terça-feira, 8 de março de 2022

Jonas

 Jonas: Direita e esquerda, nomes sem materialidade alguma. Alguém ainda liga pra essa briga?

Michel: Ligar muitos ligam, são palavras bem úteis nas discussões políticas. 

Roberto: É claro que aqui no Brasil as opções não são boas, mas é sim um debate importante. Poder ter tanto uma direita quanto uma esquerda de qualidade é um bom jeito de garantir que essa democracia funcione.

Murray: Ter uma direita já seria um bom começo! Aqui nesse país só tem um monte de estadistas disfarçados!

Bernie: É claro que tem direita aqui! Não vê o monte de velhos esquisitos que só querem saber dos interesses dos evangélicos e dos ricos?

Murray: Isso não é direita jamais! Esses conservas não passam de esquerdista enrustidos! A direita de verdade não quer saber de usar o Estado pra nada. É a esquerda que quer Estado socialista e com isso a destruição de toda liberdade e oposição!

Bernie: Olha, você devia olhar menos pra o que os outros aparentemente querem e ver o que JÁ acontece: o capitalismo selvagem mata milhões todo ano e empobrece ainda mais gente...

Murray: De jeito nenhum! Capitalismo é liberdade, é totalmente diferente dos esquerdistas que geraram tanto o nazismo quan...

Bernie: O que? Desde quando o nazismo é uma ideologia de esquerda? 

Murray: Claro que é! Até se chamavam de partido socialista!

Bernie: E a Coreia do Norte é uma república democrática...

Roberto: Olha, eu concordo que o nazismo é uma ideologia de esquerda mas também não achei esse argumento bom.  

Jonas: Se bem que é um debate idiota mesmo, o argumento é o que essa conversa merece.

Roberto: Por que é um debate idiota?

Jonas: Tanto direita quanto esquerda não significam nada, não tem como saber qual dos grupos tem o nazismo se nem sabemos o que cada um é. 

Roberto: É verdade até. O que fazer então?

Bernie: O jeito deve ser descobrir primeiro o que é esquerda e o que é direita pra depois ver o que é nazismo.  

Murray: Realmente.

Jonas: Boa sorte com isso.

Roberto: Com certeza! Vamos então definir esses dois termos.   

Michel: Não acredito que qualquer termo tenha uma essência fora do seus usos em diferentes épocas, mas deve ser divertido. Nós temos então que olhar para os usos históricos dos termos e então irm...

Murray: Esquerda é quando tem Estado e direita é quando tem capitalismo!

Roberto: Faz sentido, realmente a esquerda é focada em ter o Estado fazendo tudo. 

Michel: Ou nós podemos começar com essas definições idiotas e ai depois discutir história...

Jonas: Como assim direita é capitalismo e esquerda é Estado? Isso falha em qualquer nível!

Murray: Direita é libertários e perto dela fica liberais e alguns conservadores mais espertos enquanto esquerda é comunismo, trabalhismo e vagabundos de Iphone que querem tudo de graça. Obviamente o que separa os dois lados é um foco em ter mais ou menos Estado

Jonas: Bom, eu sou anarquista e de esquerda igual, tipo, praticamente todo anarquista antes dos ancaps colocarem as fotos de anime. Como eu posso defender mais intervenção estatal que um liberal se ele defende que o Estado exista e eu não? Pelo seu critério, boa parte da esquerda histórica seria de direita. 

Murray: Mas essa esquerda supostamente anarquista não é anarquista de verdade não. Como é que pode não ter trocas voluntárias ou como é que todos podem entregar suas propriedades privadas pro coletivo sem um poder coercitivo que obrigue todos a serem comunistas?

Jonas: Pra começar, nem todo anarquista de esquerda é comunista. Você tem alguns distributistas, os mutualistas e os belos anarcoindividualistas, grupos decentes que aceitam trocas voluntárias e propriedades pessoais. Pode parecer chocante pra você, mas geralmente nós sabemos que o capitalismo depende e muito do poder estatal pra gerar esses grandes capitalistas donos de tudo, de forma que livre mercado de verdade só é possível precisamente sem o Estado. 

Bernie: E mesmo os anarcocomunistas acreditam em algo parecido: que o Estado apenas defende os poderosos. Acho algo exagerado mas não faz sentido os chamar de estadistas.   

Roberto: Olhando bem, é verdade. Mesmo que seja, e é, verdade que os comunistas precisariam de um Estado para implantar o comunismo, não segue dai que eles são estadistas. Da mesma forma que o fato dos conservadores precisarem de coerção nível totalitarismo para a sociedade ser como eles querem não quer dizer que temos que classificar o conservadorismo como ideologia totalitária, o fato dos anarcocomunistas precisarem do Estado para terem o que querem não os coloca como fãs do Estado. As consequências de um ponto de vista e o que seus defensores pensam não precisa ser o mesmo. 

Murray: Bom, faz sentido. Mas os anarquistas de esquerda ainda são burros!  

Jonas: Claro, claro...

Roberto: Alguém tem outra definição?

Bernie: Que tal: esquerda é quem ajuda os pobres e direita quem ajuda os ricos? 

Roberto: Eu não vejo as políticas de esquerda ajudando os pobres em nada...

Bernie: Então você enxerga mal.

Roberto: Ou o que realmente ajuda os pobres e o que ajuda os ricos não são coisas indiscutíveis, cada lado se enxerga como quem efetivamente ajuda os pobres. 

Michel: É verdade. Apesar de não ser incomum esquerdistas se definirem como inimigos dos poderosos, mesmo os mais brutais regimes direitistas se vendem como aqueles que ajudam os mais pobres. Definir um lado como aquele que ajuda pobres não vai gerar uma definição útil, só debates. 

Jonas: Com certeza, precisamos de outra definição então. 

Bernie: Que tal então dizer que a esquerda é quem busca ajudar os pobres e a direita quem não tem esse foco?

Roberto: Não parece muito melhor, há esquerdistas que só buscam se ajudar e há direitistas que vivem pelos pobres.

Jonas: Tem razão. Essa definição parece atingir algo importante mas não serve. Definir as posições com base na psicologia das pessoas não é muito útil, cada um tem um objetivo. 

Roberto: Você mesmo não liga muito para os pobres, não é?

Jonas: Nem um pouco, mas minhas ideias sendo postas em prática é o que eles precisam.

Michel: Temos que ver outra definição então.

Roberto: Que tal dizer que a direita é defensora do capitalismo e a esquerda do comunismo?

Michel: A Guerra Fria não acabou?

Roberto: A verdade não é atemporal?

Michel: Eu não diria sim, mas o foco é outro. 

Jonas: Nem na Guerra Fria essa definição funciona. Por capitalismo se entendia o capitalismo liber...

Murray: Puro corporativismo! Capitalismo não é nada mais e nada menos do que trocas voluntárias.      

Jonas: Então sou capitalista?

Murray: Não é você que defende que a propriedade privada pode ser violada? 

Jonas: O que não existe não pode ser violado. 

Murray: Então aquele seu salão, o Max Estilo, pode ser tirado de você sem ninguém ter feito algo errado?

Jonas: É. De qualquer forma, defendo que na verdadeira anarquia a economia seria geralmente regida por trocas voluntárias feitas por donos dos próprios meios de produção que agem em benefício próprio mas não sou capitalista, então sua definição de capitalismo falha.

 Roberto: Eu pensei na definição da Guerra Fria mesmo. Capitalismo é o liberal e comunismo o marxista. 

Bernie: Bom, eu defendo um capitalismo regulado, a social-democracia, mas não sou de direita, onde fico?

Roberto: A social-democracia não surgiu como forma de alcançar o comunismo?

Michel: Termos mudam de significado direto.

Roberto: Talvez, mas é importante lembrar que isso surgiu do comunismo.  

Bernie: Bom, eu não quero comunismo e acho que ninguém que, por exemplo, gosta dos países nórdicos, defende que devamos buscar o negócio, talvez por engano. 

Jonas: Exato. Além dessa definição não botar no lugar certo boa parte da esquerda ela não se dá bem com anarquistas não-comunistas, os que prestam.  

Murray: Isso ai é a pura verdade.

Jonas: A definição estar errada ou os anarcocomunistas não prestarem?

Murray: Sim. 

Michel: Enfim, alguém ainda tem alguma definição pra tentar ou podemos falar de história? 

Murray: A direita é individualista e a esquerda é coletivista. Pronto, resolvi tudo.

Michel: Como assim?

Murray: A direita busca defender o individuo, quer uma sociedade onde se tem liberdade. Já a esquerda quer defender grupos onde o individuo é só um pedacinho do coletivo e tem que agir como manda o grupo.  

Jonas: Anarcoindividualistas e mutualistas também focam no indivíduo como livre e autônomo e são de esquerda enquanto conservadores e reacionários focam no indivíduo como parte de grupos com padrões rígidos e são de direita. Ou seja: não.

Bernie: É verdade, tem isso. 

Roberto: Concordo. Apesar de boa parte da esquerda ser coletivista não é só a direita que tem libertários.

Jonas: Tanto é que os primeiros libertários eram de esquerda. O libertarianismo de direita surgiu bem depois do nome.

Murray: Mas como você pode defender o indivíduo e ai querer ditar o que ele pode comprar ou onde ele pode trabalhar?

Jonas: Não pode. Que pena que entre nós anarquistas de esquerda não há gente decente e defensora do livre mercado...

Murray: E não há mesmo, já que a propriedade privada precisa ser inviolável.

Jonas: Isso faria bem menos diferença na vida real do que parece. Boa sorte pra tomar a casa de alguém numa vizinhança onde todos se conhecem, não há leis desarmamentistas e o dono apenas viajou por uns duas semanas... 

Murray: É, isso parece algo que um utilitarista aprovaria. É antiético mas acho que serve se formos ignorar ética.

Jonas: Excelente. Ignorar "ética" sempre é uma boa. 

Roberto: Concordamos então que há esquerda individualista e direita coletivista?

Murray: Sim. O conservador nem pra me ajudar...

Bernie: Precisamos de outra definição então.

Jonas: Que tal dizer que a direita quer manter as coisas como são e a esquerda quer mudança do status quo? A direita geralmente é bem mais conservadora.

Michel: A esquerda realmente costuma buscar mais a mudança da sociedade do que a direita. Os liberais inclusive eram vistos como a esquerda durante a Revolução Francesa. Não acho que essa definição abranja todas as épocas mas entendo a ideia.

Jonas: Por que não abrange todas as épocas?

Michel: Ela não parece representar bem situações como a da China após começar a abraçar o capitalismo. Nessa época, os maoistas seriam vistos como direita por tentar conservar o socialismo no país.

Roberto: É verdade, essa definição é contingente demais. O que definiria uma ideologia como esquerda ou direita no seu caso seria sua situação política num determinado lugar, o que destruiria a classificação das ideologias em ideologias de direita ou de esquerda pelas ideologias as vezes serem novidade e as vezes serem o status quo em diferentes países. As vezes uma ideologia seria de esquerda e as vezes de direita, não funciona.

Jonas: É verdade, entendi o problema. Sobrou alguma outra definição?

Bernie: Que tal dizer que a direita seria quem tem pontos de vista conservadores na área social e a esquerda quem é liberal nessas coisas? Mesmo os nossos liberais nem sempre apoiam pautas progressistas como aborto, casamento gay, transgêneros etc.

Roberto: Então todo mundo antigamente era de direita?

Bernie: Não, se não nem hoje haveria esquerda pelas pautas do futuro provavelmente serem diferentes das nossas. Mas os esquerdistas de antigamente geralmente defendiam pautas progressistas de suas épocas como anticoncepcionais, amor livre etc.

Murray: Mas o que é defender pautas progressistas? Pra mim isso tudo é bobagem e não ia querer na minha propriedade privada, mas não botaria os ladrões estatais para impedir as pessoas de fazerem o que querem com seus corpos igual defendem os estadistas conservadores. Além de não impedir tem que gostar?

Bernie: Me parece que você ainda tem a mentalidade conservadora no sentido de não gostar de mudanças sociais, então acho que te classificaria como direita sim. Claro que não botar leis contra o progresso é diferente do que fazem os conservas, mas você usaria boicotes e outras coisas assim se defensores dessas coisas aparecessem no seu pedaço do Ancapistão, então não dá pra considerar um apoio.

Roberto: Ou pode ser uma forma de centrismo: a direita ataca, a esquerda defende e o centrista só quer ficar na sua em paz. Agressão, apoio e apatia, são essas as respectivas atitudes dos lados. 

Bernie: Bom, pode ser. 

Murray: Também acho aceitável, não me vejo tomando lado algum nessas brigas ridículas. De que vale ter essas coisas ou não se somos roubados a todo instante?

Bernie: Enfim... Bom que resolvemos essa dificuldade pra definição. Que bom que concordamos nisso.

Michel: Mas a definição em si não funciona tão bem assim. Historicamente falando não há uma ligação necessária entre ser de direita e ser conservador ou ser de esquerda e ser progressista. Veja por exemplo alguns libertários que são economicamente de direita mas defendem abertamente essas práticas, embora não sejam os mais populares. Há também esquerdistas stalinistas, religiosos e positivistas que, por razões diferentes, concordam com a esquerda em inúmeras pautas mas rejeitam visões progressistas de comportamento. É claro que desde pelo menos os anos 60 e a contra-cultura americana há essa ligação entre progressismo e a esquerda, mas não é algo que todo esquerdista que já viveu concordaria.

Jonas: É um bom ponto. Claro que bobagens como papeis de gênero, tradição etc não combinam com muitas ideologias políticas de direita, mas muitos esquerdistas defendem essas coisas e os liberteens em massa fariam o mesmo caso fossem capazes de racio...

Murray: E não somos?

Jonas: Fica pra outro dia, mas não. Enfim, não dá para resumir a discussão direita-esquerda em o que se pode fazer entre quatro paredes, precisamos de outra definição.

Michel: Ou nenhuma funciona por conceitos não serem imutáveis...

Jonas: Uma opção também. 

Murray: Que tal dizer que a esquerda acredita que as pessoas são naturalmente boas e que a direita acredita que são naturalmente ruins? Os esquerdistas costumam defender que dá pra criar paraísos terrenos e a direita diz que a vida sempre será mais ou menos como é hoje.

Jonas: Nada a ver. Eu mesmo não acho que o homem é "bom" mas sim que justamente por ser egoísta que dá pra vida melhorar. Se o homem esquecer dessas bobagens de honra ou obediência veremos algo melhor acontecendo.    

Roberto: Acha que algo como o livre-mercado seria o mecanismo pra o egoísmo gerar coisas boas pra todos?

Jonas: Por ai. 

Murray: Acredita em egoísmo e em livre-mercado mas é de esquerda? Como pode?

Roberto: É uma dúvida boa, mas deixa pra outra hora.

Murray: Certo, é o tipo de coisa que merece ser aguardada mesmo. 

Jonas: Nem precisa aguardar pois eu respondo a pergunta: é só não ser burro. Mas enfim, não acho que achamos o critério certo. Não há liberais como Kant que defendiam que o homem é meio perverso por natureza mas que a vida poderia ser bem melhor do que é hoje se fizessem as mudanças certas? E também há na esquerda alguns cristãos que defendem o tal pecado original e positivistas que defendem que a civilização é totalmente anti-natural, como se isso significasse algo, mas que mesmo assim nos ajuda. Há várias posições que não encaixam certinho nessa divisão otimista/pessimista.   

Roberto: É verdade. Apesar de ser uma opinião mais comum entre a direita, alguns da esquerda também defendem que o homem é ruim por natureza ou indiferente. Mesmo o Aristóteles, que com certeza não era de esquerda, defendia que o ser humano nasce bem plástico e que sua criação e os hábitos adquiridos mudam tudo.

Michel: Se bem que depois ele me vem com a ideia de que alguns nascem pra escravidão...

Roberto: Aristóteles também errava. Mas enfim, acho que tem alguma ligação entre otimismo quanto as pessoas e a esquerda mas que não tá ai a chave para diferenciar as posições. 

Bernie: Olhando bem realmente dá pra ser pessimista e de esquerda, acho que olhei demais pro pessoal de hoje.

 Roberto: Acontece, as brigas de hoje chamam muita atenção e as vezes nem lembramos que tem mais posições.

Bernie: Verdade. Então precisamos de outra possível definição, alguém tem outra ideia?

Roberto: Não tenho nenhuma.

Jonas: Nem eu.

Murray: Eu também não.

Michel: Então que tal FINALMENTE fazermos uma análise histórica? 

Roberto: Sempre foi tua vontade, né?

Michel: Não posso negar. Discutir definições é perda de tempo pois conceitos mudam, o que há é olhar a genealogia do que queremos conhecer. 

Roberto: Então tudo bem. Começamos na Revolução Francesa?   

Michel: Começamos na Revolução Francesa. 

Roberto: Certo.

Michel: Vamos lá: perto do fim do século XVIII, a França estava em crise financeira e uma assembleia que deveria representar as três classes do país, clero, nobreza e povo, se reuniu pra discutir o que fazer. Os representantes do povo reclamaram que as coisas estavam sendo organizadas de forma injusta e ai saíram pra fazer sua própria assembleia, a Assembleia Nacional. Os representantes do clero e da nobreza os seguiram e, para evitar briga, aqueles que eram contra o Ancien Régime se sentavam do lado esquerdo e os que eram a favor se sentavam do lado direito. O que cada lado acreditava?

  Roberto: O pessoal da direita da época geralmente defendia a continuação da monarquia, dos privilégios da nobreza, da união entre o Estado e a religião e a vida pautada pela autoridade e ordem. Já a esquerda da época geralmente defendia o fim da monarquia em favor da democracia ou algo mais próximo, a igualdade entre todo cidadão, um Estado mais laico e a vida pautada pela igualdade, liberdade e fraternidade. Tentando resumir como num trabalho de escola seria assim.

Bernie: Que horror essa direita ai! E eu achando que era ruim hoje...

Jonas: É que a direita da época era defensora de uma ordem pré-liberal, antes da nossa religião civil atual. Você só vê esse pensamento em reacionários, enquanto a esquerda dessa época venceu e seu liberalismo é nossa base indiscutível. 

Bernie: É verdade. Ainda bem! Hoje temos liberdade.

Murray: Se bem que os ladrões do Estado legislavam bem menos naquela época... 

Michel: Enfim... vou continuar até a próxima mudança. A assembleia acabou e foi substituída pela Assembleia Legislativa, com novos membros. Agora, os defensores do rei já não tinham lugar, com a direita sendo burgueses que queriam uma monarquia constitucional e a esquerda sendo aqueles que achavam que a revolução devia ir mais longe e implantar uma democracia. O arranjo continuou depois que essa assembleia decretou a suspensão do rei e a criação de um parlamento, a Convenção Nacional pra criar uma nova constituição. Tudo continuou assim até a abolição da direita após a prisão dos girondinos. Até aqui já tem toda uma mudança, não?

Jonas: É, a divisão parece ser entre o que seria a esquerda e o centro de antes. A direita antiga some e tem o lugar tomado por alguns de seus opositores mais moderados.

Michel: Então um grupo que era de certa categoria acabou em outra por algumas mudanças contingentes?

Jonas: Sim, obvio. 

Roberto: O que não prova que não há uma classificação que abarque todos os tipos.

Michel: Veremos. Enfim, com as coisas acontecendo durante a revolução essa classificação ficou meio que morta até voltar junto com grupos políticos e a monarquia com a Restauração Bourbon, depois da primeira queda do Napoleão. Se volta a decidir os nomes pelo lugar que se senta. Nessa época, a extrema-direita surge pedindo a volta da monarquia absolutista, a nobreza, Estado católico etc. A direita comum era basicamente liberal e queria uma monarquia constitucional junta com um parlamento que só podia ser composto pela elite. A esquerda liberal tinha alguns republicanos e queria tornar o parlamento acessível ao menos pra classe média. Por fim, a extrema-esquerda surge com democratas defensores de trabalhadores e também com socialistas utópicos. já teve novas mudanças, não?

Roberto: Sim, você tem versões extremas das ideologias e uma delas é o que era a direita comum no inicio.

Michel: Vai tudo mudando com o tempo. Após essa época, a divisão esquerda e direita acabou continuando a se referir ao lugar que as pessoas se sentavam nos parlamentos, ao menos na França. Tudo muda mais no século XX, mais ou menos na guerra civil da Espanha, quando se começa a usar a divisão para falar de ideologias especificamente e não de lugares onde as pessoas sentavam. Por exemplo, conservadores e liberais eram de direita e comunistas e anarquistas eram de esquerda. Surge com o fascismo então as ideologias chamadas terceira posição, que se definiam como contrárias a tanto o capitalismo liberal quanto o socialismo russo e que portanto não queriam ser parte nem da esquerda e nem da direita. Aqui já tá mais próximo da nossa era, não?

Roberto: Verdade. Aqui já nem se fala em monarquia, o capitalismo liberal é ou tudo ou algo a ser superado, a religião no máximo é útil ao Estado, ideias como o anarquismo são irrelevantes e há uma tentativa de transcender toda essa divisão.

Michel: Exato. Tudo continuou até a queda da União Soviética, onde a esquerda comunista deixou de ser a mais importante e o capitalismo foi considerado vencedor. Aqui no Brasil, parece que se pode dividir tudo em: extrema-esquerda: o resto dos comunistas, nova esquerda: que tolera um capitalismo bem regulado e assistencialista e é mais identitária, centro-esquerda: que é mais trabalhista e parece ser mais tímida na parte social, centro: que não parece ter altos ideais além de continuar existindo, centro-direita: mais próxima do liberalismo, nova direita: fusão entre o neoliberalismo e o conservadorismo evangélico, e extrema-direita: que são basicamente fascistas. Claro que o impacto das posições extremas é basicamente nenhum, mas tudo bem.

Roberto: Parece ser um bom retrato da situação. Devemos ter passado por cima de algumas coisas nessa análise mas até que fomos bem. 

Michel: De fato, o importante é perceber que não há dois momentos que os termos tem exatamente o mesmo significado, simplesmente se tem inúmeras direitas, inúmeras esquerdas e é isso. 

Jonas: Não diria melhor. Ideias fixas como a desses grupinhos a qual devemos lealdade acabam sempre sendo, bem, ideias.   

Bernie: Não sei, me parece que as ideologias de direita tem sim uma certa essência meio maligna nelas que talvez tivesse como reparar.

Murray: E a esquerda tem uma essência ridícula e contrária a liberdade!

Roberto: Enfim... não acho que vocês estão certos. Acho que há sim uma forma de definir esquerda e direita que abrange todas essas encarnações diferentes, estava pensando nisso enquanto falávamos da França.

Michel: E qual seria?

Roberto: Simples, a esquerda acredita que as desigualdades são em geral artificiais ou indesejáveis e a direita que são em geral inevitáveis ou desejáveis. Estranho que ninguém aqui pensou nisso antes. 

Michel: Como essa definição funciona em todos os casos?

Roberto: É simples: há o espectro direita-esquerda onde se podem agrupar todos as ideologias possíveis em uma categoria num grau específico dela. Por exemplo, há a categoria extrema-direita que engloba o fascismo por essa ser uma ideologia obcecada com desigualdades entre homem e mulher, homens fortes e fracos, sociedades "saudáveis" e "degeneradas" etc. Quanto mais uma ideologia é contra a desigualdade mais próxima está da esquerda e quanto mais é a favor dela mais próxima está da direita.

Jonas: Usando a classificação de ideologias brasileiras algo como o liberalismo clássico seria centro-direita e o trabalhismo seria centro-esquerda, certo. O que seria então uma ideologia de centro?

Roberto: Acho que algo como a social-democracia nórdica, talvez. Há capitalismo pouco regulado mas também assistencialismo, altos impostos e vários serviços públicos. É mais tolerante com desigualdade econômica e capitalismo livre que alguns como nossos trabalhistas mas tem um Estado muito inchado para os liberais. Algumas formas não-neoliberais de conservadorismo como a democracia cristã devem entrar também. 

 Jonas: Interessante. Como isso se aplica a tendência da direita de ser mais conservadora?  

Roberto: Mentalidades mais conservadoras geralmente defendem rígidas hierarquias, com cada categoria, cada papel acabando com certos direitos e deveres, é uma visão de mundo necessariamente desigual. Como alguém na direita defende que certas desigualdades são boas, você tem mais chance de achar um conservador nesses grupos. 

Jonas: Faz sentido.

Bernie: A definição parece boa, mas e quanto a tendência da esquerda de ser mais Rousseau do que Hobbes que surgiu na conversa antes de falarmos de história? A definição explica isso?  

Jonas: Até explica. Para eu defender que temos que acabar com a desigualdade eu preciso achar que isso é possível, se não eu tô louco. Como é mais provável que acabar com a desigualdade seja mais fácil se ela é unicamente uma criação humana, você vai ver na esquerda mais gente que não acredita que a desigualdade entre as pessoas é natural.

Bernie: Entendi. Sempre vejo mesmo liberal ou conserva falando que o ser humano é egoísta ou violento por natureza.

Murray: Até esses ai percebem a verdade!

Jonas: Tão defensor da liberdade física e tão escravizado mentalmente...

Roberto: Agora não, caras...

Michel: Realmente não é hora.

Murray: E quando é?

Michel: Nunca. Enfim, eu vejo como essa definição funciona no campo das ideias, mas como exatamente isso explica tantas situações diferentes onde as ideologias mudam de papel direto?

Roberto: Simples: há o espectro político do mundo das ideias onde as diferentes formas de esquerda e direita vivem alegres e há os vários espectros políticos das brigas políticas pela história. É verdade que há situações que uma ideologia que mora na direita vai ser parte da esquerda de certo lugar, não tô negando isso, mas sempre vai ser contra uma irmã que está mais na direita do que ela. Liberais vão ser chamados de esquerda se disputarem com fascistas ou revolucionários, sociais-democratas vão ser direita se disputarem com trabalhistas etc. Claro que a realidade não obedece certinho nossos conceitos, mas são bem úteis.

Murray: É verdade! Tanto é que antigamente a "direita" do Brasil era meio que só os socialistas fabianos do PSDB e hoje quase ninguém pensa no partido quando se fala em direita.

Bernie: Sim, é isso mesmo. Se insanidade aumentasse ainda mais nesse país castigado e as disputas eleitorais fossem entre os fundamentalistas que estão ai e a direita de sapatênis, em pouco tempo todos começariam a chamar os engomadinhos de esquerda.    

Roberto: Isso que eu quero dizer! As formações de timinhos políticos seguem uma ordem e acho que a achei agora. 

Michel: Olha, olhando bem... né... até que meio que entendo onde você quer chegar... 

 Murray: É normal não gostar de estar errado, cara, você supera.

Jonas: Normal pra uns...

Michel: Mas é isso mesmo, o conceito é útil pra analisar esses casos todos sim. Com o tanto que as mentalidades mudam com o tempo fiquei surpreso que você achou algo útil.

Jonas: Se bem que foi nessa época que as bases iluministas do mundo de hoje ficaram populares, então a mentalidade mudou menos do que parece. 

Michel: Sim, verdade.

Bernie: Agora que finalmente descobrimos o que é esquerda e direita podemos discutir o que o nazismo foi, não é?

Michel: Verdade!

Jonas: Eu tinha esquecido do assunto...

Murray: Também.

Roberto: Também. Mas claro, fomos prum assunto totalmente diferente, nem tinha como lembrar.

Michel: É quase como se o tema principal não fosse o nazismo...

Jonas: E eles merecem ser o tema de algo?

Michel: Você tem um ponto. Mas realmente podemos discutir isso agora, cabe a nós então reconstruir o pensamento nazista e ver onde essa coisa se encaixa no espec...

Murray: Nazismo é socialismo e portanto é uma forma de extrema-esquerda!

Michel: Okay, tá difícil...

Jonas: Por que o nazismo é socialismo?

Murray: Nazismo é fascismo e o fascismo é socialista. Socialismo é quando o Estado controla tudo e o fascismo defende que tudo esteja sobre controle do Estado. Como diz o Mussolini: "tudo dentro do Estado, nada fora do Estado e nada contra o Estado".

Bernie: Nem toda forma de socialismo é assim, você toma o socialismo soviético como o único possível e isso é ignorar muitos pensadores.

Jonas: Com certeza. Socialismo é ter os meios de produção na mão da sociedade e os socialistas totalitários, como os soviéticos, são só um tipo de socialismo.

Murray: Mas se o fascismo for como o socialismo soviético eu ainda tô certo, não?

Bernie: Claro, só achei importante falar disso. Mas mesmo assim não vejo muita base pra comparar os fascistas com os soviéticos, os fascistas sempre defenderam a propriedade privada.

Roberto: Acho que a frase parte da ideia fascista de que o Estado garante unidade de pensamento e cultura pra nação via propaganda, educação etc e que tolerar pessoas que pensam fora desse ideal nacional não rola. Ao invés de economia o negócio fala do totalitarismo fascista mesmo.

Bernie: Isso. Liberdade de pensamento não era algo defendido pelos italianos e os fascistas tem dificuldade de separar Estado m nação, então não existe isso de pensamento fora do Estado.  

Murray: Mas os governos fascistas não eram bem intervencionistas?

Jonas: Eram sim, já que o fascismo é explicitamente anti-liberal e defende ideias como autarquia e corporativismo. Claro que além de controlar o pensamento os governos fascistas na Alemanha e na Itália também usavam o governo para fazer os empresários fazerem o que era "bom pra nação" e fizeram vários gastos públicos, principalmente o Mussolini, mas eles defendiam a propriedade privada. Eles também eram explicitamente anti-comunistas.

Michel: Tanto é que ao entrar no poder os nazistas privatizaram um monte de coisa. O que acontece é que eles acreditavam que TUDO devia ser direcionado a nação, então o livre mercado não teria como ser parte.

Murray: E isso não é socialismo? Não é a mesma coisa achar que a propriedade deve ficar nas mãos do Estado representando a sociedade e achar que a propriedade deve ficar nas mãos do Estado representando a nação?

Michel: Não pois os nazistas não achavam que a propriedade devia ficar nas mãos do Estado, achavam que devia ficar nas mãos dos patrões e que o Estado devia ajudar a orientar o uso ela. 

Murray: Eu não vejo tanta diferença prática.

Michel: Numa minarquia o Estado também orienta o uso da propriedade privada, só que num nível bem menor. Numa minarquia a propriedade privada também está nas mãos do Estado?

Murray: Sim.

Michel: E se o dono do meu condomínio quiser orientar como eu uso a minha propriedade dentro do condomínio via regras? A propriedade está nas mãos dele?

Murray: Não.

Michel: Então há diferença entre eu ser o dono dos recursos e não ser mas colocar regras em como eles podem ser usados por seu dono?

Murray: Sim, são diferentes. Mas os nazistas não tinham o direito de fazer isso, então é difícil dizer se eles são diferentes dos socialistas.

Michel: Matar uma pessoa acidentalmente e intencionalmente tem resultados parecidos: um cadáver. Mas ambos são a mesma coisa?

Murray: Claro que não, só o intencional pode ser chamado mesmo de assassinato.

Michel: Da mesma forma, querer orientar como outros usam suas propriedades privadas não é o mesmo que querer ser o dono delas, mesmo que na prática ambos se pareçam.

Murray: É, você está certo. Mas mesmo assim ambos os casos são imorais e malígnos como qualquer forma de Estado!

Roberto: Enfim, então a ideologia nazista não é socialista, ótimo. Como definir então onde ela se encontra na classificação?

Bernie: Vendo as posições dela em relação a igualdade, como seu critério aponta. 

Roberto: Verdade! Nesse caso, como nazistas lidavam com igualdade?

Jonas: Acho que é bom definirmos bem igualdade. Por exemplo, nenhuma ideologia defende que há igualdade total entre as pessoas, apesar de alguns ataques contra espantalhos, mas muitas defendem igualdade econômica ou social.

Michel: De fato, há inúmeras formas de se falar de igualdade. Por exemplo, há aqueles que defendem igualdade de valor, com todos os seres humanos sendo dignos de valor e possuidores de direitos só por existir. Há aqueles que defendem a igualdade étnica, com todas as diferentes etnias tendo capacidades iguais para coisas como racionalidade ou controle emocional. Há aqueles que defendem igualdade perante a lei, com todos sendo vistos como idênticos pelo Estado. Há aqueles que defendem igualdade de capacidades, dizendo que as diferenças de habilidades importantes são geradas pela criação, experiências e força de vontade. Há aqueles que defendem igualdade de oportunidades, com todos tendo as mesmas chances de se dar bem na vida. Há aqueles que defendem igualdade econômica, que todos devem ter a mesma capacidade de ter bens. Finalmente, há aqueles que defendem igualdade social, com todos tendo os mesmos direitos e deveres independentemente de seus sexos, ideologias, locais de nascimento, orientações sexuais etc. Não estou tentando ser sistemático, perda de tempo, mas é isso. 

Bernie: Exatamente, acho que são essas as categorias que me vem na cabeça. Se a ideologia nega várias dessas ela é de direita e se aceita várias é de esquerda.

Roberto: Até por que há uma certa ligação entre elas. Tipo, se você acha que todos são iguais em capacidade tem mais chance de achar que devem ser iguais em poder econômico ou próximo disso.

Bernie: Verdade. Começando pela igualdade de valor, acho, talvez né, que nazistas não acreditavam nisso...

Roberto: Não mesmo. Para o nazista, o valor de alguém se encontra na sua capacidade de servir a nação, o deficiente não valia absolutamente nada nessa época. Tanto é que após tanta propaganda contra eles e a aprovação nos anos trinta de uma lei que defendia a esterilização dos "inferiores" você vê a famosa Aktor T4, onde milhares de deficientes e doentes mentais foram mortos por debaixo dos panos por médicos. Essa não é uma ideologia que defenda muito que todos tenham valor.

Bernie: Caramba, sério?

Michel: Verdade, já li sobre isso antes.

Murray: Lembro de ter visto num documentário. Pra vocês verem o perigo do Leviatã!

Roberto: Um horror mesmo.

Bernie: Monstruoso. Mas voltando ao assunto, essa negação de igualdade ética é bem profunda mesmo. Nem os medievais negariam isso, embora eles buscassem proteger as almas com métodos meio... extremos.

Jonas: Se bem que muita gente hoje sabe que valor é uma ficção, tanto na esquerda quanto na direita, então esse moralismo de vocês não ajudou a definir onde esses imbecis ficam na politica. 

Roberto: Eu não poderia me preocupar mais com o que ouvi mas é verdade, vamos continuar a ver as liberdades.

Michel: Eles também não eram defensores da igualdade étnica, racismo era algo importante para os nazistas.  

Jonas: Se bem que racismo não era tão incomum assim naquele tempo, só ver como os americanos tratavam seus negros ou como os britânicos tratavam os indianos, acho que também não ajuda muito a dizer a posição deles políticamente.

Bernie: Até ajuda, já que se você acredita que certas "raças" são mais capazes do que outras então a desigualdade entre países de etnias dominantes diferentes ou entre pessoas de outras etnias do mesmo lugar está justificada: os mais pobres são menos capazes por natureza. Ou seja, bate mais com a direita. 

Roberto: Se bem que o racismo já foi comum entre a esquerda também. A pós-moderna mesmo gosta de pregar que brancos são piores que outros grupos. Não falo pra discutir o tal "anti-racismo", mas acho que ser racista não te joga na direita.

Bernie: Sim, mas é um indício, né?

Roberto: Isso sim. 

Murray: E quanto a igualdade perante a lei? Como era isso pros estadistas alemães?

Michel: Era algo bem pré-cristão: os alemães legítimos, o "nós", eram vistos como iguais unidos por "sangue e solo" que deviam ter as mesmas oportunidades e direitos. Já os estrangeiros e os de outras raças, o "eles", não tinham os mesmos direitos dos alemães legítimos a ajudas e oportunidades, o que acabou piorando com os judeus e outros grupos até dar no que deu.

Jonas: Isso é verdade, os nazistas tinham um senso de particularismo bem forte que refletiu na lei e práticas, eles acreditavam em igualdade perante a lei pra sua "raça superior". Era inclusive esse o sentido do socialismo nazista: a sociedade representada e unida era a dos tais arianos. 

Murray: Ô coletivismo nojento!

Jonas: Com certeza!

Bernie: É interessante essa divisão, foge totalmente do que se vê entre liberais e socialistas e vai direto pra certos reacionários. Não é por si só uma ideia da extrema direita essa desigualdade extrema?

Roberto: Há um pouco de igualdade e um pouco de desigualdade. Como particularismo extremo é algo comum em ideologias revolucionárias, com até os marxistas tendo em relação aos não-revolucionários, acho que não dá pra decidir aqui.

Jonas: Ninguém quer parar o teste se o resultado for inconveniente...

Roberto: Eu aceitaria o nazismo ser de extrema-direita, só quero ter certeza. 

Jonas: Bom, vamos ver.

Bernie: Mas nem foi um ponto ruim, acho uma boa continuar.

Michel: Vendo que a próxima é igualdade de capacidade, nem precisa discutir muito. Os nazistas claramente defendiam que a genética é tudo. Essa noção de que arianos são criaturas mais evoluídas e criadores da civilização era uma maravilha pra legitimizar as políticas e domínio alemão sobre as "raças inferiores". 

Murray: Verdade. E quanto a igualdade de oportunidade? Os coletivistas do passado defendiam a meritocracia ou eram como os de hoje? 

Jonas: Só para outros cidadãos alemães saudáveis, como o Michel mencionou. Fazer leis contra não-arianos no serviço público ou limitar a quantidade de judeus nas escolas não são exatamente formas de alcançar igualdade de oportunidades.

Roberto: Apesar dessa atitude claramente causar desigualdade acho que não dá pra cravar que é algo especificamente de direita, já que é uma atitude incomum nela.

Jonas: Incomum pela maior parte da direita ter base liberal mas dá certinho com alguns reacionários, acho que dá pra encaixar na extrema-direita. Parte da ideia de uma separação grande entre "nós contra eles" e isso combina mais com aqueles que defendem a desigualdade.

Michel: Você tem razão, realmente esse tipo de ideia não faz sentido algum dentro de uma ideologia que promove a igualdade.

Bernie: Verdade.

Roberto: Mas governos com foco na igualdade, de esquerda, podem sim distinguir entre seus cidadãos e estrangeiros em direitos mas ainda buscar políticas que estimulem a igualdade econômica no geral. Eu só quero saber como é que a Alemanha Nazista pode ser de direita por marcar muitos pontinhos nessa listinha mas a União Soviética, por exemplo, também e ser de esquerda.

Murray: Com certeza! Um cidadão soviético esmagado pelo Leviatã não saberia diferenciar os dois.

Jonas: Curioso como a lista só é um problema agora...

Michel: De fato. Eu entendo que a União Soviética e a Alemanha Nazista eram muito parecidas por serem ambas brutais ditaduras totalitárias, mas é simplista dizer que ambos os países eram iguais. Os genocídios, violências e discriminações soviéticas aconteciam num governo que buscava transcender essas coisas, enquanto os nazistas viam tudo isso como bases de suas ideias e partes de seus objetivos.

Murray: Isso fez diferença pra quem sofreu lá?

Michel: Não muita, mas faz se estamos classificando. 

Jonas: Exato. Matar por sadismo ou por uma traição dá no mesmo para a vítima, mas não são ambos iguais.

Michel: Haha, sim.

Roberto: Mas como podem governos supostamente tão diferentes terminarem em genocídio, racismo e opressão assim?   

Jonas: Autoritarismo, ué. Os nazistas e os soviéticos, por razões diferentes, botaram muito poder na mão dos partidos e deu no que deu. É verdade que houveram abusos, genocídios e outras coisas do tipo nos dois, mas isso aconteceu mais pelas formas de governar do que as ideologias. Tanto é que o Pinochet era liberal e quando tomou o poder também fez coisas assim, embora em menor escala. Quando você pega a tendência a criar essas ideias fixas chamadas de Estado e a amplifica é isso que acontece. Ao fazer as pessoas acreditarem nessas coisas sagradas não se surpreenda se elas realmente agirem como religiosos...       

Murray: É verdade, ficar botando poder nas garras do Estado só resulta em destruição.

Jonas: Sim. Deixaram os partidões fingirem ser deuses e eles pediram sacrifício.

Michel: É isso mesmo. Tanto os soviéticos quanto os nazistas rejeitaram a democracia liberal e colocaram tudo nas mãos do Estado mas por razões bem diferentes. Os nazistas acreditavam que a Alemanha tinha se tornado pobre, fraca e decadente por esquecer do vínculo racial e nacional que unia os alemães e cair no igualitarismo democrático medíocre oferecido por judeus das sombras, exigindo que um grupo tomasse o poder e restaurasse as condições que geraram a grandeza de seus ancestrais. Já os soviéticos acreditavam que após derrubarem a elite meio que feudal que ainda existia na Rússia ainda se precisava moldar esse povo atrasado e marcado pela hierarquia num povo feito para uma nova forma de sociedade e também que se precisava proteger esse processo da brutal oposição capitalista que vinha de fora, exigindo que um grupo tomasse o poder e dirigisse o Estado até ele não ser necessário.

Bernie: Ou seja: os nazistas fizeram tudo em nome da desigualdade e os soviéticos em nome da igualdade?       

Michel: Simplista, mas se olharmos para as ideologias até que funciona. Tanto é que a retórica soviética era igualitária, pra época, mesmo ao cometerem genocídios. Os povos destroçados eram atacados porque supostamente iam contra o socialismo e a igualdade. 

Roberto: Todo esse papo é bom, mas isso justifica essas duas ditaduras parecidas estarem em lados opostos do espectro?

Bernie: O que define é principalmente a parte teórica, já que querer forçar todas as ditaduras a ficarem num lado só é arbitrário. Se toda ditadura totalitária é igual, por que não botar todas os governos marxistas na direita porque eles parecem com o nazismo e as ditaduras militares das Américas?

Murray: Por que a igualdade é anti-natural e portanto tem que ser imposta, então a esquerda precisa de ditaduras.  

Jonas: Ou as classificações de indivíduos em ricos e pobres, nobres e plebeus, senhores e escravos e outras são criações humanas que precisam de uma ordem legal e política para se sustentarem...

Roberto: Então vocês estão dizendo que o nazismo ser uma ideologia defensora duma desigualdade forte e profunda torna a ideologia de extrema-direita? 

Jonas: É.

Bernie: Sim.

Michel: Exato.

Roberto: Olha, eu realmente não vejo esses caras como próximos de mim no espectro, me parecem bem distantes.

Jonas: Mas você tem alguma boa razão pra isso?

Roberto: Não.

Murray: Um partido socialista é de esquerda, obviamente...

Jonas: Filho feio ninguém assume...

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Iluminação

 Não quer luz quem dorme. Iluminado, ruim é o despertar. Grogue, não entende ao escutar, A luz não leva a enxergar, Os olhos ela só faz irri...