sábado, 23 de novembro de 2019

David

David: Eu diria que algo como ética não passa de sentimentos que parecem reais, Toledo. Não existe nada como certo ou errado no mundo, então é melhor manter esse papo longe da política.

Aris: O niilista conservador sempre me confunde. Se você não acha que existe um jeito certo de agir, ter padrões é bem estranho.

David: Todos querem viver numa sociedade que funciona.

Isaque: Não fica claro que forma funciona se não tem uma correta.

David: O tempo nos diz. Basta você observar o que dá certo com o tempo.

Aris: EntendoMas me parece claro que o mundo realmente é capaz de nos mostrar o que é certo com sua ordem.

David: Como assim? Ser bom envolve cumprir certo padrão. Você acha que o mundo nos mostra algum tipo de padrão? 

Aris: Ser bom consiste mesmo em cumprir padrões. Para se ter ética, precisamos então de algo como a essência do homem e o objetivo especifico do homem.

David: Isso soa estranho.

Isaque: Nem tanto: essência seria a natureza do homem que o define e o separa dos outros seres, como as características específicas dos relógios. O objetivo seria a finalidade das nossas capacidades, como a do relógio de dizer as horas.

Aris: Isso mesmo. Um bom relógio  diz as horas e um mal não. Da mesma forma, existe um jeito certo do homem agir. 

David: Eu entendi antes. Isso é muito estranho, pois os padrões devem ser impostos por alguém mas não tem nada assim no mundo.

Isaque: Eles devem ser impostos mesmo, mas eu discordo que não existam.

Aris: Não importa se o padrão existe por si só ou se foi criado por alguém. O importante é que ele existe, e que isso claramente se manifesta pela ordem que existe no mundo. 

Isaque: Realmente. Mas acho que essa ordem sugere Alguém além do mundo que dita as regras.

David: E como esse Alguém dita as regras?

Isaque: Acho que a ordem vem de leis que o universo segue, como um tipo de programação. Cada lei científica seria uma lei da natureza. 

David: Como as leis ordenam o mundo? Leis desse tipo são descritivas, só dizendo o que acontece mas sem explicar o motivo ou ser o motivo.  Elas não tem poder de fazer algo.

Aris: Isso é verdade. Algo como uma lei da física é só uma descrição da realidade. Precisamos de algo mais pra explicar o motivo das  coisas ocorrerem como ocorrem.

Isaque: A ordem só pode vir do próprio Deus, pois uma ordem só pode ser dada por alguém e só Ele teria como ordenar o mundo. Sabemos então que Ele é.

David: Então como isso tem relação com a ética?

Isaque: Todas as coisas não foram criadas por Deus? 

David: É o que você supõe. Digamos que sim.

Isaque: Nesse caso não seria tudo propriedade divina?

David: Sim, seria.

Isaque: Achamos então a base para a ética, pois isso revela que se você se ferir ou ferir outro está ferindo a propriedade divina. 

David: Tenho ainda um monte de dúvidas sobre isso, mas primeiro você poderia me dizer como Deus mantem a ordem do mundo físico? De que forma você acha que isso ocorreria?

Isaque: Acho que Ele teria que direcionar a matéria e a energia a cada momento. Não vejo outro motivo para essa ordem, já que Ele é a base das leis naturais.

David: Então a ordem é falsa? Se Ele precisa sempre estar direcionando um universo sem ordem, então o fósforo não gera fogo, mas Deus gera. Existem efeitos mas nada que os causa além de Deus.

Aris: É verdade. Se as coisas forem assim, então a ordem não existe e Deus faz tudo, inclusive o trabalho do nosso cérebro...

Isaque: Acho que me expressei mal. As coisas causam umas as outras sim, elas só precisam que Ele mantenha tudo funcionando.

David: Foi bom ter saído dos contos de fada, mas não sei pra que Deus é necessário se uma coisa tem a capacidade de causar outra, se bem que isso seria outro assunto, deixemos pra lá.

Isaque: Isso. Não falemos Dele então. Devemos procurar outra base pra ordem.

David: Mas que ordem? Nós vemos as coisas aconteceram sempre da mesma forma, mas quem garante que as coisas sempre serão como foram antes? Um animal acha que sempre que ouvir o barulho do potinho de comida vai se alimentar, mas isso não é algo necessário.

Isaque: Elas sempre fazem a mesma coisa, ué. 

David: Exatamente, você espera que elas façam necessariamente a mesma coisa por já terem feito, mas o que te garante que existe uma necessidade ai?

Isaque: O fato delas fazerem sempre a mesma coisa? Os homens sempre foram capazes de prever o que ia acontecer razoavelmente bem, seja o comportamento de uma armadilha, o movimento das estrelas e planetas,  o que vai acontecer no teste de uma teoria cientifica, ou se o café vai estar quente depois do fogo. Literalmente tudo que vemos prova que você está errado.

David: E que diferença esses casos fazem? Seu argumento pra provar que podemos ver regras gerais através de alguns casos antigos...    Usa alguns casos antigos pra estabelecer uma regra geral.

Aris: Isso é verdade, é um argumento que só funciona se você aceita a conclusão. Mas não estou convencido de que não existe ordem. David, pode explicar isso melhor?

David: Acho que ideias como ordem são só ideias, não temos base pra falar de algo assim.

Isaque: Interessante. O que te leva a pensar assim?

David: Eu lhes digo que o conhecimento vem dos sentidos, algo que sei que vocês concordam. Eles devem se dividir em dois: conhecimento conceitual e conhecimento experimental.

Aris: Isso me parece pouco. Como seria cada um?

David: O conhecimento conceitual vem da razão ao entender os conceitos ou definições das coisas. Entendendo a definição  de  "careca" como alguém sem cabelo, sei que é verdade que carecas não tem cabelo. Essas verdades conceituais são verdade pela lógica, não tendo muito a ver com o mundo.

Aris: Certo.

David: O experimental vem de experiências , sejam científicas ou do dia a dia, seria sensações e a memória delas. Elas nos conectam ao mundo real, como ao nos ajudar a saber que existem carecas, algo que o conceito não te diz mas as sensações sim. 

Aris: Sim, esses conhecimentos existem, embora venham ambos da experiência que temos com o mundo. Acho pouco ainda, muito pouco, mas continue.

David: Exatamente. A questão é que tudo que conhecemos do mundo seriam então sensações e memória. Mesmo os conceitos não passam de memórias com definições.

Aris: Como assim? Você acha que conceitos são algum tipo de imagem mental?

David: O que mais seriam? Você  conhece vários cavalos e a memória  de todos eles lhe permite gerar o conceito ou imagem mental de cavalo. Juntando com o conhecimento de chifres, você  acaba gerando um unicórnio só combinando ideias ou sensações antigas.

Aris: Bizarro. 

Isaque: Faz sentido. E o que isso tem a ver com ordem?

David: Bom, nossos conhecimentos se resumem então em memórias, imaginação, conceitos  e sensações. Se é um conceito, não  necessariamente tem relação com a realidade, pois são só  definições criadas por nós.

Isaque: E sensações não podem nos mostrar se algo como uma regra geral existe, pois só  vemos casos individuais? Seu argumento é que só experiências podem falar do mundo real e não experimentamos ordem diretamente?

David: Isso. Pensem em algo como uma lei da física. Essa lei é  algum tipo de conceito ou definição abstrata? É algo que é verdade por pura necessidade lógica?

Aris:  Não, já que tenta falar da realidade e pode ser falsa sem contradizer a lógica.

David: É  então algo que vem da experiência? Você vê, ouve, cheira, prova ou sente essa lei?

Isaque: Não, pois só temos experiência de acontecimentos, e não de alguma necessidade além deles. Nem sei como ia dar pra sentir ordem diretamente, hehe.

David: Pronto! A ideia de leis da natureza é  simplesmente uma coisa da nossa cabeça, pois vemos muitos casos parecidos e pensamos que sempre vai ser assim. Mas ninguém pode experimentar algo como ordem no mundo, é  uma ideia que criamos quando fazemos a interpretação das nossas sensações.

Isaque: Não acho forma de provar que leis da natureza fazem parte de definições ou se são algo que podemos sentir como parte de nossas experiências, mas ainda acho que seu argumento falha.

David: Como? Essas "leis" não vem de conceitos nem de sensações. 

Isaque: Bom, o seu argumento é  só algum conceito?

David: Não. 

Aris: Não é dado pela experiência  também. Então, ele se refuta.

Isaque: Era isso que eu ia dizer! Esse argumento não se sustenta. Se ele está certo, está errado.

David: Talvez tenha essa falha, mas não vejo forma de se ter conhecimento sobre o mundo real sem ser dado pelas sensações e elas não nos dizem muita coisa. Nosso conhecimento é muito limitado pra dizer que existe ordem.

Aris: Você errou por achar que conceitos são  como imagens mentais. O conhecimento do mundo vem da experiência, mas ele é mais que sensações antigas, então podemos conhecer mais do que os sentidos nos mostram diretamente.

David: Qual a diferença entre conceitos e imagens mentais então? 

Aris: Vamos voltar pro cavalo: Ao você pensar no cavalo deve ter em você, além do conceito, algum tipo de sensação sobre o bicho. Talvez a imagem de um cavalo, talvez você ouviu ou viu a palavra, sei lá.

David: Sim. O conceito e a imagem são a mesma coisa, como provado por estarem tão associados.

Aris: Mas essa imagem sua não precisa ser de um cavalo negro, marrom, branco, ou outra cor?

David: Me veio na cabeça um cavalo mais marrom mesmo.

Isaque: Eu vi um de duas cores. Ouvi a palavra na cabeça também.

Aris: Então vocês tem na cabeça a imagem do cavalo de certa cor cada um. Mas o conceito de vocês só valem pros cavalos dessas cores?

Isaque: Não né, vale pra todo cavalo. O conceito de cavalo branco, por exemplo, seria meio que um subconceito, acho. Mas o de cavalo em geral vale pra todos.

Aris: Então o conceito vale pra todos os cavalos mas a imagem mental não. Isso significa que o conceito é universal e a imagem particular.

Isaque: Isso se nota mesmo.

Aris: Além disso, Isaque, você disse que ouviu tipo uma palavra ao pensar no cavalo? Isso acontece comigo também.

Isaque: Isso. Me veio o som na cabeça.

Aris: Mas a palavra "cavalo" necessariamente fala do animal ou poderia falar de outra coisa?

Isaque: Poderia, pois é só uma regra do português que esse som ou certos símbolos escritos falam do animal.

Aris: Mas o conceito que você tem de cavalos poderia ser de outra coisa ou seria um conceito diferente?

Isaque: Só pode ser sobre cavalos. A palavra pode mudar o significado e continuar a mesma, mas o conceito não.  Se você tentar mudar o significado do conceito, simplesmente vai mudar de conceito.

Aris:  Quanto a imagem na sua cabeça do cavalo de duas cores, ela também poderia significar outra coisa?

Isaque: Claro. Ela poderia ser de um cavalo do passado, de um cavalo  que eu queria ter, de um que me assusta ou coisa assim ou até de algo que só parece um cavalo. A mesma imagem pode ser interpretada de várias formas, mesmo sendo mental.

Aris: Podemos então dizer que as imagens mentais tem significado ambíguo e os conceitos um significado determinado?

Isaque: Parece que sim.

Aris: Vamos testar então outra palavra: lei. Pensem nela e me digam o que veio na cabeça. 

Isaque: Aquela estátua da cega com a balança. Cega a lei tá mesmo hoje, hehe.

Aris: Haha.

David: Verdade, he. Eu vi um juiz julgando.  

Aris: Mas essas imagens mentais falam diretamente da lei ou são só de coisas associada com a lei?

David: São de coisas associadas com a lei. Acho que não tem forma de representar lei diretamente, é muito abstrato.

Aris: Isso é verdade. Mas vocês entendem o que é lei?

Isaque: Claro.

David: Sim, ué.

Aris: Então o conceito de lei existe sem uma imagem mental que o represente perfeitamente?

David: Sim.

Aris: Existe então conceitos sem uma imagem mental certa?

Isaque: Existe. 

Aris: Então vamos recaptular: imagens mentais são particulares e ambiguas enquanto conceitos são universais e determinados? Além disso, conceitos podem existir sem imagens certas?

David: Isso mesmo. Imagens e conceitos são diferentes então. Faz sentido, já que nenhuma imagem ou qualquer outra sensação pode ter as características do conceito. Errei então.

Aris: Pois é. Apesar de dependerem das imagens, os conceitos são diferentes. Acho, David, que você confundiu os dois pela proximidade que eles tem.

Isaque: Faz sentido mesmo. Isso significa que temos mais que sensações isoladas na cabeça.

David: Isso. Mas como surge o conceito apartir dos sentidos?

Aris: Quando vemos cavalos notamos que eles tem características iguais, que são de todo cavalo. Acho que nossa razão passa a abstrair dos sentidos essas características universais dos cavalos e gera o conceito só com o que todo cavalo tem, um cavalo universal.

Isaque: Nesse caso, temos um novo tipo de conhecimento que sugiro que chamemos de  conhecimento essencial, por vir das essências das coisas. Ele combina parte do conceitual e do experimental.

Aris: Isso. Como o experimental, vem da experiência e fala do mundo real. Como o conceitual, é necessário, como o conhecimento de que a molécula de água é formadada por um átomo de oxigênio e dois de hidrogênio. O ceticismo do David quanto o nosso conhecimento da realidade não se sustenta.

  David: Concordo. Mesmo que o conceito dependa da imagem como o significado de algo escrito dependa das letras, que também são coisas  claramente diferentes, como vimos com a palavra "cavalo".

Aris: Entendeu mesmo! Essa é a única explicação para a ordem, e ainda nos diz a direção que devemos ir para achar a ética. 

Isaque: Isso! Cada essência tem características necessárias, de forma que cada coisa tem ordem.

David: Mas eu consigo imaginar um olho, por exemplo, que serve para respirar ou atirar raios. Como isso é possível se essa essência existe?

Aris:  Ai você está caindo de novo no erro de confundir uma imagem mental com o essencial da coisa que tenta entender. Se você entende a essência de um olho, conhece as características dele e sabe que ele não pode fazer essas coisas.

Isaque: Isso. A imaginação não nos permite fazer mais do que simular a aparência de algo.

 David: Mas como isso gera ética? Você fala de como as coisas são e quer ir pra dizer como elas devem ser? Ai não vejo como, pois parecem coisas bem diferentes.

Aris: Qual a essência de um quadrado?

David: Acho que uma figura com quatro lados iguais e paralelos. 

Aris: Entre um quadrado desenhado todo torto e um desenhado igual esse aqui na folha, qual está mais próximo dessa essência?

David: Nenhum chega a ser perfeito, mas é certeza que esse da folha está mais perto da essência que um quadrado torto.

Aris: Podemos então dizer que esse desenho representa sua essência de quadrado melhor?

David: Podemos então. Ele é um quadrado bom, acho.

Aris: Voltando pro olho então. Um olho que enxerga não representa sua essência melhor que um cego?

David: É claro.

Isaque: Então enxergar seria o objetivo específico do olho?  Pois a essência dele parece ser direcionada a enxergar, de modo que ela é realizada se puder enxergar.

Aris: Isso mesmo! Além de ter uma essência, cada coisa tem um objetivo intrinsico que realiza se nada a atrapalhar. Sem esse objetivo interno, as coisas não teriam direção.

David: Podemos dizer o mesmo dos seres vivos então.  Embora certamente tenhamos muito mais objetivos específicos.

Isaque: Isso. Uma planta saudável, por exemplo, busca fincar as suas raízes na terra e pegar um pouco de luz do sol.  Ela só deixa de fazer isso se tiver algum defeito. 

David: É essa então a forma de de achar o bom jeito de viver: descobrindo os nossos objetivos específicos.

Aris: Exatamente. A felicidade não é um sentimento apenas, mas uma vida correta com um cárater virtuoso. Somente assim podemos florescer como pessoas e ser realmente felizes.

Isaque: Isso é algo revelado claramente mesmo. A felicidade não é possível se você está levando uma vida que não é saudável.

David: Acho que sou um pouco mais hedonista, mas  essa discussão parece ser bem mais importante que política ou epistemologia! Não tem nada mais útil do que aprender a viver bem.

Aris: Isso mesmo. Não acho outra forma de aprender a viver direito do que olhar bem nossa natureza.

David: Temos então um padrão de bom e ruim ou defeituoso com base nas essências ou naturezas das coisas. Mas de que forma isso atinge um nível moral?

Aris: Nos não podemos compreender o que é bom para nós e escolher agir de forma a realizar nossa natureza de forma que nenhum outro ser pode? Eu diria que é auto-evidente que escolhemos o que pensamos ser melhor. A conduta ética é o objetivo da razão prática.

Isaque: Nem sempre, pois é comum fazer algo que se sabe que é errado.

Aris: Digo melhor num sentido mais interesseiro e não necessariamente moral. Um pedófilo sabe que que o que faz é errado, mas ainda acha que não resistir a tentação é melhor de certa forma.

Isaque: Isso sim. Sempre buscamos o melhor para nós e florescer como humanos é melhor para nós, então é irracional não cumprir nossa natureza.

David: Entendi. Realmente podemos escolher florescer como humanos e sempre escolhemos o que pensamos ser melhor. Alguém que escolhe realizar sua natureza é bom e alguém que não escolhe é ruim então. Nossa liberdade é essencialmente uma obrigação natural haha.

Aris: Exatamente. O animal livre é o único com obrigações, hehe.

David: Então temos a obrigação de garantir a nossa saúde física e mental, mas isso parece pouco. Que tipos de obrigações teríamos com nós mesmos?

Isaque: Devemos olhar para nossa natureza. O homem é um ser bem diversificado, então certamente vamos ter várias obrigações.

Aris: Pra começar, devemos observar que temos um pouco em comum com plantas, pois também nós nos nutrimos, crescemos e nos reproduzimos, embora não aconteça em nós como nelas.

Isaque: Isso. Nossos corpos tem sistemas específicos para essas operações e esses sistemas tem objetivos específicos, que apontam para essas operações, exigindo que usemos esses sistemas direito.

Aris: Isso. Nossa natureza revela então desordem em coisas como beber venenos ou estuprar tortas. Esses atos são irracionais, envolvendo usar nossos sistemas de forma contrária a seus objetivos específicos de nutrição e reprodução, respectivamente, então são errados por si só.

David: Mas então algo como cortar o cabelo é errado? Pois seria contra nossa capacidade de crescimento.

Aris: Não acho que seja a mesma coisa, já que o que o corpo faz é produzir cabelo todo o tempo de forma que não possa ser controlado, diferente desses atos que falamos que tem um momento específico que ocorre e podemos controlar. A função específica é produzir cabelo, algo que não é afetado pelo corte. Não sei como produzir o cabelo sem cumprir a função de gerar cabelo, hahaha.

Isaque: Mas somos obrigados a ter filhos? Já que isso realiza nossa natureza.

Aris: O erro estaria em usar as funções reprodutivas de forma que frustre o objetivo dela, algo que não dá pra fazer se não usar. Tem que lembrar que as partes só existem por causa do todo, então você não precisa usar elas se o todo, ou você, vai sofrer.

David: Sim, algo como remover uma parte com câncer entra nisso de sacrificar uma parte pelo todo, suponho.

Aris: Isso.  Além dessas funções, temos o que dividimos com os animais, a sensação e a locomoção. Algumas plantas se mexem, mas não exatamente como nós, hehe.

Isaque: Seria bizarro, hahah.

David: Então algo como remover um dos seus sentidos permanentemente seria desordenado também, acho.

Aris: Seria mesmo. Mas algo como colocar um protetor de ouvido pra dormir seria válido por, como no caso de não ter filhos, se deixar de usar para conseguir o bom da pessoa toda.

David: Mas isso não termina a natureza humana, falta a nossa função que nos separa dos outros seres e que envolve as drogas, o assunto de antes.

Aris: Tinha esquecido desse tema, haha. Sim, o homem é o animal racional, dotado do pensamento racional que nos permite conhecer e alterar o mundo de forma superior aos outros seres.

David: Suponho então que defenda que a razão tem o objetivo de achar a verdade e que utilizar ela de forma destroçada como no caso de drogas seria errado intrinsicamente. 

Aris: Isso, embora algo como dormir seja válido por, além de ser útil para a pessoa inteira, nos impedir de usar a razão, então não poder ser um uso errado. O uso errado da função que é o erro, então não usar não tem problema se preciso.

Isaque: Então você concorda com o David que o Estado deve poder mexer nisso?

Aris: Pessoalmente sim, mas acho que ainda falta refletir sobre a liberdade e o Estado primeiro pra entender direito isso.

Isaque: Falando de direitos então. Já estabelecemos que temos deveres quanto a cuidar de nós, suponho então que tenhamos com os outros. Como você justificaria direitos naturais?

Aris:  Acho que devemos começar do inicio: não nascemos através de outros e não somos criados por outros?

David: Sim. O ser humano depende de outros todos os momentos da vida, revelando sua natureza social. Individualistas como o Isaque estão meio doidos, hehe.

Isaque: Injusto já que não é o tema, seu babaca, haha. Já estabelecemos que ter filhos é algo que nossa natureza almeja, como isso ajuda na questão dos direitos?

Aris: Os pais não tem um interesse natural em passar seus genes adiante?

Isaque: Sim, é o objetivo principal do sexo reproduzir afinal. Isso revela que os pais devem cuidar dos filhos, certo?

David: Isso é claríssimo. Só um louco negaria que um pai, por exemplo, tem algum problema se não quer criar sua criança. Qualquer estudo animal ou sobre nós revela essa verdade tão obvia.

Aris: Nesse caso, é claro que os pais tem a obrigação de criar seus filhos. Os pequenos precisam ser cuidados e educados para poderem se desenvolver. Cuidar de alguém incapaz de decidir as coisas exige autoridade, de forma que os filhos ainda não independentes tem a obrigação de obedecer as ordens de seus pais que não lhes obrigue a fazer nada intrinsicamente errado.

David: Sim. Essas verdades também só são negadas por loucos.

Aris: Mas se A tem a obrigação de dar algo a B, então B tem um direito sobre A. Segue então que os filhos tem o direito de serem criados pelos pais e os pais tem o direito de serem obedecidos pelos filhos.

Isaque: Isso faz sentido. Nesse caso os direitos surgem de deveres, interessante. Somos animais sociais e, além das relações familiares, as relações em geral como de amizade e de trabalho surgem também naturalmente pela dependência que temos dos outros materialmente e emocionalmente. Temos direitos com quem está fora da família também então?

Aris: Temos. Lembra que somos obrigados naturalmente a cuidar de nós mesmos?

Isaque: Sim. Temos a obrigação de cuidar de nós mesmos e de florescer como humanos, significando que temos o direito de agir de forma correta, certo?

David: Como temos esse direito, então temos o direito de receber ajuda? Pois se tenho o direito de me alimentar corretamente e só posso conseguir isso se alguém com comida me ajudar, então tenho o direito de receber ajuda.

Aris: Vocês entenderam! Como tenho a obrigação de fazer o que é certo, tenho um direito de uma boa liberdade e também o direito de ser ajudado a fazer o que é certo se precisar. É muito claro que ajudar o outro a fazer o que é certo é algo bom.

Isaque: Além do direito a liberdade de realizar minhas funções naturais e florescer como humano, acho óbvio que temos o direito a vida, pois ela é necessária para qualquer ação. Segue então que assim como ninguém pode tirar minha vida injustamente, devo receber ajuda para continuar vivo se for necessário.

Aris: Exatamente. O direito a vida é a base para todos os outros, ao contrário das ideias de uns.

Isaque: Mas se o direito a vida vem da obrigação de cuidar da vida e só seres racionais tem obrigações, então bebês não tem direito a vida?

David: Todos os direitos vem de obrigações, então parece que essa conclusão faz sentido. Essa conclusão monstruosa tem que estar errada...

Aris: Quando eu digo que gatos tem quatro patas eu falo de quem?

David: Não fala de um gato só, obviamente.

Isaque: Nem de todos, pois alguns não tem. Isso é relacionado com o assunto?

Aris:  Sim. Não falo nessa frase então algo como: "É natural para um gato ter quatro patas"? Isso não é verdade mesmo que alguns não tenham?

Isaque: Afirmativo.

Aris: E não vimos que é natural para o ser humano ser racional e ter obrigações e diretos? 

David: Entendi.  Assim como ter quatro patas faz parte da essência do gato mesmo deficiente, ter a racionalidade e as obrigações faz parte da do bebê, embora ele não possa usar a primeira nem cumprir a segunda.

Aris: Isso ai. Mesmo que o bebê não possa ser mal por não cumprir suas obrigações, elas estão nele essencialmente, lhe garantindo o direito. Segue então que todo ser humano tem direito a vida, independente de poder ou não usar sua racionalidade natural.

Isaque: Mas eu suponho que haja exceções nos direitos. Como no da liberdade, que é importante para o tema de antes.

David: Se a nossa liberdade se resume ao direito de fazer o que é certo então não somos livres para fazer o que é errado, como tirar nossas vidas ou usar drogas.

Aris: Exatamente isso.

Isaque: Então o governo é obrigado a nos impedir de fazer o que é errado? Isso assusta...

David: Outra conclusão ruim. 

Aiis: Devemos então ver o que é o objetivo do Estado pra ver se ele precisa proibir tudo que não temos direito de fazer. O que nos motiva a ter um líder?

David: No geral é a crença de que isso nos dará uma vida melhor. O homem nasce e morre sob hierarquias, o natural então é o melhor liderar.

Aris: Sim. Então nós naturalmente formamos ordem para dar o melhor para o grupo.

David: Sim. Diferente do que alguns palhaços dizem, o Estado sempre se forma. Mesmo numa tribo ou uma roda de amigos existe uma ordem informal que estabelece como agir. Isso sempre é para garantir o bem do grupo.

Isaque: Você sempre esquece do indivíduo...

Aris: O justo meio entre vocês é a família como base da sociedade, mas fica pra outra hora. Podemos dizer então que o objetivo do Estado é garantir o bem comum?

Isaque: Podemos. Isso significa que ele só deve proibir o que afeta o bem comum?

Aris: Isso mesmo. Não se é possível obrigar alguém a ser virtuoso, só obrigar a agir corretamente e olhe lá. Além disso, fazer todo mundo agir bem é muito imprático, então o governante deve tolerar certos comportamentos se for o melhor para o bem comum.

David: Exatamente isso! Iluminados pensam que podem melhorar tudo com base em teorias, mas a sociedade é complexa demais para isso. Meras ideias não podem nos dizer como agir na política.

Aris: Isso mesmo. As coisas são complicadas, então as vezes um mal tem que ser tolerado para garantir o bem coletivo.

Isaque: Isso significa que você estaria aberto para a legalização de drogas?

Aris: Não por um apelo a uma suposta liberdade para se reduzir a um macaco por diversão, mas talvez sim de uma forma mais utilitária.

Isaque: Entendi. Vamos ver então se isso seria melhor pro coletivo?

Aris: Claro.

David: Finalmente um debate prático por aqui...

Iluminação

 Não quer luz quem dorme. Iluminado, ruim é o despertar. Grogue, não entende ao escutar, A luz não leva a enxergar, Os olhos ela só faz irri...