importante falar disso. Mas mesmo assim não vejo muita base pra comparar os fascistas com os soviéticos, os fascistas sempre defenderam a propriedade privada.

Roberto: Acho que a frase parte da ideia fascista de que o Estado garante unidade de pensamento e cultura pra nação via propaganda, educação etc e que tolerar pessoas que pensam fora desse ideal nacional não rola. Ao invés de economia o negócio fala do totalitarismo fascista mesmo.

Bernie: Isso. Liberdade de pensamento não era algo defendido pelos italianos e os fascistas tem dificuldade de separar Estado m nação, então não existe isso de pensamento fora do Estado.  

Murray: Mas os governos fascistas não eram bem intervencionistas?

Jonas: Eram sim, já que o fascismo é explicitamente anti-liberal e defende ideias como autarquia e corporativismo. Claro que além de controlar o pensamento os governos fascistas na Alemanha e na Itália também usavam o governo para fazer os empresários fazerem o que era "bom pra nação" e fizeram vários gastos públicos, principalmente o Mussolini, mas eles defendiam a propriedade privada. Eles também eram explicitamente anti-comunistas.

Michel: Tanto é que ao entrar no poder os nazistas privatizaram um monte de coisa. O que acontece é que eles acreditavam que TUDO devia ser direcionado a nação, então o livre mercado não teria como ser parte.

Murray: E isso não é socialismo? Não é a mesma coisa achar que a propriedade deve ficar nas mãos do Estado representando a sociedade e achar que a propriedade deve ficar nas mãos do Estado representando a nação?

Michel: Não pois os nazistas não achavam que a propriedade devia ficar nas mãos do Estado, achavam que devia ficar nas mãos dos patrões e que o Estado devia ajudar a orientar o uso ela. 

Murray: Eu não vejo tanta diferença prática.

Michel: Numa minarquia o Estado também orienta o uso da propriedade privada, só que num nível bem menor. Numa minarquia a propriedade privada também está nas mãos do Estado?

Murray: Sim.

Michel: E se o dono do meu condomínio quiser orientar como eu uso a minha propriedade dentro do condomínio via regras? A propriedade está nas mãos dele?

Murray: Não.

Michel: Então há diferença entre eu ser o dono dos recursos e não ser mas colocar regras em como eles podem ser usados por seu dono?

Murray: Sim, são diferentes. Mas os nazistas não tinham o direito de fazer isso, então é difícil dizer se eles são diferentes dos socialistas.

Michel: Matar uma pessoa acidentalmente e intencionalmente tem resultados parecidos: um cadáver. Mas ambos são a mesma coisa?

Murray: Claro que não, só o intencional pode ser chamado mesmo de assassinato.

Michel: Da mesma forma, querer orientar como outros usam suas propriedades privadas não é o mesmo que querer ser o dono delas, mesmo que na prática ambos se pareçam.

Murray: É, você está certo. Mas mesmo assim ambos os casos são imorais e malígnos como qualquer forma de Estado!

Roberto: Enfim, então a ideologia nazista não é socialista, ótimo. Como definir então onde ela se encontra na classificação?

Bernie: Vendo as posições dela em relação a igualdade, como seu critério aponta. 

Roberto: Verdade! Nesse caso, como nazistas lidavam com igualdade?

Jonas: Acho que é bom definirmos bem igualdade. Por exemplo, nenhuma ideologia defende que há igualdade total entre as pessoas, apesar de alguns ataques contra espantalhos, mas muitas defendem igualdade econômica ou social.

Michel: De fato, há inúmeras formas de se falar de igualdade. Por exemplo, há aqueles que defendem igualdade de valor, com todos os seres humanos sendo dignos de valor e possuidores de direitos só por existir. Há aqueles que defendem a igualdade étnica, com todas as diferentes etnias tendo capacidades iguais para coisas como racionalidade ou controle emocional. Há aqueles que defendem igualdade perante a lei, com todos sendo vistos como idênticos pelo Estado. Há aqueles que defendem igualdade de capacidades, dizendo que as diferenças de habilidades importantes são geradas pela criação, experiências e força de vontade. Há aqueles que defendem igualdade de oportunidades, com todos tendo as mesmas chances de se dar bem na vida. Há aqueles que defendem igualdade econômica, que todos devem ter a mesma capacidade de ter bens. Finalmente, há aqueles que defendem igualdade social, com todos tendo os mesmos direitos e deveres independentemente de seus sexos, ideologias, locais de nascimento, orientações sexuais etc. Não estou tentando ser sistemático, perda de tempo, mas é isso. 

Bernie: Exatamente, acho que são essas as categorias que me vem na cabeça. Se a ideologia nega várias dessas ela é de direita e se aceita várias é de esquerda.

Roberto: Até por que há uma certa ligação entre elas. Tipo, se você acha que todos são iguais em capacidade tem mais chance de achar que devem ser iguais em poder econômico ou próximo disso.

Bernie: Verdade. Começando pela igualdade de valor, acho, talvez né, que nazistas não acreditavam nisso...

Roberto: Não mesmo. Para o nazista, o valor de alguém se encontra na sua capacidade de servir a nação, o deficiente não valia absolutamente nada nessa época. Tanto é que após tanta propaganda contra eles e a aprovação nos anos trinta de uma lei que defendia a esterilização dos "inferiores" você vê a famosa Aktor T4, onde milhares de deficientes e doentes mentais foram mortos por debaixo dos panos por médicos. Essa não é uma ideologia que defenda muito que todos tenham valor.

Bernie: Caramba, sério?

Michel: Verdade, já li sobre isso antes.

Murray: Lembro de ter visto num documentário. Pra vocês verem o perigo do Leviatã!

Roberto: Um horror mesmo.

Bernie: Monstruoso. Mas voltando ao assunto, essa negação de igualdade ética é bem profunda mesmo. Nem os medievais negariam isso, embora eles buscassem proteger as almas com métodos meio... extremos.

Jonas: Se bem que muita gente hoje sabe que valor é uma ficção, tanto na esquerda quanto na direita, então esse moralismo de vocês não ajudou a definir onde esses imbecis ficam na politica. 

Roberto: Eu não poderia me preocupar mais com o que ouvi mas é verdade, vamos continuar a ver as liberdades.

Michel: Eles também não eram defensores da igualdade étnica, racismo era algo importante para os nazistas.  

Jonas: Se bem que racismo não era tão incomum assim naquele tempo, só ver como os americanos tratavam seus negros ou como os britânicos tratavam os indianos, acho que também não ajuda muito a dizer a posição deles políticamente.

Bernie: Até ajuda, já que se você acredita que certas "raças" são mais capazes do que outras então a desigualdade entre países de etnias dominantes diferentes ou entre pessoas de outras etnias do mesmo lugar está justificada: os mais pobres são menos capazes por natureza. Ou seja, bate mais com a direita. 

Roberto: Se bem que o racismo já foi comum entre a esquerda também. A pós-moderna mesmo gosta de pregar que brancos são piores que outros grupos. Não falo pra discutir o tal "anti-racismo", mas acho que ser racista não te joga na direita.

Bernie: Sim, mas é um indício, né?

Roberto: Isso sim. 

Murray: E quanto a igualdade perante a lei? Como era isso pros estadistas alemães?

Michel: Era algo bem pré-cristão: os alemães legítimos, o "nós", eram vistos como iguais unidos por "sangue e solo" que deviam ter as mesmas oportunidades e direitos. Já os estrangeiros e os de outras raças, o "eles", não tinham os mesmos direitos dos alemães legítimos a ajudas e oportunidades, o que acabou piorando com os judeus e outros grupos até dar no que deu.

Jonas: Isso é verdade, os nazistas tinham um senso de particularismo bem forte que refletiu na lei e práticas, eles acreditavam em igualdade perante a lei pra sua "raça superior". Era inclusive esse o sentido do socialismo nazista: a sociedade representada e unida era a dos tais arianos. 

Murray: Ô coletivismo nojento!

Jonas: Com certeza!

Bernie: É interessante essa divisão, foge totalmente do que se vê entre liberais e socialistas e vai direto pra certos reacionários. Não é por si só uma ideia da extrema direita essa desigualdade extrema?

Roberto: Há um pouco de igualdade e um pouco de desigualdade. Como particularismo extremo é algo comum em ideologias revolucionárias, com até os marxistas tendo em relação aos não-revolucionários, acho que não dá pra decidir aqui.

Jonas: Ninguém quer parar o teste se o resultado for inconveniente...

Roberto: Eu aceitaria o nazismo ser de extrema-direita, só quero ter certeza. 

Jonas: Bom, vamos ver.

Bernie: Mas nem foi um ponto ruim, acho uma boa continuar.

Michel: Vendo que a próxima é igualdade de capacidade, nem precisa discutir muito. Os nazistas claramente defendiam que a genética é tudo. Essa noção de que arianos são criaturas mais evoluídas e criadores da civilização era uma maravilha pra legitimizar as políticas e domínio alemão sobre as "raças inferiores". 

Murray: Verdade. E quanto a igualdade de oportunidade? Os coletivistas do passado defendiam a meritocracia ou eram como os de hoje? 

Jonas: Só para outros cidadãos alemães saudáveis, como o Michel mencionou. Fazer leis contra não-arianos no serviço público ou limitar a quantidade de judeus nas escolas não são exatamente formas de alcançar igualdade de oportunidades.

Roberto: Apesar dessa atitude claramente causar desigualdade acho que não dá pra cravar que é algo especificamente de direita, já que é uma atitude incomum nela.

Jonas: Incomum pela maior parte da direita ter base liberal mas dá certinho com alguns reacionários, acho que dá pra encaixar na extrema-direita. Parte da ideia de uma separação grande entre "nós contra eles" e isso combina mais com aqueles que defendem a desigualdade.

Michel: Você tem razão, realmente esse tipo de ideia não faz sentido algum dentro de uma ideologia que promove a igualdade.

Bernie: Verdade.

Roberto: Mas governos com foco na igualdade, de esquerda, podem sim distinguir entre seus cidadãos e estrangeiros em direitos mas ainda buscar políticas que estimulem a igualdade econômica no geral. Eu só quero saber como é que a Alemanha Nazista pode ser de direita por marcar muitos pontinhos nessa listinha mas a União Soviética, por exemplo, também e ser de esquerda.

Murray: Com certeza! Um cidadão soviético esmagado pelo Leviatã não saberia diferenciar os dois.

Jonas: Curioso como a lista só é um problema agora...

Michel: De fato. Eu entendo que a União Soviética e a Alemanha Nazista eram muito parecidas por serem ambas brutais ditaduras totalitárias, mas é simplista dizer que ambos os países eram iguais. Os genocídios, violências e discriminações soviéticas aconteciam num governo que buscava transcender essas coisas, enquanto os nazistas viam tudo isso como bases de suas ideias e partes de seus objetivos.

Murray: Isso fez diferença pra quem sofreu lá?

Michel: Não muita, mas faz se estamos classificando. 

Jonas: Exato. Matar por sadismo ou por uma traição dá no mesmo para a vítima, mas não são ambos iguais.

Michel: Haha, sim.

Roberto: Mas como podem governos supostamente tão diferentes terminarem em genocídio, racismo e opressão assim?   

Jonas: Autoritarismo, ué. Os nazistas e os soviéticos, por razões diferentes, botaram muito poder na mão dos partidos e deu no que deu. É verdade que houveram abusos, genocídios e outras coisas do tipo nos dois, mas isso aconteceu mais pelas formas de governar do que as ideologias. Tanto é que o Pinochet era liberal e quando tomou o poder também fez coisas assim, embora em menor escala. Quando você pega a tendência a criar essas ideias fixas chamadas de Estado e a amplifica é isso que acontece. Ao fazer as pessoas acreditarem nessas coisas sagradas não se surpreenda se elas realmente agirem como religiosos...       

Murray: É verdade, ficar botando poder nas garras do Estado só resulta em destruição.

Jonas: Sim. Deixaram os partidões fingirem ser deuses e eles pediram sacrifício.

Michel: É isso mesmo. Tanto os soviéticos quanto os nazistas rejeitaram a democracia liberal e colocaram tudo nas mãos do Estado mas por razões bem diferentes. Os nazistas acreditavam que a Alemanha tinha se tornado pobre, fraca e decadente por esquecer do vínculo racial e nacional que unia os alemães e cair no igualitarismo democrático medíocre oferecido por judeus das sombras, exigindo que um grupo tomasse o poder e restaurasse as condições que geraram a grandeza de seus ancestrais. Já os soviéticos acreditavam que após derrubarem a elite meio que feudal que ainda existia na Rússia ainda se precisava moldar esse povo atrasado e marcado pela hierarquia num povo feito para uma nova forma de sociedade e também que se precisava proteger esse processo da brutal oposição capitalista que vinha de fora, exigindo que um grupo tomasse o poder e dirigisse o Estado até ele não ser necessário.

Bernie: Ou seja: os nazistas fizeram tudo em nome da desigualdade e os soviéticos em nome da igualdade?       

Michel: Simplista, mas se olharmos para as ideologias até que funciona. Tanto é que a retórica soviética era igualitária, pra época, mesmo ao cometerem genocídios. Os povos destroçados eram atacados porque supostamente iam contra o socialismo e a igualdade. 

Roberto: Todo esse papo é bom, mas isso justifica essas duas ditaduras parecidas estarem em lados opostos do espectro?

Bernie: O que define é principalmente a parte teórica, já que querer forçar todas as ditaduras a ficarem num lado só é arbitrário. Se toda ditadura totalitária é igual, por que não botar todas os governos marxistas na direita porque eles parecem com o nazismo e as ditaduras militares das Américas?

Murray: Por que a igualdade é anti-natural e portanto tem que ser imposta, então a esquerda precisa de ditaduras.  

Jonas: Ou as classificações de indivíduos em ricos e pobres, nobres e plebeus, senhores e escravos e outras são criações humanas que precisam de uma ordem legal e política para se sustentarem...

Roberto: Então vocês estão dizendo que o nazismo ser uma ideologia defensora duma desigualdade forte e profunda torna a ideologia de extrema-direita? 

Jonas: É.

Bernie: Sim.

Michel: Exato.

Roberto: Olha, eu realmente não vejo esses caras como próximos de mim no espectro, me parecem bem distantes.

Jonas: Mas você tem alguma boa razão pra isso?

Roberto: Não.

Murray: Um partido socialista é de esquerda, obviamente...

Jonas: Filho feio ninguém assume...

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Método Errado

 Grande meta se viu

naquele sonhador

que ali decidiu

ser o maior lutador.


logo foi estudar

e muito aprendeu.

Movimentos a olhar,

Técnicas ele entendeu.

Estilos a pesquisar,

A ignorância perdeu.

Assim foi seu treinar.


Outro foi desafiar

pois o dia chegou.

Pena que só pôde apanhar,

Um soco só bastou.


sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Do Sofrer

 "É normal o homem sofrer,

(diz o pagão) para ele isso

os deuses decidiram tecer."

Enquanto caminha no liso

aproveite para agradecer,

és tão frágil quanto o caniço. 


"Ames unicamente O Divino,

(diz o asceta) pois o sofrer 

no amor mundano é embutido."

Do mutável vá se desprender,

querer o meramente bonito

só dor poderá te trazer.


"Sofrer é uma humilhação,

(diz o moderno) loucura é a dor

e a razão é a solução."

Ou se cria no mundo mais cor

ou tudo só exige aniquilação,

a razão gera amor ou horror.


"Estás comigo na provação,

(percebe o cristão) meu Senhor!

Nessa vida o sofrer não é pouco não,

pois Adão afastou todos Do Amor,

mas Tu se deu como solução!"

Da cruz subiu ao céu suave odor,

diariamente repita a operação

e se una Ao divino redentor!

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Maria

 Martin: Eu acho seu nome bonito. É muito comum mas é até bom de escutar. 

Maria: Meu problema não é com ele em si, é que ele me lembra da idolatria dos católicos com a mãe do Senhor. Esses idólatras são tão exagerados que querem colocar esse nome em toda menina que existe!

Martin: Tem exagero mesmo no jeito que católicos a tratam.  

Maria: É puro exagero, estamos falando de uma mulher comum que colocam como uma deusa com um monte de dogmas inventados. É uma coisa horrível que só afasta do Senhor Jesus Cristo.

Martin:  Que eles são malucos com essas coisas é verdade, eu só não concordo com isso dos dogmas serem todos inventados. Boa parte do que eles defendem é até aceitável.

Maria: Você só pode estar brincando! Como qualquer uma dessas crenças católicas sobre Maria pode ser defendida usando a Bíblia? Opiniões de papas e "doutores" não valem nada.

Martin: Não valem mesmo, mas católicos também argumentam usando a Palavra e muitos cristãos antigos viam a Bem-Aventurada muito bem, tem bastante coisa defensável sim. Se duvida, podemos fazer o teste. 

Maria: Essa parte da Palavra tudo bem, mas o que os cristãos antigos defendiam não importa. Como diz o Senhor em Marcos 7:8, nós não podemos rejeitar o mandamento de Deus pelas tradições de homens. Nenhuma tradição humana vale alguma coisa.

Martin: Não é esse o jeito certo de interpretar esse versículo. O que o Senhor condena nos fariseus é eles ignorarem o mandamento divino por tradições, como Ele explica no resto dessa discussão ao dar o exemplo da corbã. O Senhor inclusive diz em Mateus 23 que os judeus deviam obedecer os fariseus mas não os imitar, pois suas práticas eram ruins mas as tradições orais boas. Tanto é que Paulo pede para conservarem as tradições cristãs em I Coríntios 11:2 e em II Tessalonicenses 2:15, indicando que algumas tradições são boas. 

Maria: Você tem um ponto, boa memória. Realmente não podemos desconsiderar a tradição.

Martin: Exatamente. É olhando para elas e pra Palavra que eu tenho certeza que nem todas as ideias católicas quanto a Bem-Aventurada são loucura.

Maria: Isso sim que é loucura! Há várias e várias passagens que revelam que a Maria mãe do Senhor Jesus é uma mulher qualquer como qualquer outra. Os católicos que nunca as leem.

Martin: Na verdade os católicos de missa devem conhecer essas passagens, eles leem toda passagem sobre a Virgem nos Evangelhos, mesmo as mais constrangedoras.

Maria: Mas como acreditar que ela era mais do que uma mulher comum? Em João 2:4, o Senhor Jesus deixa claro que ela não é mais do que alguém normal ao chamar ela de "mulher" e responder claramente que Sua hora "não chegou". Como Ele a responderia assim se ela é tão nobre?

Martin: Assim, a primeira coisa a reparar é que se essa resposta do Senhor fosse um desrespeito então Ele estaria descumprindo o quinto mandamento, o que é loucura. Fora que a reação dela não foi ficar ofendida, foi ir até os servos e dizer pra eles obedecerem o Senhor, então de alguma forma essa resposta deve significar na verdade que Ele ia atender o pedido dela.

Maria: Mas se não era pra destacar que ela era uma pessoa comum pra que então responder desse jeito duro ao invés de falar "certo, vou ajudar"?

Martin: Nosso Senhor gosta de parábolas, essa devia ser mais uma. Qual é o outro momento em João que Ele a chama de mulher?

Maria: Em João 19:26, quando Ele, na cruz, a dá como mãe a João e o dá a ela como filho. Acha que tem alguma ligação?

Martin: Sim! E nem sou só eu mas Agostinho de Hipona também. 

Maria: Agostinho é legal, mas é melhor ir direto pra sua interpretação da passagem.

Martin: Certo. Diz ai antes: O Senhor Jesus é um humano comum, como acreditam os muçulmanos?

Maria: Claro que não! O Senhor é Deus que se fez homem, como a Palavra deixa claro. Filipenses 2:5-11, João 1:1-14 e 8:58, Colossenses 1:12-17 e muitas outras passagens deixam claro que o Salvador é divino. Se não fosse, é difícil dizer o que a crucificação seria se não uma forma de dar exemplo ou outra coisa tão sem graça quanto.

Martin: Sim, o Senhor é divino e humano. Junto com a Trindade, essa verdade é o que torna o Cristo tão radical e justifica Sua fé ter que ser espalhada pelo mundo todo, algo que não acontecia com as religiões humanas.

Maria: Sim! Ao invés de ser apenas um messias político ou um guru que os ocidentais fingem que se importam, o Cristo é o próprio Deus eterno que vem nos libertar do pecado e a morte ao se tornar um de nós! 

Martin: Exato. E essa é a chave dessa passagem misteriosa.

Maria: Como?

Martin: Veja, na passagem da festa o Senhor poderia muito bem ter dito para sua mãe algo como "mulher, sou teu filho pela natureza humana mas o que estás me pedindo exige minha natureza divina, que você não me deu. Nesse momento em que dela uso não focarei em ti mas chegará a hora em que a natureza humana que me deste será muito importante e nesse momento focarei em ti". É a leitura que Agostinho faz da passagem durante suas discussões com os maniqueus.

Maria: Não estamos presos a opiniões de "doutores" como Agostinho, só a Bíblia é autoridade.

Martin: Eu não disse que temos que aceitar essa interpretação porque Agostinho falou, só citei ele para mostrar que não sou o único a entender assim. 

Maria: E acha essa interpretação plausível? É bem cheia de coisas.

Martin: Mas é claro que quem ensina com parábolas não teria uma frase simples e obvia pro Seu primeiro milagre. Primeiro que a interpretação de Agostinho explica porque ao ouvir essa resposta do Senhor a Bem-Aventurada foi avisar os servos que deviam o obedecer, indicando que ela entendeu o dito como um sim. Segundo que explica porque Ele a chama de "mulher" nesse momento e na crucificação. Terceiro que combina com o primeiro milagre Dele tudo ter um significado simbólico. Quarto que refuta a ideia de que o Senhor Jesus desrespeitou a própria mãe, o que seria pecado da desobediência. 

Maria: Não sei, ainda é algo bem longe do que parece.

Martin: Então parece com as outras frases Dele. Se lembre que basta a interpretação de Agostinho ser possível que você perde, já que ai essa passagem não necessariamente diz que O Senhor não respeita sua mãe.

Maria: Bom, verdade. Mas e quanto a Mateus 12:46-50? Ali Ele deixa claro que laços familiares não tem importância bem na cara de sua mãe terrena. Como pode ser que ela fosse mais do que uma mulher comum?

Martin: Tai, como eu gosto da Bem-Aventurada um católico amigo da minha mãe me convidou para ir numa missa durante umas dessas cinco mil festas marianas e a passagem lida era justamente essa. Não lembro da festa ou dos ritualzinhos mas dessa parte sim.

Maria: Então eles ouvem essa passagem todo ano?

Martin: Sim. Como foi num domingo a maioria já deve ter ouvido. Claro, tem os que vão lá sem prestar a atenção em nada, mas há alguns sérios que meditam isso.

Maria: E como alguém pode conhecer essa passagem e adorar essa mulher? 

Martin: O que o padre do dia disse é que pelo batismo e a conversão nós somos unidos ao Senhor. Como ele diz, Ele e o Pai vem em nós "fazer morada" e, como diz o apóstolo Paulo, nos tornar "filhos adotivos". Assim, os papeis não são dados pelo sangue como na Antiga Aliança mas pela fé. O que estava sendo dito pra multidão era que eles deviam focar em amar a Deus e fazer Sua vontade, ai seriam verdadeiros herdeiros.

Maria: Sim, e com isso o Senhor tira qualquer valor da família terrena que tinha, mesmo de Sua mãe. 

Martin: Ai você está lendo algo além do texto. O que o padre lá também disse é que o Senhor não precisava ter uma mãe humana mas que Ele escolheu ter uma justamente para dar o exemplo desse ensinamento de que o que nos dá lugar no Reino dos Céus é praticar o que Ele nos diz para fazer. Ela não mostrou como ser "irmão, irmã e mãe" do Senhor ao responder o anunciado pelo Anjo Gabriel com "eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim conforme sua palavra" e ao meditar as coisas que via e ouvia do Senhor? 

Maria: Mas como essa interpretação bate com Lucas 11:27-28? Vai me dizer que há alguma forma de encaixar isso com Ele explicitamente negar a ideia de sua mãe ser "bem-aventurada"?

Martin: Na verdade, essa passagem é perfeita. A mulher que gritou tinha uma noção hereditária de merito, de que o sangue que nos dá o papel na vida da fé, por isso pra ela a mãe do Senhor era bem-aventurada. O Senhor respondeu por essa visão e por isso negou que a Virgem fosse bem-aventurada, pois se depender só dela ser mãe Dele ela não teria nada. Mas em Lucas 1:45 Isabel, cheia do Espirito Santo, mostra que se você olhar a Virgem não pensando em biologia mas nela ser aquela "que creu", ela é bem-aventurada. Ou seja, se você juntar essas duas passagens do mesmo evangelho vai ver que a minha interpretação é boa: essa Maria é bem-aventurada não por ser mãe, mas por ter fé. 

Maria: Olha... realmente me surpreendi agora. Isso foi bem interessante, consigo ver como as suas interpretações fazem sentido. 

Martin: Então concorda que não há evidência bíblica conclusiva pra dizer que a Virgem é uma mulher comum? 

Maria: Bom, acho que sim. Mas então como entender Lucas 2:46-50?

Martin: Semelhante ao dito em João: o Cristo é divino e portanto tem que tratar dos negócios divinos antes das coisas humanas. Mas como ele também é humano obedece os pais, como é dito logo depois. Há uma hierarquia dentre as duas submissões, como tem que ser para todo cristão, mas Ele tem sim respeito pelos pais. Se lembro bem, é como Agostinho interpreta.

Maria: Você pensa muito em Agostinho...

Martin: Ele merece isso mesmo!

Maria: Haha, sim.

Martin: Mas então realmente admite que não há razão pra chamar a mãe do Nosso Senhor de mulher comum?

Maria: Concordo. Mas isso não chega nem perto de acreditar naqueles dogmas idiotas.

Martin: Não duvide, há muita coisa razoável nessas idiotices. 

Maria: Ai eu duvido. Você, que lê a Palavra, realmente acredita em loucuras como a mãe do Senhor ser virgem?

Martin: Mas é claro.

Maria: Então tá, diga como alguém pode defender que ela realmente é a "virgem" Maria se a Palavra diz em Mateus 1:25 que José a conheceu após o Senhor nascer.

Martin: O texto diz isso mesmo?

Maria: Está escrito que ele "não a conheceu até que deu à luz ao filho". Esse "até que" significa que o ato é realizado após a condição mencionada ser atingida. É o que a expressão quer dizer em outros versículos como Apocalipse 7:3 e Atos 23:12.

Martin: A expressão realmente significa isso em alguns momentos, mas em outros versículos a expressão "até que" não significa uma mudança. Alguns exemplos são 1 Coríntios 15:25 e 2 Samuel 6:3. Nesses casos ela só torna o enfatizado mais forte. Você não pode usar então essa expressão como prova de que José teve relações sexuais com a virgem.

Maria: Bom, é verdade que a expressão pode ter um significado ou outro. Mas olhando pelo contexto é obvio que eles se conheceram sim nesse sentido. O versículo 24 diz que José a "aceitou como esposa", o que significa que o "a conheceu" que vem depois não pode significar que ele literalmente a conheceu nesse momento. O "conheceu" tem que ter algo diferente de só a ver ou aceitar pois isso foi confirmado antes. 

Martin: Não é bem assim. Pra começar, o versículo 18 estabelece que a Bem-Aventurada estava despojada com José. Ela não vivia com ele então, certo?

Maria: Sim, os judeus antigos combinavam o casamento e depois de um bom tempo que o casal começava a viver junto. Significa que ela e ele ainda não moravam no mesmo lugar.  

Martin: Exato. Depois disso a virgem engravida milagrosamente e José pensa em a abandonar. O que acontece depois que o anjo lhe explica tudo no sonho?

Maria: Ele a recebe como esposa.

Martin: Isso. É depois disso tudo que nos é dito que ele não a conheceu "até o nascimento de Jesus", o foco é em José a receber, não na vida sexual deles. Segue então que não dá pra cravar dessa passagem que eles tiveram relações sexuais, a expressão pode significar isso ou não. 

Maria: Talvez não, mas a passagem toda pode. Repare que ela chama o Senhor Jesus de primogênito, o que significa que ele foi o primeiro de outros filhos.

Martin: Como assim? 

Maria: Primogênito é o primeiro filho, então se o Senhor Jesus é o primogênito é porque obviamente vieram outros depois. 

Martin: Não é bem isso que quer dizer. Êxodo 13:2 diz que primogênito é aquele que "abre a madre", que é o primeiro a passar pelo útero da mãe. Ser o primogênito não é ter nascido antes dos irmãos mas sim quem "fez a estreia". Se uma mulher ou uma fêmea israelita tivesse tido o primeiro filho mas morresse após o parto esse filho ainda seria o primogênito aos olhos da Lei de Moisés. Ser primogênito é algo mais de título, tanto é que Jacó acabou sendo aceito como primogênito no lugar de Esaú.

Maria: Boa memória, não lembrava dessa passagem.  

Martin: Ninguém é robô, né, você aprende coisas novas sempre. O importante é que não dá pra usar o fato do Senhor ter sido chamado de primogênito pra defender que sua mãe teve outros filhos.  

Maria: Realmente não, mas a Escritura esclarece essa questão ao falar várias vezes nos irmãos e irmãs do Senhor. Acha que são primos?

Martin: Sim, acho.

Maria: Não sei como alguém que lê a Bíblia pensa isso. Versículos como Mateus 13:55-56...

Martin: Não era mais pra você falar algo como "os versículos 55 e 56" ou "do 55 ao 56"? Assim fica esquisito.

Maria: Sei que fica, mas tô com vontade de falar assim, não sei o porquê...

Martin: Estranho, também me parece razoável falar assim, esquisito.

Maria: Bom, esse tema fica pra depois. O importante é que versículos como Mateus 13:55-56 e Gálatas 1:19 são o pesadelo de todo católico pois falam que o Senhor teve irmãos. 

Martin: Não exatamente. A palavra irmão tem vários significados e pros hebreus poderia significar só um parente próximo. O exemplo obvio é Abraão e Ló. Em Genesis 13:8, Abraão diz que ele e Ló são "irmãos" mas em Genesis 11:27 é dito que Abrão é irmão de Harã e que esse é o pai de Ló. Ou seja, a Escritura diz que Abraão é tio de Ló mas esse chama Ló de irmão, mostrando que a palavra tem mais de um significado.

Maria: Em hebreu sim, mas o Novo Testamento foi escrito em grego e em grego haviam palavras específicas para irmão, primo etc. Como só se fala de irmãos do Senhor no Novo Testamento, então são irmãos no sentido normal e portanto a mãe do Senhor não é virgem. 

Martin: Na verdade não necessariamente significa isso. Se lembre que as citações falando de irmãos do Senhor são dos evangelhos, que contavam acontecimentos de Israel, e de referências a Tiago, que era um líder na igreja de Jerusalém. Ou seja, as referências a irmãos do Senhor são todas relacionadas aos israelitas, portanto poderiam ter pegado esse costume de chamar todo parente de irmão. Não haveria medo de confundir os gregos que lessem os evangelhos pois a igreja estava perto pra explicar, tanto que o Protoevangelho de Tiago e os autores patrísticos defendiam que o Senhor só teve primos. 

Maria: Mas se em vários versículos do Novo Testamento usaram "irmão" como os gregos usam não é estranho do nada essas passagens inconvenientes terem outro significado? Tem alguma razão pra defender isso que não seja defender essa tradição boba de uma mulher virgem pra sempre?

Martin: Mesmo se não tivesse eu acho que a tradição ajudaria a fazer essa interpretação razoável. Mas na verdade tem, Marcos 15:40 nos diz que dentre as mulheres que viram o Senhor ser crucificado havia "Maria, mãe de Tiago e de José", então a mãe do Tiago não era a mãe de Jesus e mesmo assim ele era chamado de irmão do Senhor, confirmando minha interpretação. 

Maria: E ela não podia ser a mãe do outro Tiago? O apóstolo irmão de João?

Martin: Não, já que Mateus 27:56 separa Maria, mãe de Tiago e José, e a mãe dos filhos de Zebedeu, que são o outro Tiago e João, olhe.

Maria: Interessante...

Martin: Perceba que essa Maria obviamente não pode ser a Bem-Aventurada pois se fosse os evangelistas teriam a chamado de mãe do Senhor, como fizeram antes. 

Maria: Muito interessante. Não consegui provar que ela teve outros filhos, mas faz sentido achar que uma mulher casada não teve nenhum momento intimo com o marido só porque tem uma tradição dizendo isso?

Martin: Não é uma tradição qualquer pois é bem antiga e não contradiz a Palavra de Deus, me parece justo aceitar essa doutrina.

Maria:  Mas o casamento é uma realidade divina, não humana. Como é que a mãe do Senhor vai deixar de usar o casamento direito se os filhos são uma benção?

Martin: Bom, não foi exatamente um casamento normal, foi um evento único onde o Homem-Deus, salvador da humanidade, se encarnou no ventre de uma mulher para nos libertar do pecado e da morte. Não dá pra comparar com casamentos comuns!

Maria: Claro que foi algo incomparável com o resto, mas como isso significa que ela não devia ter outros filhos?

Martin: Claro que não é necessário, mas é apropriado. Por exemplo, qualquer um podia mexer na Arca da Aliança?

Maria: De jeito nenhum, em 2 Samuel 7 isso foi descoberto da forma mais difícil.

Martin: E qualquer um podia entrar no templo ou fazer os sacrifícios?

Maria: Também não. Nada de Deus é brincadeira, o que é sagrado não pode ser usada por qualquer coisa..

Martin: Exatamente. Se os objetos sagrados da Lei de Moisés eram sagrados sendo apenas símbolos do Novo Testamento, como a mulher que gerou e teve nosso Messias divino e puro pode ser usada de forma mundana? Um homem justo como José mexeria em itens sagrados e cometeria sacrilégio com a nova Santos dos Santos?

Maria: Sim! Nunca pensei nisso antes! Essa reflexão realmente me ajuda a entender como algo tão bizarro pode ter acontecido. Realmente é apropriado.

Martin: Como previu Ezequiel no capítulo 44 do seu livro, bem no comecinho, uma porta por onde o Senhor entra tem que continuar fechada. 

Maria: Com certeza. Mas será que faz sentido aquela ideia de que ela é virgem não só antes mas também durante e depois do parto?

Martin: Biologicamente não tem como, mas também nem tem como uma virgem engravidar e sabemos que isso aconteceu pelo poder de Deus. Como a graça não destrói a natureza mas ao invés disso a aperfeiçoa, me parece justo que a virgem não tenha tido o corpo ferido pelo parto. O Deus que pode atravessar as paredes para ver os apóstolos pode fazer isso sem problema nenhum.

Maria: Faz sentido. Quem diria que essa virgindade eterna seria algo aceitável!

Martin: Consegue ver como até os idolatras podem acertar as vezes?

Maria: As vezes sim, mas acho que só essa. Além dos outros três dogmas deles sobre a virgem serem absurdos, eles ainda tem aquela crença idiota de que ela intercede por nós. Como alguém lê que o Cristo é o único mediador e depois acredita nisso?

Martin: Não é uma crença só mariana, os católicos acreditam que os outros cristãos no céu podem rezar por nós também.

Maria: Sim, mas eles focam muito na tal intercessão da virgem, é bom aproveitar pra discutir isso. 

Martin: Entendi.

Maria: Então, acha que tem lógica falar em intercessora quando só o Senhor é nosso mediador?

Martin: Eu não acho que essa ideia de intercessores faz sentido mas não é por isso. Se os mortos pudessem rezar por nós, isso não atrapalharia a intercessão de Cristo mas a confirmaria. 

Maria: Como assim? Não é dito em I Timóteo 2:5 que Cristo é nosso único mediador?

Martin: É dito sim. Aqui, olhe bem o que Paulo pede logo no inicio desse capítulo?

Maria: Ele pede que... Então... Que se façam intercessões pelos homens?

Martin: Isso mesmo, interessante, não é?

Maria: Agora fiquei confusa, como assim nós intercedemos? 

Martin: Interceder é uma coisa normal, é você pedir algo a alguém pra ajudar um terceiro. Por exemplo, quando um moleque chega na mãe de um amigo para pedir que ela deixe o filho ir dormir na casa dele não é um caso de intercessão?

Maria: Com certeza. Então intercessão é eu tentar convencer alguém a fazer o que outro quer?    

Martin: Isso mesmo.

Maria: Mas então toda vez que eu rezo por alguém eu intercedo pela pessoa, igual a Palavra diz! Ainda tô confusa, como nós podemos ser mediadores entre o Pai e nossos irmãos se só o Senhor Jesus é mediador?

Martin: O Senhor Jesus Cristo é a cabeça de um corpo que é composto por nós, a igreja, como vemos em Colossenses 1:18 e Efésios 5:23. Como dito em I Coríntios 12, nós cristãos somos todos membros do corpo de Cristo, então significa que quando agimos em nome Dele quem age é o Senhor, igual como quando minha mão escreve algo, quem é chamado de escritor sou eu. Significa que quando eu rezo pelos irmãos quem intercede é o Senhor. 

Maria: Caramba! Então realmente o Senhor Jesus está onde tem dois ou três reunidos em seu nome! 

Martin: Com certeza. Como diz o apóstolo: "somos todos um em Cristo Jesus". Por isso acho que se os mortos pudessem interceder não haveria problema. 

Maria: É uma verdade linda, não sei como não lembrei disso! Mas se você sabia disso como pode negar que a mãe do Senhor e os outros no céu intercedem por nós?

Martin: Simples: eles não podem fazer nada até o fim do mundo, quando todos seremos ressuscitados. A Bem-Aventurada está dormindo, assim como os apóstolos, os profetas e outros santos, e portanto não pode rezar por nós.

Maria: Eu não concordo com isso não, acho que os mortos já foram julgados e portanto os no céu já estão vendo Nosso Deus. a virgem com certeza também. Por que você acha que os mortos estão desligados?

Martin: Em vários lugares como em I Coríntios 15:28, Daniel 12:2 e I Tessalonicenses 4:13 é dito que os mortos estão dormindo, o que obviamente não combina com a ideia de que eles estão vendo o Senhor face a face.    

Maria: Realmente a Palavra diz varias vezes que os mortos dormem, mas isso não necessariamente precisa descrever a alma. Como muitos cristãos antigos como Jeronimo e Agostinho pediam ajuda para os mortos enquanto também diziam que eles estão dormindo, dizer que os mortos dormem parece pra mim uma descrição dos corpos, já que o corpo sem a alma parece estar dormindo.

Martin: Você sabia que cristãos antigos pediam intercessão dos mortos e não acreditava nisso?

Maria: Achei que a Bíblia ia contra a prática, ai pensei que esses cristãos estavam errados e que os que discordavam deles estavam certo. Cristãos importantes não são autoridade infalível mas são um bom testemunho se a Bíblia Sagrada não discorda deles.

Martin: Sim, não dá mesmo pra botar os antigos acima da Bíblia igual fazem os católicos. E é verdade que a Palavra dizer que os mortos dormem pode ser lido de forma metafórica, mas acho que é uma leitura errada. Livros como Eclesiastes e Jó nos dizem claramente que após a morte não há nada, é totalmente diferente da ideia platônica de que após a morte a alma abandona o corpo e fica vendo o mundo das ideias.

Maria: Sim, esses textos dizem que após a morte já era. Mas é verdade que após a morte não tem absolutamente nada? 

Martin: De jeito nenhum! Seremos ressuscitados no fim do mundo para nos unirmos ao Nosso Senhor ou sermos condenados! 

Maria: Exatamente. Não quer dizer então que esses textos do Antigo Testamento estão trabalhando com uma revelação incompleta? 

Martin: Sim, você só vê um foco na ressurreição dos mortos a partir dos profetas. Antes disso, a Lei de Moises só focava nesta vida. Mas isso é normal, já que a lei antiga era um preparo para Nosso Senhor Jesus Cristo, como é claro em todo o Novo Testamento. A lei antiga era incompleta porque não era o verdadeiro foco.

Maria: Perfeito. Nesse caso, não é possível que assim como os primeiros livros sagrados não falam da ressurreição mas ela é real, esses livros não falem de almas que podem agir sem o corpo mas elas possam? Os primeiros judeus realmente não acreditavam que a alma pode agir sem corpo, mas até o tempo do Senhor Jesus havia sim judeus que acreditavam nisso e muitos cristãos antigos também. O II Macabeus não é sagrado mas estabelece que os judeus rezavam pelos mortos e que os mortos rezavam pelos vivos, assim como alguns outros textos judaicos antigos também defendem.

Martin: Entendi. Não é impossível que os textos do Antigo Testamento que citei estejam com revelação incompleta, mas como os mortos podem fazer qualquer coisa sem corpo? A Palavra deixa claro que o corpo é natural e bom, tanto é Nosso Deus se encarnou num corpo físico, como está claro principalmente em Lucas 24:39. Ora, se a alma é feita pro corpo, como ela pode agir sem ele? Ao vermos pessoas com deficiências, problemas mentais ou drogadas é obvio que a alma não pensa direito se o corpo tá danificado pois ela precisa dele, como então ela funcionaria sem ele?

Maria: É normal pra nós andar se tivermos duas pernas, de forma que se perdermos uma não da pra andar sozinhos. Mas se a pessoa perde uma perna é totalmente impossível ela andar?

Martin: Nem sempre, as vezes a pessoa pode ter uma perna mecânica e andar usando ela. 

Maria: Então as vezes dá pra compensar a perda de algo natural com a ajuda de algo externo?

Martin: Com certeza.

Maria: Então, você tá certo que o corpo é natural e que a alma precisa dele pra funcionar, os deficientes e drogados refutam esses conceitos espíritas e platônicos da alma não ser feita para trabalhar com o corpo. É claro que as almas dos mortos não tem como fazer nada sozinhas, mas o Senhor Deus não poderia suprir a falta do corpo e dar a elas os dados diretamente?

Martin: Claro que poderia, o Senhor que cria tudo sem precisar de nada poderia sim dar aos mortos o necessário pra pensar e até rezar, mas como podemos ter certeza de que Ele faz isso?

Maria: Me parece que de duas formas: através da Palavra e através disso ser algo razoável, como você diria. Essa segunda forma chegou agora, comigo refletindo.

Martin: Interessante. Como a Palavra defende que os mortos podem rezar sem o corpo?

Maria: Paulo diz na II Coríntios 12 que conheceu um homem que viu o "paraíso" e que não sabe se a visão foi enquanto estava no corpo ou se não estava. Ora, se ele não acreditasse que podemos receber dados sem corpo ele teria certeza que a visão foi no corpo. Essa passagem sugere então que Paulo, como muitos judeus desse tempo, acreditava que o Senhor pode nos dar dados sem o corpo.

Martin: É uma citação interessante. Mas acho que a passagem pode indicar que o apóstolo cogitava a ideia, não sei se confirma que ele acreditava.

Maria: Entendo. E quanto a II Coríntios 5:1-8, onde Paulo diz que perdermos o corpo é estarmos nus? Ele diz claramente que é melhor viver até a segunda vinda do Cristo para poder evitar ficar nu e ser revestido logo da imortalidade. Se ao morrer a alma não pensa em nada, então morrer antes da segunda vinda seria ótimo, pois ai você ia acordar direto na ressurreição e não teria que sentir nada.

Martin: Verdade! É uma boa citação essa. Realmente não faz muito sentido não querer morrer antes da segunda vinda se a alma fica totalmente inconsciente até lá. Mas como você vai desse estado da alma consciente sem o corpo para ela poder rezar por nós? É com base na tradição?

Maria: Faria sentido. Se sabemos que as almas dos mortos pensam e que tanto judeus quanto cristãos antigos pediam oração delas já é o bastante pra confirmar meu lado. Mas o motivo que chamou minha atenção foi na verdade que é totalmente apropriado que os cristãos que, como diz Paulo, estão já em Cristo continuem nos ajudando.

Martin: De que jeito?

Maria: Os cristãos são egoístas que não tentam salvar os outros ou nós devemos tentar rezar pela conversão das pessoas?

Martin: É claro que devemos orar pela conversão das pessoas. Estar com o Senhor é o maior bem que existe e como devemos amar a todos é obvio que temos que orar pela conversão de todos . Textos como I Timóteo 2:1-4, Efésios 6:18 e Mateus 5:44 dizem claramente que temos que orar por cada pessoa. A salvação de todos é o que o Bom Deus quer e somos chamados a ser santos como Ele. Quão bom seria se todos pudessem ser alcançados por esse amor infinito! 

Maria: Sim! Seria perfeito! Mas infelizmente acabamos desprezando o amor tão puro do Senhor e muitos se perdem assim...

Martin: Com certeza! Por isso digo que é obvio que todo cristão deve orar por todas as pessoas. Cada pecador convertido é fonte de alegria no céu.

Maria: Exato. Agora, se os que morrem em Cristo com Ele estão, não significa que eles também devem buscar a salvação de nós que ainda estamos aqui? Como estar mais perto do Senhor Jesus ia tornar os mortos egoístas?

Martin: Sim! como jamais pensei nisso? Agora entendi, realmente é apropriado que aqueles que estão mais perto do Senhor sejam ainda mais como Ele do que nós! Então os cristãos como Agostinho estavam certos mesmo!

Maria: Sim! O amor realmente é mais forte do que a morte! Como somos um só corpo e a morte não pode nos separar do Senhor, como diz a Palavra em Romanos 8, os que estão com o Senhor não podem esquecer de nós. Obrigado por me ajudar a perceber isso!

Martin: Agradeço também, agora foi você que me ajudou. É estranho ver que a mãe do Senhor e tantos outros estão rezando por nós e que podemos pedir coisas a eles, mas é bom saber que temos mais amigos.

Maria: Vai demorar pra me acostumar também, mas é ótimo. Consigo ver então que os católicos estão certos em parte quanto a pedir ajuda da Bem-Aventurada e dos outros irmãos que deixaram essa vida. 

Martin: Nem eu esperava um acerto nesse caso, e olha que acho um ou outro dogma mariano aceitável, como disse antes. Tem alguma outra coisa que quer discutir sobre o assunto?

Maria: Olha, eu queria ver é se você conseguia defender as imagens. Os católicos mesmo vivem ignorando o mandamento quanto a elas e botando um monte de Bem-Aventuradas nas suas igrejas. É outro assunto que não é só sobre ela mas é bom tratarmos disso também.

Martin: Eu não vejo nada de errado em ter imagens na igreja, acho exagero querer se livrar delas. 

Maria: Como não há nada? E Êxodo 20:4? Esse trecho dos dez mandamentos com certeza proíbe imagens.  

Martin: Então você entende que esse versículo proíbe qualquer forma de representação possível?

Maria: É claro.

Martin: Nesse caso, como explicar a serpente de ouro que Moises fez em Números 21? Ele recebeu uma ordem pra fazer uma representação de uma serpente e a fez. Não só não houve pecado ai como essa serpente representa Outro que salva o povo ao ser levantado.

Maria: Mas essa serpente foi quebrada em II Reis 18:4 porque gerava idolatria, não é um bom exemplo. 

Martin: Até é. Não é verdade que a serpente era boa quando Moises a usou para atrair as pessoas a Deus mas que ela foi destruída pelo rei Ezequias quando estava tirando o foco de Deus? 

Maria: É verdade que foi assim. 

 Martin: Então, é esse o ponto. As imagens são proibidas no Êxodo porque o povo israelita era fraco e facilmente caia na idolatria. Deixar as imagens existirem seria perigoso e portanto elas foram proibidas. Mas a serpente de bronze e mesmo os querubins na Arca da Aliança revelam que as imagens podem ser boas quando levam a Deus. 

Maria: Então as imagens seriam neutras?

Martin: Exatamente. Elas podem ser boas ou ruins, depende se levam ao Senhor ou se afastam. As imagens da virgem e dos santos no geral me parecem ser boas porque costumam servir de auxilio visual para se concentrar neles e pedir seus auxílios ou só para nos lembrar de suas virtudes. Tanto é que na minha igreja nós temos algumas imagens e eu uso esse crucifixo aqui. 

Maria: É bonito. Mas não tem o risco das pessoas focarem mais nas imagens da virgem ou dos santos do que no Cristo?

Martin: Claro que há, mas a desordem é interna e não externa. Mesmo entre os católicos há poucos que realmente idolatram nesse sentido, no máximo você vê uma afinidade bem grande ou algumas práticas supersticiosas brasileiras que não tem muita relação direta com a fé em si.

Maria: É claro que vejo idolatria, eles não se ajoelham diante das imagens dos santos e da virgem quando o texto em Êxodo proíbe nos prostrarmos diante delas?

Martin: O texto realmente proíbe mas porque se prostrar diante das imagens se refere a adoração que os pagãos faziam dessa forma. Se prostrar para uma pessoa ou mesmo uma imagem, que simbolicamente é se prostrar para quem é representado, não é ruim por si só. Passagens como Genesis 43:26, II Samuel 15:6  e I Reis 18:7 deixam claro que se prostrar diante de alguém pode ser só uma forma de mostrar respeito.

Maria: Então se prostrar diante de alguém nem sempre é idolatria?

Martin: Isso. Depende da sua intenção, se você quer tratar a pessoa ou a imagem como divindade ai é idolatria, mas se não quiser ai pode ser neutro. Tanto é que tem culturas como as asiáticas onde é comum se curvar diante de superiores sem uma conotação de adoração.

Maria: Entendi. Então não há nada de errado com imagens em si?

 Martin: Sim, o erro não está nelas mas na pessoa que as usa errado. Quando encontrar alguém que idolatra essas imagens o certo não é buscar remover a imagem da igreja, mas sim remover o ídolo do coração da pessoa. 

Maria: Faz sentido até! Entendo então como as imagens podem ser neutras. 

Martin: Que bom que deu certo. Mais de mil anos atrás houveram duas discussões fortes chamadas de "controvérsia iconoclasta" onde todos os argumentos contra imagens foram refutados pelos cristãos de antes e mesmo assim as pessoas hoje ignoram todo esse esforço só pra repetirem os argumentos já superados antes.  

Maria: Obrigado por esses conhecimentos! Tenho que conferir esses casos.

Martin: De nada! São duas histórias bem interessantes mesmo. Quer discutir outro tema?

Maria: Depois de discutir essa crença da intercessão e a das imagens acho bom voltar aos dogmas, que são exclusivos da mãe do Senhor. 

Martin: Você aceitou o da virgindade. Acha algum outro errado?

Maria: Os outros três são loucura. Por exemplo, como uma mulher pode ser a mãe de Deus se Ele é eterno e nosso criador? De onde vem esse negócio da Bem-Aventurada ser a mãe de Deus se ela só deu a luz a um humano? A Segunda Pessoa da Trindade, o Filho, é eterno e incriado, não tem como ela ser sua mãe.

Martin: Sim, a natureza humana do Cristo foi gerada pela Virgem Maria graças ao Espirito Santo, mas é justamente por isso que ela é a Mãe de Deus.

Maria: Como? Ela é a Mãe de Cristo por ter dado luz a natureza humana, mas não gerou a divina.

Martin: Então há uma separação total entre o Filho eterno e incriado e a natureza humana que foi concebida, nutrida, cresceu, pregou, morreu e ressuscitou?

Maria: Não pode ser assim, já que se eles fossem totalmente diferentes então a Palavra não trataria o Senhor Jesus humano como divino e separaria o humano do divino, quando ela sempre se refere aos dois como se fossem uma coisa só. Fora que se o Senhor Jesus fosse totalmente separado do Filho então a cruz não teria salvado ninguém, seria como se uma pessoa muito boa morresse pela fé e isso acontece várias vezes na bíblia, como com Estevão ou Tiago.

Martin: Isso. Então não é certo fazermos como fizeram os cristãos no Concílio de Éfeso e defender que há a pessoa de Jesus Cristo e essa pessoa tem tanto uma natureza humana quanto uma divina?

Maria: Mas como isso seria possível? A natureza divina é imutável e pura, então não pode se misturar com a natureza humana. Fora que se fosse uma mistura então o Senhor Jesus não seria nem divino nem humano mas sim uma terceira coisa, o que o impediria de nos salvar.

Martin: Simples: a pessoa Jesus Cristo tem ambas as naturezas e essas não se misturam mas também não estão totalmente separadas. É difícil de explicar, mas foi onde os cristãos antigos chegaram em Éfeso. O Senhor Jesus é totalmente Deus e totalmente homem ao mesmo tempo e sem as naturezas se misturarem.

Maria: Mas como uma pessoa só pode ter duas naturezas diferentes?

Martin: É uma analogia e portanto não é igual a coisa real, mas acho que talvez pensar em nós mesmos ajude um pouco. Olhe, o ser humano tem um corpo físico e portanto é um animal. Ao mesmo tempo, o ser humano tem uma alma imaterial e portanto é racional. Nós temos um aspecto material e que envelhece e morre ao mesmo tempo que temos um aspecto imaterial que não se desgasta ou morre e os dois funcionam muito bem juntos. De certa forma, assim como minha mãe deu luz a mim mesmo que seja o Senhor Deus que tenha criado minha alma, como está claro em Hebreus 12:9 e em Eclesiastes 12:7, a Bem-Aventurada é a Mãe de Deus mesmo que só tenha dado a luz a natureza humana do Senhor.

Maria: A analogia ajuda mesmo até. Vendo desse jeito, a ideia de maternidade divina até parece bem aceitável, não imaginava que o foco da ideia fosse o Cristo.

Martin: Exato. Como a pessoa Jesus Cristo é Deus e homem a Sua mãe é sim a Mãe de Deus.

Maria: Concordo, mas será que é uma boa ideia usar esse título? Chamar ela assim não pode confundir? Parece que pode soar como se ela fosse a mãe de Deus no sentido de quem gera o Deus Pai, o que não está nem perto do que o título quer dizer. 

Martin: Não acho. Cristãos antigos como João Crisóstomo, Agostinho, os criadores da sub tuum praesidium e os envolvidos em Éfeso usavam o título mesmo com o paganismo ainda vivo. Hoje acho que é bem difícil alguém se confundir tanto.

Maria: É verdade. Faz sentido, concordo então que podemos chamar a mãe do Senhor Jesus Cristo de Mãe de Deus. Fiquei impressionada que esse faz sentido!

Martin: Pra você ver como somos negligentes com algumas coisas que os cristãos antigos consideravam.

Maria: Realmente.

Martin: Então, o que acha da Imaculada Conceição? Me parece uma ideia correta, mas talvez você não veja assim.

Maria: É a ideia de que a virgem não tem pecado original? Se alguém nascesse sem pecado como ia precisar do Cristo?

Martin: Não exatamente. A crença é que, quando foi concebida, a Bem-Aventurada foi livrada do pecado original graças aos méritos que Seu Filho iria receber na cruz. Ao invés dela ser salva por mérito próprio, o que tornaria a cruz inútil, ela foi salva graças ao futuro sacrifício do Cristo, então também precisava da cruz, tanto é que ela chama o Pai de salvador em Lucas 1:47.

Maria: Mas como um sacrifício que nem tinha sido feito podia salvar alguém?

Martin: Bom, o Senhor Deus não está limitado ao tempo, não há passado, presente ou futuro pro Altíssimo. assim como eu posso fazer um teste, rezar pra ter ido bem e ser ajudado mesmo tendo rezado depois de fazer, não vejo por que não daria pro sacrifício salvar antes de ser feito se o Nosso Deus Todo-Poderoso quisesse.

Maria: É verdade. Consigo ver que daria certo.

Martin: Ótimo. Ao invés desse acontecimento tornar a cruz inútil, faz o contrário por tornar a virgem o que é graças unicamente a Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim como alguém pode ser salvo quando sua doença é curada, pode ser salvo ao ser protegido de pegar a doença.  

Maria: Entendi. Quer dizer que ela nunca teve contato com o pecado original?

Martin: Isso. Nós nascemos em pecado original, afastados do Senhor e presos no pecado, e somos libertados dele com o batismo, voltando a amizade com o Santo Deus não graças a nossos méritos mas graças ao sacrifício do Santo Salvador. A ideia é que a virgem foi poupada do pecado original no momento que começou a existir, de forma que o que acontece com nós no batismo aconteceu com ela no seu primeiro momento.

Maria: Então ela é como Adão e Eva antes da queda?

Martin: Por ai. Assim como o Senhor Jesus em sua natureza humana, a Bem-Aventurada nunca esteve afastada do Pai e por isso não só nunca teve o pecado original como nunca chegou a pecar depois. Se bem que provavelmente ela podia pecar e não quis, já que Adão e Eva puderam pecar.

Maria: Mas como uma pessoa além do Cristo pode ser sem pecado se a Palavra ensina em Romanos 3:23 que todos pecaram estão destituídos da gloria de Deus e em I Coríntios 15:22 que em Adão todos morrem? 

Martin: Você acha que essas passagens falam especificamente de todo ser humano individual?

Maria: É o jeito mais natural de ler.

Martin: Mas o jeito mais natural as vezes tá errado, o sentido pode ser mais oculto. Por exemplo, na sua interpretação, Romanos 3:23 nos diz que todos estão destituídos da glória ao mesmo tempo que sabemos que nós cristãos conseguimos de volta a amizade com o Senhor graças ao batismo. Além disso, I Coríntios 15:22 diz que todos morrem em Adão mas que todos viverão em Cristo, o que se tomado literalmente ia querer dizer que todos vão ressuscitar em glória e estar no céu, o que não é verdade. Fora que se toda pessoa fosse pecadora então o Cristo também seria, o que não é verdade, pois a Palavra diz que Ele nunca pecou em I Pedro 2:22 e em Hebreus 4:15.

Maria: É, minha interpretação das passagens tá errada mesmo. Como ler elas então?

Martin: Acho que elas nos dizem que a condição normal da humanidade é realmente estar decaída. Assim como em Romanos 1 é dito que os pagãos estão adorando ídolos e se rebelando contra Deus mesmo que nem todo pagão existente faça todos os pecados mencionados. Salmo 51:5 também sugere que o pecado original é a condição normal da humanidade mas não diz necessariamente que toda pessoa nasceu em pecado original, todo cristão admite ao menos uma exceção e eu vejo razão pra termos mais uma. 

Maria: É uma interpretação muito boa. Mas se ela era imaculada como em Lucas 2:22-24 ela teve que se purificar? Não era pra pedir perdão pelos pecados?

Martin: Não era pra isso exatamente, foi pela gravidez. A purificação que Levítico 12:2 exige era uma purificação graças a uma impureza ritual que a gravidez colocava na mulher, não por um pecado. Na Lei de Moises você ficava impuro se tivesse um filho, menstruasse, tocasse num morto etc e nada disso é errado.  

Maria: Entendi, faz mais sentido. Não tenho então argumento contra a Imaculada Conceição mas não vejo pra que acreditar nessa doutrina, não tem nenhuma passagem falando disso.

Martin: Realmente não tem, mas a Trindade e outras verdades importantes também não são definidas na Palavra igual uma definição acadêmica e mesmo assim estão lá. Com o papel tão importante da virgem me parece uma crença apropriada.

Maria: E os cristãos antigos, mencionam a ideia? Se tem tradição me parece que daria pra aceitar por não ter nenhuma prova bíblica contra e pela bem-Aventurada realmente ser especial. 

Martin: Você não vai ver a doutrina sendo defendida igualzinha hoje porque ela depende da de pecado original e essa não era tão bem definida no começo da fé. Mas você vê vários autores patrísticos como Atanásio, Efrém da Síria, Gregório Nazareno, Agostinho, Ambrósio etc falando sobre como a Bem-Aventurada é livre de mancha ou pecado, então me parece que é uma crença com tradição sim.

Maria: Interessante. E eles chegaram a isso só com o que vimos até então?

Martin: Além do que nós discutimos aqui, os cristãos antigos também defendiam que Maria é como que uma segunda Eva, então ela devia não só ser virgem mas também livre de todo o pecado pra exercer seu papel.

Maria: Sério? que interessante! pode explicar melhor? 

Martin: Você conhece a história, Adão e Eva foram criados em amizade com o Onipotente mas foi prometido a eles pela serpente que se comessem do fruto proibido seriam iguais a Deus, então eles o desobedeceram e com isso perderam a comunhão com o Senhor Deus. Ai está o pecado original, não é?

Maria: Sim. E após todo o período com a Lei de Moisés, um preparo para o que vinha a seguir, o Senhor Deus se fez homem e com seu sacrifício nos deu a chance de revertermos as coisas se nos unirmos a Seu Filho puríssimo pela fé. A Palavra inclusive diz que o Cristo é nosso novo Adão em locais como Romanos 5 e I Coríntios 15. Onde entra a Eva nessa história?

Martin: Adão não condenou a humanidade sozinho. Primeiro Eva teve que, graças a serpente, desobedecer o Senhor e com isso o influenciar a pecar. Foi graças a desobediência de uma mulher que o primeiro Adão falhou, não é?

Maria: Sim, foi isso mesmo.

Martin: Então, de certa forma, algo parecido aconteceu com o Segundo Adão, Cristo. Em Lucas 1 nós vemos o anjo anunciar a nossa segunda Eva que ela vai dar a luz ao salvador da humanidade e o que ela faz? ela obedece, se oferece como "serva do Senhor". Para o primeiro Adão nos condenar ele precisou da desobediência de uma mulher e para o segundo nos salvar Ele precisou da obediência de uma mulher. Está ai a base da ideia da Bem-Aventurada como a Nova Eva que você vê nos cristãos antigos desde Justino Mártir, Irineu de Lyon, Tertuliano e outros. 

Maria: Caramba, é impressionante como nunca vi isso! Ambas são virgens, prometidas a um homem, visitadas por um anjo e estão relacionadas com um adão. Realmente faz sentido essa comparação. É, realmente temos que ler mais os cristãos antigos.

Martin: Com toda certeza é triste o pouco que sabemos deles. Mesmo em Genesis nós temos uma dica enorme desse paralelo. Em Genesis 3:15 a serpente é amaldiçoada de forma que vai haver uma inimizade entre ela e a "mulher" e entre suas "sementes". A semente da mulher iria ferir a cabeça da serpente e esta ia ferir o calcanhar da semente da mulher. O que acha que isso quer dizer?

  Maria: Bom, em Apocalipse 12:9 nos é dito que o Diabo e a "antiga serpente" são a mesma pessoa. Quer dizer que a semente da mulher é o Cristo? o Diabo fez nele um ferimento superficial, igual ferir o calcanhar, com a crucificação e Ele fez no Diabo um ferimento mortal, como um na cabeça, ao abolir o pecado e a morte graças ao sacrifício da cruz. 

Martin: Isso mesmo. O fato de que o Senhor fez questão de ter uma mãe, uma que inclusive Ele sempre chama de "mulher", nos diz que essa mulher de quem Ele é a semente não é a mesma Eva que causou todos os problemas, certo? a mãe do Cristo não é outra pessoa?

Maria: Caramba, ela realmente é a Nova Eva! Alias, será que não seria a Bem-Aventurada também a mulher desse texto do Apocalipse que você mencionou? A que dá luz ao menino que vai "reger as nações com vara de ferro"? o apóstolo João cuidou da virgem após a morte do Senhor e ele é o mesmo que recebeu as revelações do Apocalipse, então faria sentido.

Martin: Bom, não é totalmente implausível porque ela deu luz ao Senhor e o menino da passagem com certeza é o Cristo, pois o Diabo o ataca mas falha, o menino vai reger todas as  nações e é arrebatado ao trono de Deus. Mas acho difícil essa mulher ser a virgem, pois me parece uma referência meio aleatória, sabe? Considerando que o Cristo nasceu sobre a Lei, como judeu, não faz mais sentido que essa mulher seja um símbolo de Israel?

Maria: Acho que não funciona, pois Apocalipse 12:17 diz que os cristãos são também filhos da mulher e não somos filhos dessa Israel. Em lugares como Gálatas 4 é deixado claro que a antiga Israel, da Lei, não é igual a verdadeira Israel, da fé. Gálatas 4:22-31 deixa claro que somos filhos da Israel da fé, a livre, e não da Israel da Lei, a escrava. 

Martin: Interessante, então a mulher seria a Igreja?

Maria: Não poderia ser porque a mulher deu a luz ao Cristo e é Ele que funda a Igreja, como diz em Mateus 16:18 Se a mulher que dá a luz ao Cristo fosse a Igreja, ela seria mãe do próprio criador.

Martin: Mas se a mulher não é a Igreja e nem Israel então quem é ela? Quem é a mãe do Senhor e daqueles que o seguem?

Maria: Gálatas 4:4 nos diz que o Senhor nasceu de uma mulher, então me parece que a mulher que dá a luz a Ele no Apocalipse é a mesma: a Bem-Aventurada. Essa imagem exaltada da mulher vestida de sol, com a lua abaixo dos pés e a coroa de doze estrelas combina com a Nova Eva que foi salva do pecado e do Diabo pela obediência a Deus e reina como gebirah do Filho Messias, sempre buscando ajudar seus filhos pela graça nessa batalha contra o Dragão. Tem até a parte em que a mulher foge para o deserto com o menino, como a passagem em que a virgem e José fogem para o Egito. 

 Martin: Bom, esse paralelo do deserto é interessante! Não tinha pensado nisso antes, valeu!

Maria: Valeu também! Só pensei nisso agora. Todas essas referências a "mulher" terminarem sendo sobre a Bem-Aventurada realmente funcionam bem e explicam porque o Cristo nunca chamou Sua mãe de, bem, mãe.

Martin: Exatamente! Alguns defendem que Ele nunca a chama de mãe por não a respeitar, mas o Senhor jamais descumpriu os mandamentos e portanto nunca deixaria de honrar pai e mãe, então essa opinião não passa de blasfêmia. 

Maria: Com certeza! Não entendia esse detalhe antes mas sabia que não era desrespeito. Enfim, consigo ver então como a Imaculada Conceição é algo apropriado, já que não há melhor jeito de dizer que é através dessa Eva que o pecado original é desfeito do que a fazendo existir livre dele. 

Martin: Isso! por isso estava convencido de que a virgem realmente é imaculada pelo pecado original ou pessoal. 

Maria: Concordo agora. É impressionante como esse paralelo tem no mínimo quase dois mil anos e foi defendido por aqueles que defenderam a fé verdadeira contra tantos hereges mas eu achava que podia refutar a ideia com alguns versículos! Realmente ensina a importância de se estudar a tradição cristã. 

Martin: É. Alguns se assustam tanto com os católicos e suas tradições que preferem nem olhar o que os cristãos antigos faziam e defendiam. Com certeza isso ajuda na confusão de hoje.

Maria: Com certeza. Agora vejo que os católicos supreendentemente estão certos com seus quatro dogmas marianos. É pra ver como podemos aprender com os antigos.

Martin: Espera, quatro dogmas? O único que não comentamos é o da assunção da Nova Eva e esse não me parece certo por não estar na Bíblia.

Maria: Sim, aquele dogma que diz que a Bem-Aventurada, após a vida terrena, foi levada de corpo e alma ao céu como Nosso Senhor Jesus. Se bem que não foi igual por que ela foi levada por Deus enquanto o Cristo foi pelo seu próprio poder. Combinando o que sabemos com a tradição antiga eu sei que foi o que aconteceu.

Martin: Acho que ouvi falar de uma tradição citada no século quatro, lembra de quem é?

Maria: Uma vez eu li que Epifânio de Salamina, acho, mencionou que alguns acreditavam nessa doutrina mas outros em outros destinos pra virgem. Acho que João Damasceno mencionou também que no meio do Concilio de Calcedônia teve uma discussão onde isso foi defendido. 

Martin: Bom, é legal que tenha uma tradição e tal mas não sei se dá pra crer nisso sem ajuda da Palavra.

Maria: Claro que a Bíblia não fala diretamente desse evento, ela realmente fala pouco do que acontece após o período de Atos dos Apóstolos. Mas e se desse pra estabelecer essa crença com o que já conseguimos até aqui?

Martin: Se desse ai tudo bem, seria uma crença boa. Você tem alguma ideia?

Maria: Claro. Eu te pergunto: a morte foi ou não vencida pelo Cristo?

Martin: Obvio que foi! Como diz a Escritura em I Coríntios 15:54-57, a morte perdeu. Tanto é que o Senhor diz em João 11:25 que aquele que Nele crê mesmo morto viverá.

Maria: Então quem está unido ao Senhor não está mais sob domínio da morte?

Martin: Jamais. Hebreus 2:14 diz claramente que Ele destruiu aquele que tem poder sobre a morte. Isso é bem representado em Genesis com Adão e Eva estando perto da arvore da vida enquanto estavam no paraíso.  

Maria: Exatamente. Faz sentido então a Nova Eva, que foi obediente, morrer? Aquela que está unida ao Filho na salvação dos homens não estaria unida a Ele após sua vida terrena? Pode a Arca da Aliança ser largada por tanto tempo num estado anti-natural como a separação entre a alma e o corpo?

Martin: Bom... acho que não.

Maria: Então não seria mais apropriado que essa tradição esteja certa e que a Bem-Aventurada já esteja com Seu Filho no estado de glória que todos receberemos no último dia graças a misericórdia pura do Nosso Senhor e Salvador? Não poderia o Cristo já estar outra vez com Sua amada mãe?

Martin: Sim! com certeza. Realmente seria mais apropriado dessa forma.

Maria: Que bom que concorda! É uma verdade de fé tão bela quanto as outras que vimos hoje. 

Martin: Obrigado por ter me ajudado a perceber essa, não ia ter percebido isso sozinho.

Maria: Um ajudou o outro hoje, foi uma conversa e tanto.

Martin: Foi mesmo. Não só mudei de opinião quanto aos nossos irmãos que dormem como vi coisas novas sobre a mãe do Senhor. Não acho que absolutamente tudo que falam sobre ela está certo, mas a Bem-Aventurada realmente está num grau belíssimo. Tão bom é saber que uma pessoa como eu pode estar tão unida ao Santo Senhor Jesus!

Maria: Com certeza! Agora estou orgulhosa desse nome!

Martin: Agora é só ser tão cheia do Espirito Santo quanto a Nova Eva, haha.

Maria: Você podia pedir algo um pouco mais fácil!

Martin: Hehe, até podia.

Iluminação

 Não quer luz quem dorme. Iluminado, ruim é o despertar. Grogue, não entende ao escutar, A luz não leva a enxergar, Os olhos ela só faz irri...