terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Murray

Murray: O Estado é necessariamente ladrão, já que só sobrevive se confiscar o capital alheio. Ele não deve existir.

Henrique: E por que você pensa assim? 

Murray: Me parece obvio que ele viola a lei natural, válida em todos os momentos, pois ataca a autopropriedade.

Henrique: Mas nenhuma sociedade sem Estado foi grande coisa, não acha que ele é necessário ou inevitável?

Murray: Não é nada, só atrapalha. Fora que o Estado é injusto, então não deve existir de forma alguma. A escravidão não deveria voltar mesmo que fosse vantajosa.

Henrique: Claro que não. Mesmo assim, como é essa propriedade? Como você pode ser propriedade de si mesmo?

Murray: Estou falando da autopropriedade, pois a lei natural revela que todo homem é senhor de si, que seu corpo é seu domínio.

Henrique: Mas como você pode ser seu dono? Você seria a propriedade e também o dono, algo sem lógica.

Murray: Isso é mera semântica e nada mais, todo mundo entende o que eu digo quando eu falo "essa é minha mão". 

Henrique: Acho que tem razão. Então a escravidão é errada por todo homem ser senhor de si?

Murray: Exato. Cada um tem o direito de fazer o que quiser com o próprio corpo, salvo desrespeitar o direito dos outros, o que significa que nenhum homem pode ser minha propriedade, exceto se ele aceitar que seja assim.

Henrique: Sim, mas como o Estado viola meu direito?

Murray: Sendo o dono de si, você é o dono do que produz, o que significa que ninguém pode tirar de você o que o seu trabalho gera. Os impostos não são coletados com ameaça de violência?

Henrique: Isso é verdade. Nesse caso, o imposto pega injustamente que é meu?

Murray: Você entendeu. Isso significa que o Estado se sustenta de maneira injusta e merece deixar de ser.

Henrique: Então tudo deve ser privado? Se sou senhor de mim mesmo, faz sentido, já que me roubar pra me pagar um presente ainda é roubar.

Murray: Sim, é o justo.

Henrique: Mas eu sou o senhor de mim mesmo?

Murray: Claro, é a única opção. Ou você é dono de si ou de outro ou de uma comunidade, e só o primeiro caso faz sentido.

Henrique: Mas você não poderia não ser o dono de si e nem ninguém ser seu dono? Assim ninguém teria propriedade.

Murray: Já ouvi isso antes, mas ser o proprietário de algo significa ter o direito de usar a propriedade, então se ninguém é seu dono você não tem o direito de usar o próprio corpo! Isso que significaria que cada movimento seu é uma violação de uma propriedade que não é sua, hehe.

Henrique: É, podemos descartar isso totalmente, haha. Então eu poderia ser propriedade de uma comunidade? 

Murray: Primeiro, ser propriedade de outro homem sem um contrato ou coisa assim é escravidão, mesmo em grupo. Segundo, como você faria para ter propriedade parcial de alguém mas sem ser proprietário de si ou de qualquer outra coisa? Não tem lógica alguma.

Henrique: Outra coisa que pensei é que se a comunidade é minha dona, então eu precisaria da permissão de todos para qualquer ato meu, o que me obrigaria a pedir permissão de todos para tudo, tornando a vida virtualmente impossível. Até pedir permissão seria impossível, haha.

Murray: Haha, exatamente. Nesse caso, podemos descartar essa opção. 

Henrique: E que tal eu ser o dono de mim mesmo mas o meu trabalho ser de todos? Os argumentos esquerdistas sobre distribuição de renda só fazem qualquer sentido real se eles pensam em algo assim.

Murray: Ai você produziria algo e não teria direito ao que produziu. Você poderia trabalhar o dia todo plantando e no fim a comunidade resolver não te dar nada, lhe deixando morrer.

Henrique: É, isso me parece ruim, fora que meu trabalho é meu e ele está no que produzo, então o que produzo tem que ser meu.

 Murray: Isso. Só sobrou você ser o seu dono ou outro homem. Outro sujeito ser seu dono seria escravidão, além de exigir um critério para ser o dono, que não existe.

Henrique: Sim, critérios como diferença de inteligência são arbitrários e o nosso senso ético nos revela que a escravidão é ruim, então essa opção é descartável. Mas ainda não vejo motivo pra sermos donos de nós mesmos.

Murray, E por que não?

Henrique: Bom, como adquirimos propriedade de um objeto?

Murray: Três formas: misturar com o objeto nosso trabalho,  comprar esse objeto ou ganhar esse objeto como presente. Não existem outras formas.

Henrique: Você acredita em reencarnação ou na pré-existência da alma como os seguidores do Joseph Smith?

Murray: Não acredito nesse tipo de coisa. Que importância tem esse assunto?

Henrique: Bom, se você não é uma alma totalmente separada do corpo, então você e ele começaram a existir juntos.

Murray: Exatamente. 

Henrique: Nesse caso, como eu poderia trabalhar no meu corpo para ele virar minha propriedade?

Murray: Não teria como.

Henrique: Poderia eu então comprar ou ganhar meu corpo?

Murray: Não teria jeito. Todas essas ações exigem que você exista antes do objeto, e você não existia antes do seu corpo.

Henrique: Então como eu me tornei proprietário do meu corpo? Nenhum método de virar proprietário é válido aqui.

Murray: Não sei. Até ai, não sei como o universo começou mas nem por isso paro de acreditar que ele existe, haha.

Henrique: Mas você tem amplas, muito amplas, provas de que o universo existe. E a autopropriedade?

Murray: Sabemos que existe certo e errado e vimos que essa é a única explicação razoável disso. É simples.

Henrique: Mas já vimos que essa opção tem que ser descartada por nosso corpo não poder se tornar propriedade nossa, então tem que ter outra opção.

Murray: E qual? Já vimos que as outras alternativas falham. Além disso, as loterias de olho nos revelam que a autopropriedade é a base da ética.

Henrique: E o que é isso? Coisa de filme?

Murray: Um experimento mental sobre um tipo de programa governamental para ajudar cegos que ajuda quando o assunto é ética. 

Henrique: Como seria esse programa?

Murray: Imagine que todo cidadão com dois olhos saudáveis tem o nome pego pra fazer sorteio. Os escolhidos são obrigados a dar um dos olhos pra fazer transplantes para os cegos, assim os cegos enxergariam enquanto os que "doaram" ainda poderiam ver.

Henrique: Isso seria bizarro e horrível. Ninguém concordaria com essa maluquice.

Murray: É verdade. O negócio é que além de mostrar de cara que esses que vivem reclamando de desigualdade defendem práticas imorais para resolver esse "problema", esse experimento mental nos mostra que a autopropriedade é algo impossível de se negar.

Henrique: Como?

Murray: Ele revela que arrancar algo do seu corpo sem permissão sua é errado, mesmo para ajudar os outros. Por qual motivo é errado? Porque é seu e de mais ninguém.

Henrique: Não acho que seja assim, já que existem várias outras teorias éticas que discordariam desse programa sem achar que você é dono absoluto dos seus olhos. Essa loteria só mostra que nossa integridade é valiosa, mesmo que o dano físico ou roubo seja por uma boa causa.

Murray: Sim, eu lhe dou o motivo da integridade ser valiosa.

Henrique: Você dá um possível motivo, mas talvez não seja realmente esse. Se você quiser refutar as outras teorias...

Murray:  De qualquer forma, é fato que eu tenho o direito de utilizar o meu corpo, então sou proprietário dele. Está ai a confirmação.

Henrique: Mas não precisa ser o dono de uma coisa pra a usar. Por exemplo, você pode usar uma casa alugada mas ela não é sua.

Murray: Mas ai existe um proprietário e já vimos que nenhum homem pode merecer ser o proprietário de alguém sem um acordo entre as partes. Quem é o nosso dono?

Henrique: Só pode ser Deus. Como Criador de tudo, somos produtos de Seu trabalho, então Sua propriedade.

Murray: O que? Você não acha que a ética pode ter uma base mais rigida? Se algo divino existe ou não, não é assunto ético.

Henrique: Eu diria que é, pois Ele é a base da ética. Podemos falar muito do que é certo e errado, mas uma hora vamos precisar perguntar o motivo de algo ser certo e errado, discutido na metaética.

Murray: Mas pessoas sem qualquer crença podem ser boas, então não sei como algo sobrenatural pode estar envolvido com o certo e errado.

Henrique: Sim, podem. Existe uma distinção entre saber que algo é bom e saber o porquê de algo ser bom. É como alguém que sabe intuitivamente que um sujeito é bom sem o conhecer muito bem. 

Murray: Mas nós estávamos aqui falando de ética e de coisas como a escravidão ser ruim mesmo sem precisar falar de nada divino.

Henrique: Sim, você sabe que escravidão é ruim, mas não sabe o motivo e tentou dar uma explicação errada. Agora estou te dando o motivo certo: somos propriedade de Deus, então nenhum homem pode ser dono de outro.

Murray: Então você acha que sem um deus não existe algo certo?

Henrique: Isso. O mundo não é feito de matéria que é movida pelas leis da física de forma a gerar objetos e seres vivos? 

Murray: Exatamente.

Henrique: Mas se tudo não passa de combinações materiais, partículas se unindo sem uma ordem maior que as das leis impessoais do universo, qual é a diferença entre desmanchar uma combinação viva e uma não-viva?

Murray: A primeira sente dor?

Henrique: Mas ai você pressupõe que dor é algo ruim quando tem que provar que algo é ruim. Se tudo é material movido pelas leis físicas, então matar alguém é como "bagunçar" umas pedras que estão no chão. Elas estão juntas sem ordem real, apenas graças a gravidade, então não existe uma ordem que é interrompida. Os homens seriam só animais mais expertos numa visão biológica e só partículas juntas na física. Sem valor algum de qualquer forma.

Murray:  Sim, eu realmente fiz uma petição de principio. Mas as pessoas tem valor, isso se vê claramente.

Henrique: Eu não estou duvidando disso. O lance é que se Deus não existe, não existe certo e errado e tudo é permitido, incluindo genocidio, estupro etc. Isso vimos, pois só matéria e leis impessoais não podem explicar a ética.

Murray: Então seu argumento é que certo e errado só existem se um deus existir mas eles existem, então ele existe?

Henrique: Exatamente. O materialismo não pode explicar a ética, mas ela existe, então Ele que a garante, também.

Murray: Até faz sentido, só tem um problema.

Henrique: Qual?

Murray: O certo é certo por ser escolhido pelo divino ou o divino escolhe o certo por ser certo?

Henrique: Como assim?

Murray: Por exemplo: o divino ama ser generoso por ser generoso ser bom?

Henrique: Não, eu diria que não. Isso por que ai existiria um certo e errado independente de Deus, o que é impossível por não existir nada capaz de julgar O Supremo, que é acima de tudo.

Murray: Então ser generoso é bom pelo divino ter escolhido? Então ele poderia ter declarado que ser egoísta é bom?

Henrique: Também não, pois Deus mesmo tem Sua natureza que é boa, pois Ele é Supremo, então o que se aproxima Dele também é bom. Isso significa que Ele é generoso, e por isso ser generoso é bom.

Murray: Então a natureza divina é a fonte do certo e o errado?

Henrique: Isso mesmo. Como Supremo, Ele é o padrão que a criação deve se inspirar pra ser boa. Assim, o certo e o errado vem de Deus mas não são arbitrários por virem de Sua natureza.

Murray: Bom, parece que a matéria não pode justificar a ética e Ele pode, então podemos saber que Deus existe por ser a base da ética, mesmo.

Henrique: Exatamente. Então nossa situação é como um aluguel, Deus é proprietário de nós e de tudo mas nos deixa usar se cuidarmos bem. 

Murray: Acha que isso é melhor que ser seu senhor?

Henrique: Sim, pois além da autopropriedade ser sem base, é uma ética aterrorizante.

Murray: Como?

Henrique: Bom, na autopropriedade eu só tenho a obrigação de não violar o direito do outro, certo?

Murray: Isso mesmo.

Henrique: Então eu não preciso, por exemplo, alimentar meu filho, certo? De fato, me obrigar a alimentar ele seria errado.

Murray: É verdade. Você poderia não ajudar ninguém por não violar diretamente a propriedade alheia. Não poderia matar ninguém, mas poderia não ajudar quem precisasse.

Henrique: Além disso, se alguém racionalmente decidisse se matar ou coisa assim, eu não poderia impedir, por ser direito desse alguém destruir sua propriedade, certo?

Murray: Sim, seria assim mesmo.

Henrique: Outro problema é que eu só poderia tocar em alguém se essa pessoa deixasse, mas como então fazer uma cirurgia em alguém inconsciente que não sabia que ia precisar então não deu permissão? Ou caso eu visse uma idosa prestes a ser atropelada e a puxa-se, não seria isso outra coisa que ela não teria como consentir?

Murray: Talvez você pudesse se soubesse que ela ia deixar. A maioria das pessoas lhe daria a permissão nesse caso, só conhecer o ferido pra saber se ia deixar.

Henrique: Mas ai teríamos que aceitar coisas como um marido pegar a esposa inconsciente dizendo que ela "certamente deixaria", e isso seria bem estranho.

Murray: Seria mesmo, realmente daria problema...  

Henrique: Bom, acho que quase todo mundo ia concordar que devemos ajudar os outros mesmo sem o consenso deles ou nosso e só a propriedade divina explica isso, pois devemos garantir que o que é de Deus não "quebre". Nesse caso, a propriedade divina viola menos nosso senso ético que a autopropriedade. 

Murray: Entendo, olhando bem eu concordo. Nada de direito a suicídio e se vender a escravidão, então. A autopropriedade então é um jeito de dizer: "Deus é o dono de mim mas eu cuido"?

Henrique: Por ai. Não somos nossos donos, mas podemos dizer que sim pra fins práticos.

Murray: Então voltamos para o tema inicial: o Estado viola nossos direitos, então não deve existir.

Henrique: Bom, se conseguíssemos provas de que Deus deseja que exista o Estado, não seria assim.

Murray: Sim, mas isso exigiria algum tipo de revelação, e não é o tema no momento. Então podemos dizer que o Estado viola nossos direitos.

Henrique: Estava pensando na ideia, e acho que não seria assim, pois me parece que tem como sustentar um governo sem violar a autopropriedade e que sua ideia violaria nossos direitos.

Murray: O único direito que existe é o da autopropriedade, o resto é invenção estatal.

Henrique: Sim, o lance é que nem tudo é permitido pela autopropriedade, obviamente você não pode desrespeitar o direito dos outros, e eu diria que é isso que você está propondo.

Murray: Como? O Estado viola a propriedade privada a todo momento por usar a força pra ter acesso ao que é nosso.

Henrique: Quando falamos de trabalho, por exemplo, certamente é assim, mas e se existissem riquezas que não pudessem ser propriedade? Ai não íamos precisar pagar pelo direito de excluir os outros de usar essa riqueza?    

Murray: Se tivesse uma riqueza assim, realmente não se poderia ter uso exclusivo sem ter que compensar os outros, de forma que um Estado talvez pudesse ser sustentado assim, mas que tipo de coisa seria essa?

Henrique: Recursos naturais. Eu não vejo como podemos ser proprietários do que não foi criado pelo homem. 

Murray: E por que não? Quando eu colho uma maça, por exemplo, o meu trabalho, minha propriedade, se mistura com ela e com isso a fruta se torna minha propriedade. Qual a dificuldade?

Henrique: Bom, sim, mas isso te torna o dono da arvore?

Murray: Só esse ato não.

Henrique: Exatamente. Do mesmo jeito, você plantar te torna o dono da colheita mas não da terra, pescar te torna o dono do peixe mas não do mar.

Murray: Então o que não foi produzido pelo homem é de todo mundo? Mas ai então eu precisaria da permissão de todos para usar os recursos naturais e isso seria ridículo, como estávamos falamos.

Henrique: Não, os recursos naturais não são nossos e nem podem ser, já que nenhum homem os produziu. O lance é que claramente eles existem para serem usados, pois só podemos ter propriedade se trabalharmos em algo, o que significa que nosso direito de ter os frutos do nosso trabalho pressupõe o direito de trabalhar em algo. Esse "algo" é o mundo.

Murray: Não entendi direito. Então os recursos não são propriedade de ninguém mas um tipo de bem público que todos usam sem se apropriar?

Henrique: Por ai. O que é feito pelo homem é propriedade, mas o que não é feito por nós não é.  Pra te ajudar a entender com outro argumento: imagine que eu e você naufragamos em uma ilha deserta inabitada e você desmaia por algumas horas enquanto eu fico consciente.

Murray: Ok, embora eu prefira ficar consciente, hehe.

Henrique: Justo, haha.  Depois de um tempo você acorda e vê uma cerca em volta de você e eu fora dela assando uns peixes.

Murray: Isso seria estranho.

Henrique: Ao te ver acordado, eu explico que naufragamos e peguei uns peixes pra comer, mas quis defender minha propriedade então coloquei uma cerca em volta de você para que não pudesse roubar meus peixes.

Murray: Isso seria bem babaca.

Henrique: Exatamente. Como eu não te toquei, se pode dizer que respeitei seus direitos naturais, mas meu ato não te condenou a ficar preso numa pequena área, causando a sua morte se eu não ajudar?

Murray: Sim, nesse caso, você ia me impedir de poder acessar praticamente tudo que preciso pra viver, já que eu só ia poder sair se quebrasse sua cerca, desrespeitando sua propriedade.

Henrique: Então te impedir de usar os recursos da ilha não é uma agressão? Fiz algo que te ferrou todo.

Murray: Entendo. É uma agressão mesmo.

Henrique: Bom, se eu posso me tornar o dono dos recursos naturais eu poderia fazer algo como, sei lá, virar o "dono" de toda a água que a população um local é capaz de arranjar e cobrar um valor enorme pras pessoas poderem beber. Cada bem natural é limitado e seu uso é exigido para podermos fazer qualquer coisa, então o "proprietário" de um bem natural é essencialmente um agressor.

Murray: Entendi. Então eu sou o dono da minha casa mas não da área dela ou do que está embaixo? Como usar o bem então?

Henrique: Isso. O fato da separação entre o bem natural e a propriedade não ser fácil não te libera. Você não tem por si só o direito de ser o único a usar essa área, então excluir as pessoas dela exigiria algum tipo de compensação. 

Murray: Logo, o governo seria financiado assim? Um tipo de imposto sobre o uso exclusivo dos bens naturais?

Henrique: Você entendeu! Embora seja justo algo sobre poluição também, por danificar o que não é seu.  

Murray: Mas imaginando o imposto para um lote de terra, por exemplo, seria um preço igual por metro quadrado ou coisa assim?

Henrique: Um lote de terra num bairro bom não é mais caro que um num bairro ruim? Isso se manteria, já que a diferença entre os preços vem do trabalho envolta dos lotes que os torna mais valorizados.

Murray: Entendi. Realmente essa diferença de preço vem do que foi feito pelas comunidades envolta dos lotes e não por nada feito pelos proprietários deles.

Henrique: Isso. 

Murray: E esse governo seria mínimo ou o que?

Henrique: Ia dar pra fazer um tipo de renda minima pra todos, como sugeriu o  Thomas Paine, mas acho que um governo tradicional seria bem melhor.

Murray: Seria uma distorção do mercado menor mesmo.

Henrique: Sim.

Murray: Você demonstrou que algo como um Estado seria necessário para termos justiça se formos propriedade divina, mas que motivo temos pra acreditar nisso?

Henrique: Deixa eu adivinhar: você realmente não quer que o Estado exista, então vai negar que existe certo e errado para poder ignorar que a ética concorda comigo e ser um anarquista consequêncialista. Acertei?

Murray: Bom... isso não é importante. A minha motivação pra defender uma posição não torna ela certa ou errada.

Henrique: É verdade. O negócio é que todo mundo tem consciência de valores morais, já que todo mundo tem contato com eles no dia a dia, faz parte da nossa experiência como uma crença básica. Você não sente que algumas coisas são certas e outras erradas?

Murray: Claro. E que motivo temos pra acreditar nessa parte da nossa experiência?

Henrique: Já disse: faz parte da nossa experiência. Assim como temos a crença de ter mãos e  a de existir um mundo além de nós por nossa experiência, temos a crença de certo e errado por nossa experiência ética. É irracional desconfiar da própria mente assim. 

Murray: Então você acha que essa crença em valores é tão justificada quanto essas duas? 

 Henrique: Sim. Assim como as outras duas crenças, essa crença em valores surge naturalmente enquanto vivemos e só pode ser racionalmente abandonada se for demonstrado que não podemos confiar na nossa experiência nem um pouco. E qualquer argumento assim também derrubaria nossa confiança nas outras crenças que temos, inclusive as necessárias para o argumento do cético.

Murray: Mas como posso confiar nisso se existe discussão entre esse assunto? Como podemos discordar tanto sobre valores se todos os sentem?

Henrique: Olha praquele boneco ali. Nós estamos vendo ele com exatamente o mesmo tamanho e exatamente o mesmo formato?

Murray: Não tem como, já que você tá vendo de um lugar diferente do meu.

Henrique: Mas o boneco existe?

Murray: Claro.

Henrique: E as ciências formais, naturais etc não estão cheias de discussão e mesmo assim são confiáveis?


Murray: Exato.

Henrique: Então discordarmos sobre uma questão  não significa que o objeto da discussão não existe, certo?

Murray: Parece que sim.

Henrique: Pois é. Discordarmos sobre valores não quer dizer que eles não existem. Fatores como tendências biológicas, criação , cultura, estudo etc podem alterar nossa percepção ética, exigindo reflexão e debate quando discutir temas mais complicados.

Murray: Bom, se essas coisas podem alterar nossa percepção também podem as criar. Podemos então dizer que essa percepção de um certo e errado são basicamente criados por esses fatores que você citou. Por exemplo, muitos dizem que a ética veio da evolução por ser útil para as tribos se unirem.

Henrique: Como assim? 

Murray: Bom, se valores existem, Deus precisa existir. Se eles não existem, então só a evolução já poderia explicar nossa experiência. Não devemos adicionar itens nas explicações sem necessidade, então devemos escolher a segunda opção.

Henrique: E qual a diferença entre isso e simplesmente negar que valores existem?  Você só inventou uma historinha também.

Murray: A explicação mais simples é a de que os valores são criados através da evolução. Os seres humanos precisam se unir pra sobreviver, então os que naturalmente se uniram sem brigar se reproduziram.

Henrique: Mesmo que essa seja a origem de nós sabermos que a ética existe, não significa que a origem dela seja essa. Você confunde epistemologia com ontologia outra vez.p

Murray: Talvez. Mas é a explicação superior.

Henrique: Não é, já que ela assume que os valores não existem sem nenhum argumento e ainda coloca desconfiança quanto as nossas crenças, inclusive as que provam a evolução.

Murray: Não tem argumento mesmo.

Henrique: Então não tem motivo pra aceitar essa ideia. Sem nenhum argumento para nos obrigar a desconfiar das nossas crenças, devemos confiar delas. Você simplesmente fingir que deu o argumento e então inventar uma historinha pra "explicar" a crença não faz isso. 

Murray: Admito que você está certo, mas é que a vida sem Estado seria muito melhor.

Henrique: Estamos falando de ética. Esse tipo de assunto já envolve outras coisas. O lance é que a ética não nos dá nenhum motivo pra se acabar com o Estado.

Murray: Talvez. É uma discussão diferente então.

Iluminação

 Não quer luz quem dorme. Iluminado, ruim é o despertar. Grogue, não entende ao escutar, A luz não leva a enxergar, Os olhos ela só faz irri...