terça-feira, 28 de abril de 2020

Anselmo

 Emanuel: Eu ouvi falar que tem evidência mesmo, só vou tentar aprender sobre o assunto depois. 

Tomé: É um assunto complicado mesmo. Se prepare que eu sei que você aceitará Ele.

Emanuel: Mesmo que seja o caso, essa evidência não prova que o deus de alguma fé existe.

Tomé: É verdade, mas refutar o agnoticismo já é um bom começo. 

Anselmo: Pior que eu estava pensando e acho que dizer que Deus não existe é algo contraditório. Sei que "Diz o tolo no seu coração: 'Deus não existe", mas diria que até o tolo entende o que fala, e entender isso é o suficiente pra ver a contradição.

Renê: Isso é o que eu ia falar, também penso assim. Que Deus existe é auto-evidente se você O entende.

Emanuel: Contraditório tipo dizer que um circulo também é totalmente quadrado ou que um leão é um réptil? Tipo uma contradição completa mesmo?

Tomé: Você não disse que ia sair do tema pra pensar direito?

Emanuel: Disse, mas essa afirmação dá uma curiosidade.

Tomé: Haha, verdade. Como assim contraditório? Acho que sei o que quer dizer, mas queria ver em suas palavras.

Anselmo: O agnóstico não sabe se Deus existe ou não e o ateu acha que Ele não existe. Acho que esses pensamentos só são possíveis por uma certa ignorância, se Deus é possìvel, existe. 

Tomé: Por algum motivo especifico? É uma ideia bem controversa. 

Anselmo: Eu diria que pela própria natureza divina é impossível alguém compreender o que significa ser Deus e então dizer que Ele não existe. 

Emanuel: Deus geralmente tem sua existência defendida por alguma coisa no mundo que exige uma explicação, como ordem, milagres ou contingência. Você acha que podemos nem ir para essa argumentação a posteriori E argumentar a priori? Só com base na razão?

Anselmo: Exatamente. Só de saber a natureza de Deus, sem olhar pro mundo.

Renê: Por ai. É tipo uma demonstração matemática, só se argumenta de modo dedutivo. 

Emanuel: E como isso pode ser feito? Mesmo que vocês mostrem que o conceito de deus exige que ele exista de forma totalmente analítica isso só vai ser verdade de um bando de palavras, não tendo qualquer relação com o mundo real.

Anselmo: Sim, se nós falássemos somente de definições de palavras não provaria nada, mas não faremos isso. O lance é falar da natureza de Deus, a essência dele.

Emanuel: Mas falar de uma natureza de um ser divino não significa que já tem um?

Tomé: Não, pois eu posso falar de dinossauros e entender as naturezas deles quando eles não existem mais. Posso até fazer isso com seres que nunca existiram como um pegasus ou uma hidra. Existe a natureza de um ser e você pode conhecer ela sem saber que ele existe.

Anselmo: É verdade. Mesmo o ateu sabe o que significa ser Deus, só não acha que tenha alguém que bate com a descrição. O que eu acho é que não tem jeito de alguém saber o que Deus é sem saber que Ele é.

Emanuel: Entendi o que querem dizer. Eu posso dizer que unicórnios são equinos, que faz parte da natureza deles, sem dizer que eles existem de verdade. Da mesma forma, eu posso falar da ideia correta de deus sem acreditar nele então. 

Renê: Exatamente. Assim como os unicórnios serem equinos é algo que sabemos porque faz parte do que eles são, sabemos que Deus existe pelo que Ele é essencialmente.

Emanuel: Bom, nós podemos saber que algo não existe a priori, como um solteiro casado. Ser casado envolve não ser solteiro, então alguém solteiro e casado ao mesmo tempo é algo que não pode existir de forma alguma e não precisamos olhar nada no mundo real pra saber disso.

Tomé: Exceto se o cara for um malandrão como na música.

Renê: É por ai, hehe.

Emanuel: Hahaha. Forró moderno não ensina muita lógica, ou qualquer coisa.  Tem coisas que realmente não podem existir e dá pra saber só de entender o que elas seriam.

Renê: Isso. Eu diria que Deus não existir seria uma contradição completa assim também. Assim como dá pra saber que certas coisas não podem existir pelo que elas seriam, dá pra saber que Deus existe só sabendo o que Ele é.

Emanuel: Nesse caso,  devemos descobrir o que significa "deus" e assim ver se o que ele significa realmente é algo que tem que existir. Deus não seria tipo um cara barbudinho com poderes infinitos e que mora nas nuvens? Tipo um Ares ou Thor mas com todos os poderes de uma vez? Isso pode não existir sem problemas, assim como Ares não existe e ninguém é prejudicado.

Anselmo: Você acha essa visão em pessoas mais simples, mas não acho que é uma boa visão. Eu não definiria Ele assim, os filósofos que argumentam para a existência de Deus também não e eu diria que as grandes religiões monoteístas também não. Geralmente alguns definem Ele assim por ignorância ou pra fazer a ideia de Sua existência parecer ridícula.  

Emanuel: É verdade que os filósofos monoteístas desde o Xenófanes não acreditam que deus  tem um corpo ou características humanas, mas as religiões vivem usando expressões corporais pra falar de seu deus e tal.

Tomé: Elas também o chamam de nomes como invisível, onipresente, espírito etc.  As expressões corporais são antropormofismos, figuras de linguagem e sempre foram lidas como tal. Essas religiões monoteístas sempre diferenciaram Deus dos deuses pagãos que são como superheróis. 

Emanuel: Pensando bem, eu já vi explicações assim mesmo.

Tomé: É que a maioria das pessoas deve se confundir com essa ideia de Alguém sem um corpo, só ver como a alma é imaterial e costuma ser representada na ficçâo como algo que é visível, tem extensão etc.

Emanuel: Sim, então essa visão de um deus corporal é errada?

Tomé: Isso. O Deus dos filósosos ou o das religiões não é assim. 

Emanuel: Então vocês podem dar a visão correta?

Tomé: Eu posso tentar, mas quero ver qual é a desse argumento a priori, então vou esperar também.

Renê: Bom, Deus é o imortal, perfeito, onipotente, onipresente e onisciente que criou tudo por sua vontade e que não depende de nada, mas de quem todos dependem. Acho que até o ateu entende que Deus não é material, não é fraco, ignorante, dependente dos outros ou alguém que sofre de qualquer outra limitação. Se alguém fala de Deus como limitado, esse alguém só pode estar falhando em entender do que fala, como alguém que pensa que um homem não é mamífero.

Emanuel: Então você acha que dá pra saber se deus existe através dessa natureza? 

Renê: Isso. Se alguém entende o que significa ser Deus, entende que Ele existe.

Anselmo: Eu sempre vejo Deus através da ideia de perfeição. Deus é totalmente perfeito, Ele é o Ser Do Qual Nada Melhor Pode Ser Concebido. 

Emanuel: Então se eu consigo conceber algo melhor que deus eu estou vendo ele de forma errada?

Anselmo: Isso. Deus é totalmente perfeito, por isso nada maior do que Ele pode ser concebido, faz parte da ideia de total perfeição. Por exemplo, ser poderoso é melhor que ser fraco, então Deus é onipotente, já que se Ele não fosse você poderia conceber um ser superior a Ele e isso seria uma contradição.

Emanuel: Entendi, então você acha que dá pra argumentar que ele deve existir de verdade através dessa definição.

Anselmo: Acho que é a visão correta por ser baseada na ideia de perfeição, na ideia de Deus como completamente puro e supremo, divino. Afinal, faz parte Dele ser perfeito e o único digno de adoração.

Emanuel: É, vocês realmente estão certos, deus não pode ser imaginado como um Zeus upado.

Anselmo: Isso. E eu diria que já temos o bastante pra saber que Ele existe. A natureza divina exige isso.

Tomé: Mas antes disso o ateu não poderia defender que Deus é impossível como um circulo quadrado ou um solteiro casado? Ai seu argumento cairia e todos os outros argumentos pra existência de Deus.

Anselmo: Você sabe que Deus existe, então sabe que não existe nenhuma contradição Nele.

Tomé: Verdade. Mas o seu adversário poderá usar esse argumento de uma suposta contradição na ideia de Deus para rejeitar o Monoteísmo, então é bom se preparar.

Emanuel: Eu tenho algumas dúvidas sobre isso. Já que vocês acreditam, devem saber tirar. 

Renê: Comece.

Emanuel: Deus deve ser uma inteligência que é primordial, que não precisa de mais nada para existir. O problema com essa ideia é que uma inteligência é composta de partes, exigindo uma explicação para a união delas e essa explicação seria primordial. Então deus exigiria algo acima dele, algo inaceitável.

Tomé: Concordo com a ideia de que algo feito de partes não é primordial,  por isso eu simplesmente respondo que Deus não é feito de partes, então não exige nada além Dele, Deus é simples ou não-composto.

Renê: Sim, a simplicidade divina.

Emanuel: Como isso é possível? Nossas mentes são compostas de partes, então a dele deveria ser também. 

Tomé: A mente humana está conectada a um corpo e pode conhecer algo ou ser ignorante desse algo, recebendo dados que surgem de fora através dos sentidos  e ainda aprendendo mais coisas com os dados e a razão. Deus não tem corpo e é onisciente, então comparar as duas mentes é um erro, então o argumento não prova nada.

Anselmo: Exatamente. Pegar algo necessário de uma mente e extrapolar para todas as outras é como dizer que todo mamífero não tem asas como o homem e por isso um morcego é impossível.

Emanuel: Bom, vocês estão certos que a mente de um ser com essas características seria muito diferente das nossas e portanto a objeção cai, embora isso deixe a ideia de deus um pouco misteriosa.

Tomé: Deus é bem diferente de nós mesmo, perceber isso é essencial. Mais alguma objeção?

Emanuel: Se ele é tão diferente, como você sabe alguma coisa sobre ele? Seria impossível falar de alguém tão longe da experiência.

Anselmo: Dizer que nosso conhecimento de Deus é zero por ser incompleto é como dizer que não vemos a luz do sol por não podermos olhar pra ele diretamente.

Tomé: Exato. O conhecimento não é tanto mas é o suficiente, já sabemos o que Ele não é. 

Emanuel: Ok. A ação humana começa para saciar necessidades. Queremos evitar um desconforto então agimos até esse desconforto sumir. Se deus é perfeito e portanto não tem qualquer necessidade, pra que ele age? Ele não precisava criar o mundo.

Anselmo: Nessa sua concepção, então toda ação é para evitar um desconforto? Tipo, se eu não tenho alguma necessidade como fome não faço nada? 

Emanuel: Exatamente. 

Anselmo: É uma concepção hedonista e deprimente. Ou você está sofrendo ou entediado. Um pêndulo que vai da dor ao tédio e só termina com a morte,  que coisa horrível.

Emanuel: Eu não tinha visto desse lado...

Anselmo: É, não é nem de longe a vida real. Se fosse verdade, você só seria feliz ao satisfazer uma necessidade, tipo matar a sede. Saciar todos os desejos seria ser infeliz.

Tomé: Essa visão de alguém que só age pra evitar desconfortos só é verdade em pessoas preguiçosas, você não vé isso em pessoas realmente saudáveis e muito menos em Deus. Não é que a ação busca evitar o mal, mas ela busca um bem. Quando eu não estou a fim de ler algo mas leio para aprender algo eu não estou evitando desconforto, até por ser desconfortante, mas busco o bem do conhecimento, me aprimorar.

Emanuel: Então essa busca de um bem é o que motiva a ação humana e até nos faz sofrer um mal?

Tomé: É. Sacrifícios fazem parte de uma vida saudável. Estudar, malhar etc. Todas coisas que você faz se sujeitando a um mal por saber que um bem maior vem. As criaturas  tem essa mistura entre buscar o bem e evitar o mal por serem limitadas, mas Deus não precisa se preocupar com o mal.

Emanuel: Mas ele não ganha nada criando o mundo, então pra que criar? Era melhor ficar se admirando como na visão do Aristóteles.

Tomé: Simples: assim como um fogo maior espalha seu calor mais, o homem bom melhora o mundo. As ações de Deus são atos de generosidade. Ele que generosamente deu ao mundo a existência que não merecia age para compartilhar Sua bondade e perfeição! Ele não procura Seu bem pois já tem, mas sim o dos outros.

 Emanuel: Entendo. Esse problema então está acabado. É uma solução muito bonita até.

Renê: Você viu essas objeções no Youtube? Haha.

Emanuel: Na verdade sim, hehe. O nível não parece ser tão alto agora. 

Renê: Sabia! Outra suposta contradição?

Emanuel: Tem outra sim. Se deus é perfeito não faz o errado ou o irracional, mas então como ele é livre? Ele não pode fazer coisas que eu posso.

Anselmo: Uma sementinha se tiver retidão ou estiver 100% livre de defeitos e em terreno favorável não vai crescer e virar uma arvore? 

Emanuel: Sim. Ela só vai falhar se algo estiver errado. Essa "retidão" então seria funcionar direito?

Anselmo: Isso, retidão é funcionar corretamente, sem defeitos. Lembrando da semente, quem é mais livre: um alcoólotra que pode terminar a noite bêbado se não conseguir se segurar ou um sujeito controlado que não vai ficar bêbado?

Emanuel: Acho que o segundo cara, pois o primeiro tem dificuldade de fazer o que quer enquanto ele pode fazer o que deseja de boa.

Anselmo: Reparou que nos dois exemplos a ideia de ter mais de um resultado possível veio de defeitos?  Que nos dois casos o menos defeituoso ou mais reto era o que tinha só um resultado e inclusive era mais livre no segundo? 

Emanuel: Então a possibilidade de fazer algo errado é na verdade uma falta de liberdade?

Anselmo: É.  A liberdade não é poder fazer qualquer coisa como se vê defendido por ai, verdadeira liberdade é ser capaz de fazer o que é certo, manter uma retidão na vontade por ser o certo a se fazer, sem algum interesse como fazer o bem por dinheiro. Ter uma vontade correta, justa, reta é um bem e aqueles que podem fazer tanto o mal como o bem são assim por não serem livres o bastante.

Emanuel: Então deus na verdade seria mais livre do que nós?

Anselmo: Sim. Enquanto temos defeitos, ignorâncias e fraquezas que nos impedem de agir direito as vezes, Deus é perfeito então não tem nada disso, podendo escolher sem nada o atrapalhar.

Emanuel: Então quem escolhe fazer o mal também é defeituoso de certa forma? Mesmo sem ser por um vicio ou coisa asdim?

Anselmo: Você entendeu. Todo mundo faz o que faz por achar que é bom de alguma forma, mesmo o homem calculista que sabe que algo é ruim acredita que sua ação de fazer o mal vai ser vantajosa de alguma forma, sendo isso também um erro. Como Deus é perfeito, isso não acontece com Ele.

Emanuel: Acho que faz sentido então. Realmente tem decisões que alguém só toma se tiver alguma falha e esses são os não-livres.

Anselmo: Exato. O mais pobre santo é mais livre do que o mais poderoso tirano!

Tomé: Tem mais alguma objeção contra Deus?

Emanuel: Claro. Deus pra ser perfeito precisaria ser onipotente, mas o conceito de onipotência não faz sentido, só ver o que aconteceria se eu pedisse pra ele criar uma pedra que não pode levantar. Se ele a levantasse seria limitado por não poder realizar o pedido, se não a levantasse seria limitado por não poder levantar ela. A onipotência parece impossível.

Renê: Esse é comum.

Anselmo: Temos primeiro que ver o que onipotência quer dizer e então ver se o conceito escapa desse pedido.

Emamuel: Onipotência significaria poder fazer qualquer coisa, certo? Como essa definição escapa da pedra?

Tomé: Essa definição é meio vaga. Ela se estende ao impossível? Eu diria que não.

Renê: Eu diria que se estende ao impossível sim. Deus é capaz de fazer tudo, até mesmo as leis da lógica e da matemática podem ser mudadas!

Emanuel: Então você acha que ele poderia fazer 2 + 2 ser 7 e um circulo quadrado ser possível? Isso é imbecil!

Anselmo: Concordo. Isso facilmente escaparia da suposta contradição da pedra e qualquer outra, já que Deus poderia refazer as leis da lógica e mover e não mover a pedra ao mesmo tempo ou qualquer outra loucura assim, mas é algo ridículo, então eu rejeitaria essa ideia na hora.

Tomé: É uma definição sem sentido mesmo. 

Renê: Entendo que é difícil de aceitar mesmo, mas é melhor que Deus ser limitado pela lógica.

Tomé: Defender que Deus é limitado por ser perfeitamente lógico é como dizer que Ele é limitado por Sua natureza perfeita boa, e sabemos que isso é ridículo. 

Emanuel: Então você diria que deus não pode contradizer a lógica por ela ser meio que parte dele ou coisa assim?

Tomé: Cara, acho que isso precisaria ser melhor explicado, mas diria que sim. Assim como Deus é a Bondade, é a Racionalidade. Ser ilógico é um defeito assim como ser mau, então Deus não é nenhum.

Emanuel: Se ele não contradiz a lógica, como escapa do paradoxo da pedra? A onipotência parece impossível.

Tomé: Simples: seu pedido não envolve algo que é possível mas que Deus não pode realizar por alguma limitação, seu pedido é uma contradição lógica que não significa nada como um circulo quadrado,  não é absolutamente nada, só um truque de linguagem.

Emanuel: Como assim?

Tomé: Seu pedido é o de uma pedra que Deus não pode levantar. Você quer algo que não pode ser movido por um poder que move tudo. Isso seria o limite de algo sem limites, uma contradição lógica completa.

Anselmo: Exatamente. Esse pedido é apenas besteira, é como pedir um solteiro que é casado, algo que simplesmente não faz qualquer sentido.

Tomé: É isso mesmo. Não é que o pedido não pode ser realizado por Deus, é que o pedido não pode ser realizado. Não é uma limitação de Deus não poder fazer essa pedra, pois ela não é mais do que idiotice.

Emanuel: E o livre-arbitrio? Se deus é onipotente pode criar seres com livre-arbitrio, mas como é onisciente saberia tudo que eles fariam, então não seriam livres. Isso quer dizer que ele não pode criar nada livre e portanto não é onipotente.

Tomé: Alguns defenderiam que isso só mostra que o livre-arbítrio é uma impossibilidade lógica e portanto Deus não deixa de ser onipotente por não poder fazer isso, como no caso da pedra. É pouco popular mas existe.

Emanuel: E você diria o que? 

Tomé: Pra começar, a ideia de que alguém saber o que eu vou fazer tira minha liberdade é bizarra, já que depende da ideia de que quem sabe algo é a causa desse algo, o que significaria que se eu ver alguém prestes a se jogar duma ponte e pensar "Ele vai morrer" eu devo ser preso por homicídio!

Renê: Hahaha.

Anselmo: Por ai,  hehe. Outra coisa é que você imagina Deus como um ser temporal, que cria os seres e aguarda eles fazerem o que Ele vê como um vidente, não é assim. Deus não é limitado pelo tempo ficando num momento e depois em outro, mas Ele é como um homem no topo de uma montanha que vê todas as áreas a sua frente e abaixo de si ao mesmo tempo. Passado, presente e futuro são essas áreas.

Renê: Boa analogia. Essa diferença entre as criaturas e Deus quanto o tempo dá um argumento pra existência Dele, mas fica pra outra hora..

Emanuel: Melhor deixar pra outra situação mesmo. Então deus é além do tempo e espaço? Ele realmente parece diferente... 

Tomé: Essa sempre foi a visão dos filósofos teístas clássicos. 

Renê: Realmente, isso não é algo recente de forma alguma.

Tomé: Isso. Ainda alguma coisa? Outro ataque a possibilidade da existência de Deus?

Emanuel: Outra coisa que citam é a do problema do mal, a ideia de que se deus existisse teria criado um mundo melhor do que esse, então esse mundo cheio de coisa ruim existir prova que ele não existe. Você responderia assim também nesse caso?

Tomé: Acho que esse é um problema que exige um tratamento bem maior, pois muitas coisas precisam ser explicadas e emocionalmente ele afeta muito mesmo não sendo tão forte intelectualmente. Mesmo assim, acho que dava pra responder do mesmo jeito: talvez fazer um mundo que não tenha nenhum mal seja logicamente impossível, então Deus só poderia não criar um mundo onde existe mal se Ele não criasse, o que impediria muitos bens.

Anselmo: É, quem quisesse usar o mal para provar que não tem Deus teria que provar que Ele poderia criar um mundo sem mal, e isso exigiria um conhecimento impossível pra qualquer um que não seja onisciente como Deus.

Tomé: Tem isso também. Uma criança dificilmente entende o motivo do pai dela deixar um cara botar uma maquina barulhenta e assustadora na cara dela, mas é só um corte de cabelo. Não sabemos se estamos melhores que a criança, então qualquer argumento pelo mal não tem sequer como começar. 

Renê: Isso é verdade mesmo, ninguém sabe sequer como as coisas serão no futuro, imagina saber todas as possibilidades. Fora que criar seres com livre arbítrio é criar a possibilidade de mal, mas seres com livre arbítrio são um enorme bem. 

Tomé: Sim, mas mesmo essa abordagem que usamos é falha, já que vimos antes a natureza real do mal: uma falta de retidão ou de completude. Mal é privação e não algo independente. Uma pedra cega não é ruim por ser parte do que é ser uma pedra, mas um cachorro cego é ruim, pois enxergar faz parte da natureza dele. Como tudo que é mutável é capaz de perder suas perfeições, quem reclama da possibilidade de mal essencialmente está dizendo que o que é mutável não deveria existir, um belo gnoticismo.

Anselmo: Exato. Embora o mutável não seja o melhor, o mundo material ainda é valioso, ainda merece ser da sua forma imperfeita. Esse gnoticismo definitivamente não combina com o ateu moderno, que acredita que só o mutável é real.

Emanuel: Então não era melhor não criar? É o único jeito de evitar o mal.

Tomé: Não, pois ai a Bondade Divina não seria compartilhada, que é o objetivo de Deus. Ele poderia não criar, obvio, mas criar seria melhor. Assim como ter a beleza e qualidade de um leão é algo bom mesmo que exija caçadas e mortes para o animal poder comer, criar o universo é algo bom mesmo com o mal que existe.

Anselmo: É isso mesmo. Ninguém realmente acha que não existir é melhor, se acreditasse já teria deixado de viver. A criação é boa, e sua existência também, logo, Deus criar foi bom mesmo com o que acontece.

Emanuel: Isso me parece meio estranho, deus não teria o dever de fazer o melhor pra todos?

Renê: Isso exigiria alguma lei acima Dele que o obrigasse a fazer certas coisas. Essa lei não existe pois Deus é essencialmente supremo e portanto além de qualquer lei.

Anselmo: É, a ideia de Deus tendo algum dever não faz sentido, é uma ideia que nasce de uma concepção antropomórfica Dele.

Emanuel: Então ele poderia fazer qualquer coisa conosco?

Anselmo: Já vimos com a onipotência que apesar de nada limitar Deus, Ele não é imperfeito. Se lembre que Deus também é supremamente bom, a Bondade, então Ele é, de certa forma, como um santo que vira rei absolutista: legalmente pode fazer tudo, mas a sua bondade garante que Ele faz sempre o melhor.

Emanuel: Mas ele ser acima da lei não o torna um déspota?

Tomé: O déspota é acima da lei legal mas abaixo da lei moral, por isso ele age de forma errada se faz o que quer, mas Deus não está abaixo da lei moral, então a comparação falha.

Emanuel: Sendo ele bom, não devia se importar com todos mesmo sem precisar?

Anselmo: Sim, diria que sim. Todo mal que existe existe porque dele Deus tira um bem maior. A criação permite inúmeros bens então permitir também o mal não torna a criação ruim. 

Emanuel: Acho que é verdade então que deus e o mal coexistirem não é um absurdo logicamente falando. Mas não sei se provar que a existência de ambos juntos é possível é o bastante.

Anselmo: Bom, o argumento só precisa que a existência de ambos não seja contraditória, pois ai a existência de Deus é possível. Lembre-se: Ele só precisa ser possível pro argumento funcionar.

Emanuel: Nesse caso, não tenho nenhuma contradição que prove que a existência de deus é impossível. Vocês podem tentar provar que ele existe então, já que se a inexistência dele for impossível nenhum argumento probabilístico importa.

Renê: Isso. Eu começo.

Anselmo: Certo.

Tomé: Com base em que você diz que a inexistência de Deus é impossível?

Renê: Simples: a ideia clara e distinta que tenho de Deus deixa claro que parte da Sua natureza envolve existência necessária ou que não depende de mais nada porque Ele é essencialmente aquele de quem tudo depende. Quem tem existência necessária ou independente existe e não poderia não existir, então Ele existe. 

Emanuel: "ideia clara e distinta"?

Tomé: Ele acredita na existência de ideias inatas, que não surgem da experiência mas estão com nós desde o nascimento e são a base do conhecimento. Não são só pro argumento, o Renê acha que um monte de conhecimentos não podem surgir pela experiência.

Renê: Chamo de "clara" uma ideia que se releva a uma mente atenciosa de forma bem direta e induvidável, como "1 + 1 = 2". "Distinta" algo que que é tão diferente dos outros objetos que uma mente atenciosa não  confundiria essa ideia com outra. Foi uma discussão legal aquela sobre epistemologia, Tomé, temos que fazer isso outra vez. 

Tomé: Verdade.

Emanuel: Epistemologia é um assunto essencial. Fiquei de conversar com um empirista sobre o assunto. 

Renê: Interessante discutir com esses caras mesmo. Voltando ao assunto, como todo mundo tem essas ideias, eu diria que é só limpar suas mentes de qualquer coisa que lhes impede de ver isso. Não é bem um argumento dedutivo mas algo como uma intuição inata. Eu sei que a ideia está ai, só ajudar a sair com essa limpeza mental, hehe. 

Emanuel: Essa limpeza vai ser grande, já que eu não vejo ligação entre a ideia de algo e a existência dele.

Renê: Qual o problema?

Emanuel: Fácil: qual a diferença entre falar de deus com existência necessária e um macaco com existência necessária? O macaco não existe, então deus talvez não exista. 

Renê: O que é um macaco necessário? Você sabe o que é um macaco, mas esse macaco necessário me parece uma pseudo-ideia no nível de um círculo quadrado. Não é uma ideia clara e distinta mas uma mistura confusa e sem sentido criada ao misturar dois conceitos. 

Emanuel: Se o deus necessário vale, o macaco necessário deve valer, você não pode querer escolher quais ideias inatas nós temos! 

Anselmo: Mas o conceito de um macaco necessário é obviamente auto-contraditório. Um macaco é um ser material e por isso limitado ao tempo e ao espaço, significando que não pode ser necessário.

Emanuel: Como assim?

Anselmo: Se algo está em um lugar específico não está em outro e portanto pode não estar em lugar algum, ou seja, poderia existir um mundo sem esse ser. Além disso, tudo que é material é composto de partes, significando que, como você disse, essas partes poderiam existir sem ele existir, exigindo um motivo para elas estarem unidas. 

Renê: Eu ia dizer que um macaco necessário é incoerente mas isso ajuda também. O macaco é algo que começa a existir e pode deixar de existir, sendo necessariamente contingente e tal com uma existência dependente. Portanto o macaco necessário seria algo dependente e independente ao mesmo tempo, algo claramente contraditório. 

Anselmo: Imagino que uma ideia clara e distinta não possa ser contraditôria, então isso tudo que dizemos já seja o bastante pra rejeitar todos os pseudos-conceitos de seres necessários além de Deus.

Renê: Isso mesmo. Por isso mesmo eu já nem estava preocupado com essas "contradições" em Deus. Eu sabia que não existe nenhuma, então refutar elas só serviu pra clarear a mente um pouco.

Tomé: Uma boa analise do que seria preciso para algo ter uma natureza necessária ia deixar sem sombra de duvidas que um macaco, uma ilha, uma pizza etc não são capazes de ser algo necessário, mas acho que isso já foi mostrado. Essa é somente uma caraterística divina.

Anselmo: Verdade, é algo meio claro se investigado. 

Emanuel: Bom, acho que não posso colar o conceito de "necessário" em tudo mesmo. 

Renê: Exato. As ideias claras e distintas não são inventadas mas estão sempre conosco mesmo que no subconciente, então você não pode gerar uma paródia do argumento ao inventar algum conceito.

Tomé: "Subconciente"? Vejo que minhas criticas fizeram você refinar a ideia, haha.

Renê: Haha. Sim, precisei muito refinar essa visão. 

Emanuel: O debate ajuda mesmo. Mas o que é um ser necessario? Só proposições são necessárias, não temos conhecimento de algo assim.

Renê: Dizer que não temos conhecimento de um ser necessário é uma petição de principio, já que eu estou justamente dizendo que temos! E que temos esse conhecimento é fácil de provar: já que a ideia de Deus como Ser independente e de quem todos dependem é algo comum e que, eu diria, é inata.

Anselmo: É por ai, a maioria das pessoas tem conhecimento razoável sobre Deus, conhecimento que eu diria ser o suficiente para o argumento funcionar com um raciocínio guiado.

Emanuel: Mas você mesmo disse que algo material não pode ser necessário! Não temos como ter então alguma experiência sensorial com um ser necessário, logo, não temos nenhum conhecimento disso!

Tomé: Conhecemos o que é contingente ou com existência dependente, podemos então saber o que o necessário não é. Não é conhecimento completo mas dá pro gasto.

Renê:  O Tomé discorda, mas eu concordo com você que esse conhecimento não surge da experiência, por isso é inato! A questão não é como surge, mas o que importa é que o conhecimento suficiente existe, então seu argumento falha.

Emanuel: Bom, talvez seja o caso, mas...

Tomé: Se você concorda com essas ideias claras e distintas o argumento funciona, mas eu discordo desse racionalismo epistemológico então diria que o conhecimento necessário pra esse argumento ou surge da experiência ou é inventado, e nenhuma opção é boa. 

Emanuel: Se a ideia é inventada é um argumento falho, já que seria só uma manipulação de palavras que não fala do mundo real. Pra esse argumento valer o conhecimento teria que vir da experiência e isso não vejo como possível.

Renê: Esse conhecimento ser inato e vários outros também é a opção que eu defendo. Mas como essa discussão já rolou acho melhor então entrar no jogo. Sei que pro argumento funcionar a ideia não poderia ser inventada, mas qual o problema dela surgir da experiência?

Tomé: Também acho melhor deixar essa discussão de ideias inatas pra depois, mas te explico o problema: os únicos jeitos de conhecer a natureza de algo pela experiência são através da percepção direta ou pelos seus efeitos. Deus não é perceptível pelos sentidos então a primeira opção falha. A segunda funciona mas ai nós já saberíamos que Deus existe, então seu argumento seria inútil.

Renê: Como assim?

Tomé: Com um exemplo que já usei outras vezes explico: imagine que eu tenho um quintal de terra com frutas e tal. Um dia ouço um barulho no quintal e noto umas marcas de patas  e umas frutas meio comidas. São sinais estranhos então eu chamo um amigo que é especialista no assunto.

Anselmo: E depois? 

Tomé: O meu amigo me diz que esse animal não é algum ser conhecido mas que dá pra ter uma base do que ele deve ser com esses sinais. Tenho eu conhecimento completo desse ser?

Renê: Não, mas tem um conhecimento incompleto, já que você já sabe que o animal não é um que já conhece e pode ter uma base mínima do que o bicho é pelas marcas que ele fez.  O animal é Deus?

Tomé: Isso. Seu argumento depende de conhecermos a natureza possível de Deus para saber se é impossível Ele não existir. O argumento não pode partir de uma definição inventada pois ai seria inútil. As ideias claras e distintas resolveriam isso pois ai o conhecimento seria inato, mas eu não acredito em conhecimento inato, então você só poderia conhecer a natureza divina por Seus efeitos.

Emanuel: E se você sabe que X é efeito da ação de Deus sabe que ele existe, então o conhecimento da natureza de deus que o argumento precisa só pode ser conseguido se você já souber que ele existe, certo?

Tomé: Exatamente! Por isso Deus só pode ser provado por seus efeitos, a posteriori. Seu argumento a priori está certo mas depende de conhecimento que você só teria se a conclusão do argumento já fosse conhecida. Por isso o argumento é inútil.

Renê: Então você acha que só podemos conhecer o necessário através das ações de Deus? Por isso o argumentosó funciona se o conhecimento for inato?   

Tomé: Isso mesmo.

Renê: É, as ideias claras e distintas são necessárias mesmo pra esse argumento funcionar. Elas são reais então não me importo, mas seria um problema em usar o argumento.

Emanuel: Então se a argumentação a posteriori falhar já era. Eu diria que é o caso, então...

Renê: De novo: se você trata o racionalismo como falso. O conhecimento de Deus tem que surgir de algum lugar e não vejo a experiência como tal...

Anselmo: Entendi a critica. Se a definição de Deus for inventada já era e ela não pode vir dos efeitos Dele pois isso inutilizaria o argumento, é verdade. Mas e se conhecêssemos a natureza de Deus pela experiência de outra forma? Ai o racionalismo do Renê seria desnecessário.

Emanuel: E qual jeito você tem no caso? 

Anselmo: Deus não é só o criador do mundo, mas é digno de adoração, o Único Digno, perfeitamente bom, certo?

Tomé: Isso. Os deuses politeistas são meio que superheróis que as pessoas adoram, mas Deus mesmo, monoteista, é O Ser Supremo que deve ser adorado.

Anselmo: Nesse caso, Ele deve ser O Ser Do Qual Nada Melhor Pode Ser Concebido. Ai está a chave.

Tomé: Então como você adquire o conhecimento Dele? Não pode ser a posteriori por alguma coisa que Ele faz, pois ai você já sabe que Ele existe, nem pode ser por alguma ideia inata por estarmos desconsiderando isso por enquanto.

Anselmo: Fácil, basta eu olhar para as coisas do mundo. As coisas, as pessoas e as ações tem certa bondade, certo?

Tomé: É verdade, todas as coisas que existem, tudo que é, tem alguma coisa de bom, mesmo as más. Até um assassino tem força, inteligência, coragem e muitas outras coisas boas.

Anselmo: Bom, cada ser tem um certo grau de qualidade, mas isso sempre pode ser superado, tudo que eu vejo é algo do qual se pode conceber algo melhor, certo?

Tomé: É verdade. Assim como números, que sempre podem ser superados, sempre se pode existir algo melhor do que vemos. 

Anselmo: Nesse caso, eu posso ir aumentando. É bom mas pouco existir e não poder fazer nada, como uma pedra. É melhor fazer algo, como uma formiga. É melhor fazer mais do que uma formiga, como um homem. É melhor fazer mais do que um homem, como um mago de filmes. E vai aumentando até poder se fazer tudo, como um onipotente. Depois do onipotente, a coisa para, o onipotente é o mais poderoso que se pode ser concebido.

Emanuel: Mas assim como se argumenta que um número infinito não existe, não se pode dizer que um ser com poder infinito não pode existir?

Anselmo: Não pois o número infinito é um conceito quantitativo, que faz parte da contagem. O poder infinito é algo qualitativo, uma qualidade. Dizer que alguém tem poder infinito é dizer que pode fazer tudo que é possível, não que tem um número infinito de barrinhas de força. Então a inexistência de um infinito quantitativo não significa que não existe um infinito qualitativo.

Emanuel: Então você vai pegar todas as perfeições possíveis e aa juntar num ser que tem todas?

Anselmo: Isso. Deus é o Ser Do Qual Nada Melhor Pode Ser Concebido, tendo todas as perfeições e por isso é impossível que Ele não exista.

Renê: Essa ideia foi bem criativa!  

Tomé: Foi muito criativo mesmo, parabéns!

Anselmo: Valeu gente. Com isso sabemos quem é Deus pela experiência, então o conceito de Deus não é inventado e o argumento funciona.

Emanuel: E como você sabe que esse é deus?

Anselmo: Onipotente, onisciente, bondade pura, perfeito etc. Pode chamar de outra forma, mas é o mesmo que Deus.

Emanuel: E de onde você tira esses atributos todos?

Anselmo: Vimos aqui que um ser de poder ilimitado é o mais poderoso que pode ser concebido. Agora, um ser onipotente mais com o mesmo conhecimento do que eu ou você é inferior a um que é onipotente e onisciente, então não é o Ser Do Qual Nada Melhor Pode Ser Concebido.

Tomé: Isso. Qualquer um que não tenha todas as perfeições de forma completa não é o Ser Do Qual Nada Melhor Pode Ser Concebido, então Ele é onisciente, onipotente, imaterial, O Bem etc.

Anselmo: Isso.

Emanuel: Certo. Mas esse ser maior do que todos os outros  ser algo concebível  não quer dizer que ele existe. São questões separadas o que algo é e se algo existe.

Anselmo: Primeiro, eu disse "Ser Do Qual Nada Melhor Pode Ser Concebido", faz toda diferença. Segundo, essa diferença é verdade em todos os seres, exceto Deus.

Emanuel: Não é o caso esse segundo ponto. Pois imagine se alguém me falasse que existe a uma pizza da qual nada maior pode ser concebido e que ela existe pois se não existisse não seria a da qual nada maior pode ser concebido. Devo eu acreditar na existência dessa pizza?

Anselmo: Que?

Tomé: Não deve, pois essa pizza é uma contradição, já que o que é material ou que existe sob efeito do tempo e do espaço existe de forma limitada e, alias, tudo que é contingente, não é Deus, existe de forma limitada. Como uma pizza existe de forma limitada, uma pizza da qual nada melhor pode ser concebido é limitada e mesmo assim melhor do que o que supera seus limites, algo ridículo.

Renê: É, isso é meio obvio. 

Emanuel:  Bom, então eu te digo que a criação do mundo é o acontecimento mais incrível imaginável. O mérito desse feito é calculado pegando a qualidade desse feito e as deficiências de seu realizador, já que um feito difícil é mais digno de receber parabéns.

Renê: Eu diria que suas premissas estão bizarras, mas continua ai.

Emanuel: Pegando esse argumento, a maior deficiência é não existir, então um criador de tudo que não existe tem mais mérito do que um que existe, sendo portanto melhor. Vemos então que o Ser Do Qual Nada Melhor Pode Ser Concebido não existe!

Anselmo: Como assim o argumento implica nisso?

Renê: Além das suas premissas não serem obvias, pra dizer o mínimo, você trata como possível alguém que não existe criar algo. Como assim?

Emanuel: É a maior deficiência, ué.

Renê: Não faz sentido nenhum isso, alguém que não existe mas cria algo real é totalmente ridículo. Sua paródia na verdade fortalece o argumento, já que você mostra um exemplo de algo impossível, algo que vimos antes que Deus não é e que precisaria ser pro argumento falhar.

Emanuel: Por isso é incrivel!

Renê: Não, por isso é impossível. Você faz como quem fala do circulo quadrado, fala de nada fingindo que fala de algo. 

Emanuel: É verdade até, reconheço que essa foi ruim. Mas será então que existe algo que é pior do que tudo aquilo que pode ser concebido, não existindo nem na mente? Esse argumento vai levar a essa conclusão.

Anselmo: Como assim vai? Vocês estão falando do que?

Renê: Seria esse o não-ser, não? Algo que, assim como um circulo quadrado, é uma palavra que não se refere a nada, nem a uma ideia.

Emanuel: Oh, é verdade.  Seria o tal não-ser mesmo. Nesse caso, imagine a melhor ilha que pode ser concebida, ou ela existe na mente ou na mente e na realidade. Pelo argumento do Anselmo, se a ilha existisse só na mente seria inferior a toda ilha real, então obviamente ela existe! É algo bizarro.

Renê: Mas será que essa ilha poderia existir? Me parece que sempre se pode melhorar algo assim, mais cocos, mais bebidas, musiquinha melhor etc. A melhor ilha é como o maior número, não existe pois sempre pode aumentar, não tem limite.

Emanuel: Não tinha pensado nisso, realmente dá sempre pra ter uma ilha melhor.

Anselmo: Mas afinal, que tipo de argumento você acha que eu estou usando? Não entendi nada.

Emanuel: Você diz que deus, por ser o melhor concebível, tem todas as perfeições e que existência é uma perfeição, portanto ele não seria o melhor concebível se não existisse, logo, ele existe. Mas existência não é um predicado, então isso não tem lógica.

Anselmo: Que?

Renê: Como assim? Isso da existência soa estranho. Um predicado é o que adicionamos a um sujeito, isso eu sei.

Emanuel: Isso. Quando eu descrevo algo, tipo uma fruta, eu digo, por exemplo, "Ela é vermelha", eu listo as características dela.  Eu adiciono predicados ao sujeito "fruta". 

Renê: Sim.

Emanuel: Dizer então "Ela é" ou "Ela existe" não é descrever ela, pois você não adiciona nada ao conceito, só diz que algo no mundo real bate com ele. Existência não adiciona nada ao sujeito, então não é um predicado e com isso dizer "Deus existe" não adiciona nada ao sujeito, significando que ele não seria inferior no nosso conceito se não existisse. 

Anselmo: Primeiro, essa ideia de que algo que existe como uma reles ideia dependente de mim não é inferior a o que existe independente de mim é no mínimo estranha, você olha as coisas como se fossem um exercício de lógica sendo que é uma discussão metafísica. Segundo, meu argumento não é assim! Já compartilhei antes meu argumento e o sujeito cometeu o mesmo erro que você, até usando esse negócio da melhor ilha, tive que corrigir ele e desde então tentei usar ele de forma mais clara.

Renê: Meu argumento também já foi visto dessa forma, até por eu ser pouco cuidadoso ao falar da existência necessária, erro complicado. Essa refutação do argumento da existência como predicado eu já tinha visto mas com uma linguagem um pouco diferente, então essa versão me confundiu um pouco.

Emanuel: Bom, acho que a minha refutação é boa, mas já que o argumento é outro, é melhor manter o foco.

Anselmo: Sim. Sua objeção me parece sem sentido, mas fica pra depois.

Emanuel: E então, como é o argumento? 

Anselmo: É assim: Deus é o Ser Do Qual Nada Melhor Pode Ser Concebido, nada superior a Ele existe, certo?

Emanuel: Sim, é isso mesmo.

Anselmo: Vimos que o que é composto de partes pode não existir, pois sua existência depende de suas partes, como uma maquina cujas peças podem existir separadas. Vimos também que o que está em um local e não em outro pode não existir também, pois poderia estar em nenhum lugar. Oque começa a existir não existiu antes, mesmo que não exatamente de forma temporal, então sua existência é dependente em outra coisa também, certo?

Emanuel: Todos esses casos envolvem dependência, materialidade, e limitações, então deus teria que não ser composto de partes, não estar dentro do espaço ou do tempo e nem poder ter um começo, certo?

Anselmo: Exatamente. Você tá entendendo.

Tomé: Falta ainda bastante coisa mas é um começo. As coisas do mundo são uma boa amostra do que Deus não é. 

Anselmo: É verdade, o mundo e Ele não são muito semelhantes.  Enfim, melhor voltar pro assunto. Em todos esses casos temos algo que por alguma limitação ou dependência pode ser concebido como inexistente, poderia não existir. O Ser Do Qual Nada Maior Pode Ser Concebido não tem qualquer limitação ou dependência, pois se tivesse seria inferior a algo e isso é absurdo, então Deus não pode não existir! Esse é o argumento.

Renê: Exato! Deus não é contingente mas necessário! Não é dependente de nada mas independente de tudo!

Emanuel: Então esse é o argumento?

Anselmo: Esse mesmo, o Ser Do Qual Nada Maior Pode Ser Concebido não pode realmente ser concebido como inexistente. A sua versão errada do argumento depende da ideia de que Deus pode ser concebido como existente só na mente, e isso é algo que nego.

Emanuel: Então tudo que pode ser concebido como inexistente não é o ser supremo?

Anselmo: Isso mesmo. Tirando Deus, que é perfeito e por isso existe de forma necessária e independente, tudo que existe pode não existir.

Emanuel: Então não existe um ser supremo, já  que tudo pode ser concebido como inexistente. A existência de ateus e agnósticos mostra que Deus pode ser concebido como inexistente.

Renê: Esse tempo todo estamos tentando mostrar que isso só é possível por ignorância. Essa conversa foi útil pra clarear a mente sobre a natureza de Deus e mostrar como a ideia Dele não existir é algo ridículo.

Anselmo: É isso mesmo. A principio parece que existe uma contradição entre dizer que Deus não pode sequer ser concebido como inexistente e a existência de ateus e agnósticos, mas não é o caso.

Emanuel: Como pode ser o caso se tantos concebem deus como inexistente? O tolo diz em seu coração que não há deus, então é claro que é um pensamento possível.

Tomé: A maioria das pessoas na Marvel que conhecem o Peter Parker no trabalho ou na vida pessoal mas não como Homem Aranha certamente podem conceber os dois como pessoas diferentes, mas isso não é possível de verdade. A argumentação do Renê e do Anselmo foi pra demonstrar que quem conhece a natureza de Deus não pode duvidar de Sua existência. É uma conclusão que eu concordo, mas não sei ainda se a argumentação a priori é o bastante, embora não duvide.

Anselmo: Acho que é sim, sei que você vai ver eventualmente.

Tomé: Talvez sim, tenho que olhar melhor. Fora que gosto da argumentação a posteriori, Hehe.

Anselmo: Preferências né, acontece. Mas é isso, existem duas formas de conceber algo. A primeira é tendo em mente de forma compreendida a palavra. Nesse caso, Deus pode ser entendido como inexistente, 

Emanuel: E qual a segunda?

Anselmo: Quando o que está na mente de forma compreendida é o que é referenciado pela palavra, a coisa em si. Nesse caso, Deus não pode ser concebido como inexistente, pois compreender Sua natureza é compreender que Ele não poderia não existir.

Renê: Pronto! A questão é uma falta do conhecimento. É o tipo de coisa que se encaixa no "o que é visto não pode ser desvisto", é tão natural agora, obvio.

Anselmo: É verdade, como você disse antes, é como uma prova matemática mesmo, difícil de chegar até a conclusão, mas impossível de não ver depois de chegar lá. Alguma outra objeção?

Emanuel: Bom, sua explicação da pseudo-contradição foi boa. Mas não é arrogante dizer que a posição de vocês é auto-evidente?

Anselmo: Acabamos de dar argumentos para isso, então basta quem discordar derrubar eles. Algum pensamento ser arrogante ou não nunca torna errados os argumentos de quem os pensa.

Emanuel: Acho que sim.

Renê: Mas e ai: eu dei uma versão do argumento e o Anselmo outra, vocês acham que alguma funciona?  

Tomé: Acho que preciso dar uma olhada melhor...

Emanuel: É mais fácil não aceitar esse argumento do que achar o erro, sinceramente...

Anselmo: Rapaz, vocês estão na má vontade aqui em.

Tomé: Isso me parece discutível.

Renê: Ao contrário, é auto-evidente, hehehe.

Tomé: Hahahaha.

Emanuel: Foi uma surpresa maior do que os argumentos, haha.

Anselmo: Hehe, foi ruim e até boa.

Tomé: Isso, hahaha.

Iluminação

 Não quer luz quem dorme. Iluminado, ruim é o despertar. Grogue, não entende ao escutar, A luz não leva a enxergar, Os olhos ela só faz irri...