sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Renê

Jorge: Tá bem calor hoje, em?

Tomás: Tá muito quente mesmo. Tô suando direto.

Renê: Falando nisso, vocês podem me dar uma definição boa de temperatura? Tô pensando em começar amanhã a estudar praquele concurso e uns conceitos de física tão me dando trabalho pra lembrar.

Jorge: Comece mesmo, tu precisa estudar muito se esqueceu algo assim, hehe. Se não tô enganado, temperatura é definida como uma grandeza física que indica o grau de agitação nas moléculas de um corpo. Se elas se movem muito é quente e se elas se movem pouco é frio.

Renê: Tava lembrando de algo assim. Agora, não é estranho que esse quente e esse frio sejam totalmente diferentes do que significam normalmente? 

Tomás: É diferente mesmo. Dois definem propriedades objetivas das coisas e os outros dois definem sensações nossas.

Jorge: É estranho. É como se um fosse real e o outro não.

Tomás: De certa forma é isso mesmo. Quente quer dizer um corpo cheio de energia térmica mas também a capacidade desse corpo de nos dar certa sensação, como esse sol de agora.

Renê: Está me dizendo que o primeiro está mesmo nos objetos e o segundo não?

Tomás: Eu nunca tinha pensado nisso, mas acho que sim. Assim como cor ou som, "quente" não existe fora de nossas cabeças.

Renê: Então nossas mentes são imateriais? 

Tomás: Que? Claro que não. De onde veio essa ideia? 

Renê: Bom, os objetos nos parecem ter cor, calor, som, mas parece que essas coisas não estão neles. Se elas não estão na matéria, não estão no nosso cérebro, que é feito de matéria. Isso significa que a nossa mente não é igual ao nosso cérebro, já que essas coisas estão nela e não nele.

Tomás:  Sim, se você pudesse olhar um cérebro como ele realmente é certamente não veria algo como cor nele, mas isso não significa que nossas mentes não são parte do cérebro, só precisamos descobrir como a consciência e as sensações são formadas por ele.

Renê: Na verdade me parece sim que as nossas sensações não podem ser materiais. A matéria, como a física nos revela, é sem cor, sem som, sem cheiro, sem calor ou nada do tipo. Mas a mente não é assim. Pensando num exemplo aqui: Imagine que todos os seres vivos do universo morreram, só resta objetos.

Tomás: Dá pra imaginar sim. Continue.

Renê: Nesse caso, ainda existiria cor ou som, por exemplo?

Tomás: Não. Sem uma mente para ter sensações nada disso poderia existir.

Renê: Exatamente. Nesse caso, matéria existe mas cor e som não existem. Isso significa que ela não pode ser a explicação dessas sensações, já que se ela fosse elas existiriam junto com ela. 

Tomás:  Não vejo motivo pra pensar isso. Não devemos apelar pra esse tipo de ideia só por não saber como a mente funciona.

Renê: É que me parece algo conceitual. Matéria não tem cor ou som ou temperatura e a mente sim.  Só de saber o que cada uma delas é  já dá pra ver que uma não pode explicar a outra.

Tomás: Então o que seria a mente se ela não é feita de matéria?

Renê: Bom, além das sensações a mente é definida principalmente pelo pensamento. Podemos dizer que a mente é basicamente sensação, vontade e pensamento, uma coisa pensante.

Tomás:  Se é o caso, como um golpe bem dado na cabeça ou uma noite mal dormida podem afetar a mente? Se ela  é imaterial, não devia depender tanto da matéria.

Renê: Ela é afetada indiretamente. É meio claro que a mente precisa dos dados dos sentidos e da memória pra funcionar. Agora, sensações e pensamentos especificamente não podem ser matéria, embora precisem dela.  

Tomás: Por qual motivo o pensamento também é imaterial pra você?

Renê: O pensamento interage com as sensações imateriais.  Além disso, ele é muito definido para ser matéria. Pense por exemplo, sei lá, num sujeito olhando pruma janela, olhando prum tijolo no chão e então a jogando nela, a arrebentando.

Tomás:  Exemplo estranho, mas dá pra imaginar. 

Renê: Bom, onde essa cena começa? Onde termina?

Tomás: Começa no homem olhando para a janela, ué. Termina com a janela quebrada.

 Renê: E por qual motivo começa e termina nesses pontos e não em outros? A matéria obedece apenas as leis da física sem nenhuma ordem ou objetivo que não estejam na mente de alguém, logo não tem um motivo exato para a sequência começar com ele olhando a janela e não com ele pegando o tijolo, por exemplo.

Jorge: Na verdade, nem é só a cena toda que fica problemática.  Quando o homem vai olhar para a janela a luz que refletiu nela vai de encontro aos olhos dele e o cérebro dele processa as informações, dai ele percebe que aquilo é uma janela, mas todos esses acontecimentos só formam uma sequência exata pra mim. Como a matéria não separa as coisas em "esse evento" e "outro evento" qualquer ordem que vemos é arbitrária, relativa a um observador.

Tomás: Me parece ser assim mesmo, qual o problema?  De novo, não é por não entendermos como tudo funciona que devemos recorrer a isso. Outra coisa: Como a matéria e o corpo interagem?

Renê: Você acha que tem alguma dificuldade na interação entre eles?

Tomás: Lógico. Se a matéria afeta a mente com sensações e a mente afeta a matéria com vontade e pensamentos, como uma pode ser totalmente material e a outra totalmente imaterial? Se a mente não tem matéria, não vejo como ela pode gerar força para mover algo físico.

Renê: Ora, a maioria das pessoas não sabe como ondas de rádio podem interagir com maquinas, mas eu nunca vi alguém dizer que por isso as maquinas não existem.

Tomás: Matéria e ondas estão bem mais próximas do que parece.  Quando você voltar a ler sobre o assunto vai entender...

Jorge:  Entendi o que tu quer dizer, Tomás! A matéria e a energia estão tão distantes em natureza pro Renê que elas não tem como agir. Elas não podem ser tão diferentes, pois ai não faz sentido uma interagir com a outra. Ia ser como você estar assistindo TV e tentar alterar o que acontece no programa.

Tomás:  Isso! Se existisse algo tão distante da matéria, não ia poder alterar nada material, seria totalmente intangível.

Renê:  Então como a mente parece tão distante da matéria em natureza? Seja lá o que a mente for, ela não pode ser material.

Jorge: Como mente e matéria não podem ser diferentes, elas tem que ser a mesma coisa. Mas não pode ser matéria...

Tomás: E que outra opção temos? É isso ou nada.

Jorge: Talvez matéria seja mente.

Tomás:  Que? 

Jorge: Pense na sua ideia das cores estarem só na mente. Você consegue imaginar uma coisa sem nenhuma cor? Sem ser transparente?

Tomás: Sem ser transparente não dá. É isso ou outra cor.

Jorge: Isso. você não pode ver formato sem cor. Isso sugere que  essas características tão mais próximas do que parece.  Essa sua coisa que tem formato nas não tem cor é estranha.

Tomás: Não sei como isso torna sua ideia mais fácil de entender.

Jorge: Vocês acham possível que na verdade não tem mentes?

Renê: Penso, logo existo.

Tomás: Mesmo toda experiência cientifica depende de alguém para a realizar e a interpretar. Minha mente é a unica coisa realmente induvidável.

Jorge:  Exatamente! Se mente e matéria não podem ser totalmente diferentes, pois ai não iam interagir, mas a mente é induvidável então obviamente só mente existe. Se parar pra pensar, não temos prova de que a matéria existe.

Renê: Na verdade eu diria que temos bastante. Tô vendo minha mão aqui sem problema nenhum.

Jorge: Mas você não as vê de verdade. Você só tá vendo sensações mesmo e não uma mão que existe sem você a perceber.  Isso elimina o problema das cores ou sensações. Esse mundo sem cores, som ou cheiros não existe, o mundo é como vemos.

Tomás: Então as coisas só existem quando alguém olha pra elas? Essa hora não tem ninguém na minha casa, então será que o meu quarto sumiu?

Renê: E como é que você diferencia estar sonhando e estar acordado então? Os dois não seriam só sensações?

Jorge: Sim, os objetos que vemos são só sensações então. Mas as coisas que não vemos não desaparecem, já que elas são sempre percebidas por alguém que pode observar todas as coisas ao mesmo tempo e pode nos dar dados a todo momento perfeitamente: O Senhor.

Renê: Então Deus estaria enviando sensações para nós?  Nos fazendo pensar que tem um mundo a nossa volta? Que coisa bizarra em...

Jorge: Até que tem um mundo, ele só não é o que pensávamos ser antes. Isso responde sua pergunta dos sonhos até. Deus nos dá as informações e quando alguém não as capta direito ou vê algo diferente delas que chamamos de alucinações e sonhos.

Renê: Como exatamente Deus nos deixaria então pensar que a matéria existe? Ele é bom por definição e você tá  dizendo que Ele é mentiroso!

Jorge: Uma falha nossa. Assim como Ele permite que alguns pensem que podem matar outros. Ele não nos trata como fantoches mas nos deixa aprender.

Tomás: Então sua ideia é tipo aquelas da Índia? Você acha que só existe Deus e nós somos um tipo de sonho divino?

Jorge: Não é bem assim. Claro que nós todos existimos individualmente de maneira diferente de Deus. Embora próximos graças as sensações que ele manda pra nós. Se tudo é Deus, ele estaria beeem confuso.

Renê: Isso. Nós sabemos que somos diferentes do mundo em si. Deus jamais poderia estar errado assim. Claro que Ele também não nos deixaria acreditar em matéria que não existe...

Tomás: Vai que é algum tipo de aprendizado, hehe.

Jorge: Isso não pode ser possível. Ele já sabe de tudo.

Tomás: E como você sabe disso? Fazer mentes verem um mundo irreal não está muito além do que nossa tecnologia permite. Não acho que vamos ver uma maquina assim, mas deve ser possível.

Jorge: Ele faz mais do que isso. Dois mais dois dão quatro sempre?

Tomás: Necessariamemte sim, o resultado tá implícito  nos nomes. É mais uma questão de definição. Pra que a pergunta?

Jorge: Eu preciso dela pro argumento. Então você acha que números são só definições? 

Tomás: Claro. Você não vê um dois ou um sete andando por ai. Números e outras definições são criações nossas para entender o mundo.

 Jorge: Então está me dizendo que o motivo de eu, por exemplo, usar a palavra aranha para falar de dois bichos é só por eles se parecerem? Não existe algo como a universal aranha?  

Tomás: Sim. Não existe nada além de animais semelhantes que você classifica como iguais.

Renê: E qual a semelhança entre eles? Será que não seria...

Jorge: Eles dois serem aranhas! Sua ideia deles serem diferentes precisa que eles sejam iguais em algo, então o universal está salvo.

Tomás: Bom, não saberia como responder essa agora. Diga o argumento ai. Dois mais dois dá quatro. Que que isso nos diz?

Jorge: Bom. Isso sempre acontece, certo? Essa verdade não é eterna? Não seria verdade mesmo que não existisse nem três coisas no mundo?

Tomás: Podemos dizer que sim, pro argumento rolar. Então existem verdades que são eternas. Continue.

Jorge: Bom, um filosofo grego percebeu isso e pensou que isso significava que as verdades existiam sozinhas, eternas, imutáveis, perfeitas. 

Tomás: Uma ideia bem idiota. Uma verdade, se isso existe, como "Um gato tem quatro patas" ou  "Se o governo gastar mais, vai aumentar a divida pública"  só faz sentido para uma mente. Não é o tipo de coisa que existe por si só. 

Jorge:  Exatamente o que eu ia falar. Se as verdades precisam de uma mente para existirem e essas verdades são eternas então precisamos de uma mente eterna.

Tomás:  Nenhuma mente que eu vi até hoje é eterna, todas tiveram um começo e tem ou terão fim.  Se essa mente existe, não é humana.

Renê: Não poderia ser, já que a mente humana, mesmo provavelmente indestrutível pois é imaterial, falha direto. Se fosse uma mente como a nossa, então ela ia perder as verdades toda hora. Dois mais dois não iam dar quatro direto, haha.

Jorge: Isso, hahaha. Teria que ser uma mente então que é eterna, infalível, necessária, sabe de tudo e não depende do mundo material para existir. Como chamaríamos essa mente?

Renê: Parece bastante  com alguns conceitos de Deus. É perfeito pra sua ideia.

Jorge: Exatamente! Deus sabe todas as verdades, então ele não pode se enganar.

Tomás: Isso significa que Ele não poderia pensar que é seres diferentes, tornando impossível nós sermos parte Dele. É louco como o resto, mas faz sentido nas suas ideias. Ia perguntar sobre o livre arbítrio, mas essa ideia lhe ajuda.

Renê: Livre arbítrio é? Você também acredita que somos livres?

Tomás: Na verdad...   Não. É que se você vai pensar numa ideia assim, é melhor já ter todas essas ideias estranhas mas que todo mundo gosta de acreditar.

Renê: Bom, ainda falta um problema. Se o mundo não passa de sensações, como é tão complexo? Se você for estudar o mundo quântico por exemplo,  o que vemos revela uma estrutura por trás bem maior que sensações.

Jorge: E como a matéria explicaria isso melhor? Também é complexo mesmo que tu considere essa estrutura como algo real.

Renê: Pior que é interessante. Eu estava olhando e esses fenômenos tem inúmeras explicações diferentes mas cientificamente falando não dá pra saber qual é a certa, parece.

Tomás: Isso é verdade. A ciência não parece ser capaz de dizer muito sobre a natureza real das coisas. Basta ver o quanto discutimos até aqui sobre o que são sensações e o que as causa aceitando a mesma ciência.

Jorge:  Você diria que conhecimento cientifico é diferente do das sensações? Esses conhecimentos não nos disseram muito sobre elas.

Tomás: Como assim diferente? 

Jorge: Tipo, se um homem nasce cego e vira cientista. Ele aprende tudo sobre azul cientificamente mas nunca vê azul. Se um dia ele deixar de ser cego e olhar pro azul ele aprende algo novo?

Tomás: Acho que sim. Ele aprenderia como o azul parece para um humano.

Renê: Então você está se contradizendo! Se o homem sabia tudo sobre a matéria que envolve azul mas não conhecia azul então as sensações não são matéria!

Jorge: Isso mesmo! Você acaba de admitir que estava errado, cara.

Tomás: Bom, com o conhecimento de hoje, ele não saberia tudo. No futuro nem se sabe.

Renê: Mas existe uma diferença bem real entre conhecimento científico e entre o que está por trás das sensações.

Tomás: E qual seria essa diferença tão clara?

Renê: O edital do concurso só pede um, hahaha.

Tomás: Hehe. Justo.






Iluminação

 Não quer luz quem dorme. Iluminado, ruim é o despertar. Grogue, não entende ao escutar, A luz não leva a enxergar, Os olhos ela só faz irri...