domingo, 28 de julho de 2019

Henrique

Henrique: Tava olhando ontem a carga tributária daqui.

Bernie: Se não tô enganado ela chega a uns 33% do PIB atualmente, né?

Henrique: Por ai.

Milton: Por ai mesmo. Com esses serviços  públicos ridículos que temos você espera algo bem menor...

Henrique: O pior é que isso afeta muito o consumo, tudo que você compra é caro.

Bernie: Mas isso é uma falha da fonte do imposto mesmo, não da quantidade. Basta parar de taxar consumo e produção e taxar bancos e grandes fortunas.

Milton: Você sabe que se taxarem os bancos eles simplesmente vão repassar os gastos pros consumidores, né? Taxar bancos é taxar quem precisa deles, ou seja, a população.

Bernie: Você só esquece que a população JÁ é taxada enquanto banqueiros e empresários enriquecem. Taxando os segundos para financiar serviços para os primeiros é o único jeito de garantir justiça e igualdade.

Milton: Você vai é garantir pobreza e ineficiência. O governo tem é que diminuir a participação na economia e os impostos, deixando assim o mercado gerar renda.

Bernie: E também gerar desigualdade. Sem seus direitos assegurados os pobres simplesmente serão explorados e se tornarão mais pobres e os ricos mais ricos.

Milton: Não vejo como o pobre perderá dinheiro com menos impostos e monopólios causados pelo Estado.

Bernie: Sendo explorado. O dinheiro extra vai todo para o patrão.

Milton: O patrão que observou que tinha uma necessidade no mercado, se arriscou investindo o que era preciso e montou a empresa. Deixe ele ganhar um pouco mais do que os outros.

Bernie: Sim, agora bota esse patrão sozinho na mata sem nenhum funcionário e vê se ele consegue se dar bem. A verdade é que sem a ajuda dos seus funcionários e da sociedade em geral os ricos não seriam nada. Mesmo assim eles acham que não tem problema nenhum em juntar todas as riquezas para si? 

Milton: Elimine um funcionário qualquer de uma empresa. Ela sofre muito? Até que não. Agora elimine o lider dela. Ela sofre muito? Talvez chegue a falir. O funcionário comum é substituível e se sustenta com seu emprego enquanto o chefe, na maioria das vezes, é insubstituível  e sustenta várias e várias pessoas com seu emprego. Sugerir que a desigualdade entre eles não deve existir só pode ser piada.

Bernie: Mas o chefe pode ter mais dinheiro. Eu só sugiro que ele divida um pouco. Precisamos combater a desigualdade e a injustiça, e para isso precisamos de grana. Nada mais justo que aquele que enriqueceu com o trabalho da comunidade financiar a melhora dela. Só assim teremos uma sociedade mais justa e democratica. 

Milton: Justa? Você acha justo alguém gerar renda e empregos e ser penalizado com impostos enquanto outros ganham as coisas de graça? Com um plano desses  você vai fazer o homem que sonha em ser rico e tem talento ficar desmotivado e o rico mesmo ir embora do país para não ser roubado. Assim, você tem menos emprego, menos renda e mais roubo.

Henrique: Concordo em parte com você, mas acho que o que o Bernie tá falando faz sentido. Ele só cometeu um erro grave.

Bernie: E qual seria esse erro?

Henrique: Você se concentra na pobreza e desigualdade mas não no que as causa. Quem trata os efeitos mas deixa a doença?

Bernie: Não entendo direito o que você quer dizer. Você tem algum jeito novo de derrubar a causa da injustiça?

Henrique: Pensei em algo aqui faz um tempinho. Para te ajudar a entender eu te pergunto: Como costuma-se justificar éticamente o direito a propriedade?

Bernie: A ideia geralmente é a de que cada um é dono de si mesmo, algo como autopropriedade, inclusive propriedade sobre seu trabalho. Quando você trabalha na terra, por exemplo, o seu trabalho se mistura com ela, acho, e o resultado do trabalho vira sua propriedade ou coisa assim. O que isso tem a ver?

Henrique: Bom, o que seriam recursos naturais?

Bernie: Coisas que existem sem precisarem do trabalho humano. Ainda estou querendo saber o que isso quer dizer. Seu ponto é de que recursos naturais não podem ser propriedade?

 Henrique: Isso! Acredito que o problema está ai. O capitalismo atual não diferencia as coisas entre o que pode ou não ser propriedade. A causa do problema é essa.

Milton: Mesmo que a teoria liberal clássica não consiga justificar a propriedade de recursos naturais, não tô entendendo o que isso tem a ver com economia. Ética não nos diz o sistema econômico que funciona. 

Henrique: Vou tentar então algo menos abstrato: Imaginem um capitalista com um bom dinheiro no bolso e vontade de viver bem. Um dia, esse homem ouve de uma fonte confiável que um certo terreno que não vale nada hoje valerá muito dinheiro em dez anos devido a umas obras e aberturas de lojas que vão acontecer na área. O que ele faz?

Bernie: Ele vai comprar o terreno e esperar ficar rico, ué. É o investimento perfeito.

Henrique: Dai os anos passam e o terreno vale muito. Esse homem se tornou rico sem mover um dedo. Eu lhes pergunto: Se o trabalho que valorizou o terreno não veio do dono, de quem veio?

Bernie: Da comunidade envolta! Com as obras e as lojas o local se tornou valorizado e passou a valer muito. Esse homem do exemplo cobra a comunidade por ela ter produzido!

Milton: Você acha então que isso seria a causa do aumento da desigualdade?

Henrique: A principal. Pense comigo, o trabalho, com o avanço da tecnologia e educação, vem se tornando mais produtivo mas a população parece ter cada vez menos dinheiro que os grandes!  Basta pensar: é possível produzir sem estar em um local fisico, em terra ou mar? 

Milton:  Não né.

Henrique: A quantidade de locais no mundo não é limitada? 

Milton: Sim. A terra é naturalmente um monopólio. Como quase toda a terra utilizável atualmente é ocupada ao menos nas cidades você só tem acesso a ela comprando ou alugando.

Bernie: Um monopólio que é uma necessidade para você poder produzir qualquer coisa? Isso me cheira a exploração...

Henrique: Isso! O trabalho aumenta sua produtividade, mas os donos da terra aproveitam sua enorme vantagem para confiscar mais riqueza com o aluguel. É uma relação de parasitismo ainda maior do que na Era Medieval!

Milton: Pior que é verdade, hahaha. Os nobres medievais pelo menos tinham que defender os servos. Mas qual sua solução? Você quer que o governo nacionalize todas as terras privadas?

Henrique: De jeito nenhum! Além disso claramente não funcionar, ninguém, como eu acredito ter estabelecido quando falávamos de ética, é dono real dos recursos naturais, seja o governo ou o homem comum. A minha ideia é que seja cobrado um imposto sobre o valor da terra, desconsiderando qualquer melhora na área cobrada, como uma casa construída no local. Seria o jeito do individuo pagar por poder excluir outros do acesso a área que é naturalmente de todos. Uma taxinha em poluição ia ser boa também, já que está contaminando o que é de todos.

Milton: A sua ideia é outro imposto? Como isso resolveria o problema da taxação pesada na produção e consumo que sempre cai nos mais pobres?

Henrique: O imposto! Como temos propriedade sobre o que nosso o trabalho gera e, devido a umas contas que fiz e uns números que pesquisei, o imposto sobre terra poderia sustentar um governo eu defendo que esse imposto substitua todos os outros impostos.

Bernie: Daria pra sustentar um governo? Isso é interessante. Isso incentivaria o governo a melhorar a situação de alguém?

Henrique: Sim. Se o governo quisesse aumentar imposto em uma área, ele teria que a melhorar consideravelmente, já que só assim o valor da terra aumentaria. 

Milton: Impressionante! Você conseguiu achar uma maneira de tirar o governo de cima do mercado! Sem a taxação sobre a produção e consumo, os salários seriam bem maiores, a produção seria incentivada e o mercado poderia gerar um equilíbrio bem melhor. De todos os impostos, esse me parece o menos pior até, hehe.

Bernie: Mas isso seria uma taxação progressiva? Me parece que isso nos impediria de taxar fortunas.

Henrique: Bom, quem seriam os donos das maiores propriedades, os trabalhadores comuns ou os ricos?

Bernie: Os ricos, claro.

Henrique: Além de terem mais propriedades, os ricos não moram em locais muito melhores e mais caros?

Bernie: Moram. Acho que entendi! Como os ricos moram em lugares mais caros os impostos sobre eles serão maiores! Nenhum rico vai morar em bairro perigoso, então eles não tem como escapar disso!

Milton: Além disso, a sonegação seria bem mais difícil com um só imposto e em algo imóvel como a terra. Seria fácil pegar os valores certos e cobrar corretamente.

Bernie: É uma ideia interessante, Henri. Isso seria o que exatamente?

Henrique: Como assim?

Bernie: Tipo, eu me vejo como um capitalista mais social-democrata e acho que o Milton é mais libertário, como você acha que sua ideia ficaria?

Henrique: Eu me considero mais liberal clássicão mesmo, tipo John Locke, mas acho que isso seria um capitalismo diferenciado. Nem pensei no nome.

Bernie: Tem muito a ver com a terra. Que tal algo como Geoismo? "Geo" é terra em grego e soa legal.

Milton: Soa mesmo, e também familiar...

Henrique: Depois pesquisamos então. Acho que a ideia é bem interessante e depois tenho que ver se precisa de ajustes ainda.

Milton: Sim, mas faz sentido. Vale a pena olhar bem.

Bernie: Vale mesmo. Esse sistema atual é bem injusto.


sábado, 20 de julho de 2019

Frederico


Lucas: Cara, acabei de perceber que o Estado não tem autoridade.


Frederico: Realmente. Qual o motivo dessa revelação obvia?

Lucas: Tive que acompanhar minha tia pra igreja e lá o pastor leu uma passagem que falava "Toda autoridade vem de Deus" ou coisa assim.

Frederico:  Dai você percebeu que como não tem Deus essa autoridade não tem fonte?

Lucas: Isso! Sem Deus, sem autoridade.  O Estado viola nossos direitos naturais todos os dias e ninguém faz nada!

Frederico: Que o Estado não tem autoridade real não existe dúvidas. Um bando de malandros dominam um local usando a força e então inventam algum motivo para continuarem no poder. Mas tem algo que me preocupa no que você disse.

Lucas: O que seria?

Frederico: Você claramente ser um cristão! Pior, um pastor! De onde mais viria esse papo de "direitos"?

Lucas: É evidente que todo homem possui direitos naturais. Não precisa creer em nenhuma divindade para se ver isso, talvez até o contrário...

Frederico: E onde estão esses direitos?  Certamente não fora da cabeça dos homens! Uma lagartixa come uma barata e não se vê nenhum papo de direitos! Um leão mata uma zebra e não se vê nenhum papo de direitos! Esses "direitos" não passam de uma invenção criada por gente patética para tentar se defender dos mais forte usando conversa mole!

Lucas: Está me dizendo que não vê nada de errado quando ouve falar de um assassinato ou estupro? 

Frederico: Claro que sim, sou um homem como você com empatia e outras coisas do tipo ué. Mas isso não cria valores morais válidos fora da minha cabeça.

Lucas: Mas eles existem fora da sua cabeça! A ciência mostra isso! Basta olhar os animais que se ajudam e tal.

Frederico: Isso não passa de uma adaptação! Indivíduos com tendência a se ajudarem sobrevivem melhor que solitários, então se reproduzem melhor. No fim, seus descendentes mostram a mesma tendência e sobrevivem por estarem unidos. Isso mostra  apenas que esse comportamento é uma simples programação biológica e nada mais, seja nos outras animais ou em nós, os animais "racionais".

Lucas: Você não percebe o que seu ponto de vista quer dizer? A mesma mente que lhe diz que matar é errado lhe diz que tem uma cadeira ali. Como você pode dar atenção a ela em um momento e a ignorar em outro?

Frederico: Sabendo como ela surgiu, confiar nela é um erro.

Lucas: Como assim? 

Frederico: Simples, a mente humana só pode ter surgido de uma dessas três formas: necessidade, design e acaso. Foi por algum tipo de necessidade, como no Idealismo?

Lucas: Não. Não existimos por bilhões de anos e não existiremos por bilhões de anos.

Frederico: Foi então por design?

Lucas: Também não. Um design mesmo só pode ser feito por uma mente. Essa mente também precisaria de um designer, que também precisaria de um designer até chegarmos numa mente que existe por si só, o que é impossível.

Frederico: Exatamente. Isso significa que a mente surgiu pelo acaso ou, sendo mais especifico, a seleção natural.

Lucas: E qual o problema nisso? Os menos inteligentes não se reproduziram tão bem quanto os espertos, gerando uma raça inteligente a longo prazo. 

Frederico: Lembra quando você me mandou um link  sobre os religiosos terem mais filhos dai você disse que "essa besteira só tá viva por se espalhar feito vírus"? Alguns acham que existe uma tendência genética a acreditar em religião. 

Lucas: Não entendo o que isso tem a ver. Só se você querer dizer que...    

Frederico: Uma tendência genética que gera uma crença falsa sobrevive por fazer o programado ter muitos filhos, passando assim os genes. A seleção natural não se importa com a verdade!

Lucas: E quanto a ciência? Com ela, podemos deixar de especulação e fazer testes que fazem previsões que podem ser testadas!

Frederico: Veja o cristão em você outra vez! Agora com sua própria revelação. A ciência é criada por homens, moldada com as regras dos homens e interpretada por homens! Se a mente humana é falha, tudo que ela produz também é.

Lucas: E quanto as previsões científicas? Einstein tinha mencionado que sua Teoria da Relatividade teria certas implicações se fosse certa e as detalhou. E essas implicações foram confirmadas por outros cientistas muito depois! Não tem como isso ser erro.

Frederico: "Paranormais" também acertam "previsões" e mesmo assim não passam de farsa! A ciência de Aristóteles e a de Newton também previam tudo antigamente e mesmo assim todos sabemos que elas não valem nada!  A ciência "evolui" construindo brinquedos melhores, mas isso não prova que ela está se aproximando da "verdade".

Lucas: A ciência vai se aperfeiçoando, ué. Uma hora ela chegará na verdade. Basta aguardar, cada erro corrigido nos aproxima da verdade. 

Frederico: Que verdade? O homem pode ver seu próprio ponto de vista e julgar que o mundo é assim. Um morcego vê o mundo de outra forma totalmente diferente e também deve julgar seu ponto de vista como certo. Mas como se decide algo assim? Com que critério?

Lucas: O que se aproxima do mundo real, ué. 

Frederico: Não acho que estamos numa posição que nos permite separar a realidade em "mundo real" ou "mundo aparente". Somos primatas em um planetinha patético, e nada mais do que isso.

Lucas: Você realmente me deu muito para pensar...

Frederico: Cara, ideias como "certo e errado" e "real ou irreal" não fazem mais sentido. Quando se vê nossa origem, se vê que temos que ser mais modestos do que nossos antepassados religiosos. Sem um Deus para criar um cosmo racional e valores morais objetivos essas ideias caem na hora.

Lucas: Como ninguém percebeu isso ainda, se as coisas são assim?

Frederico:  Me parece orgulho demais para admitir nossa pequenez e falta de raciocinio. O homem se livrou de sua corda mas ainda pensa que está amarrado...

Lucas:  Entendo seu ponto de vista. Valeu pela conversa! Vou pra casa e depois verei se minha tia quer que eu a acompanhe outra vez. Tchau!

Frederico: Valeu!  









Iluminação

 Não quer luz quem dorme. Iluminado, ruim é o despertar. Grogue, não entende ao escutar, A luz não leva a enxergar, Os olhos ela só faz irri...