sábado, 23 de outubro de 2021

Stuart

Lucio: O problema de defender que as diferentes morais provam que não há certo e errado é que o que é certo depende da natureza da realidade e outros fatos. Como os diferentes povos tem diferentes crenças filosóficas, científicas e históricas, acabam interpretando seu senso moral de formas diferentes.

Tomás: Isso é verdade. Fora que as condições históricas, materiais e políticas pros povos são diferentes, então obviamente eles terão diferentes formas de organização.

Murray: Isso, terem várias morais diferentes é compatível sim com uma ética objetiva. 

Roko: Talvez até seja, mas ainda não estou convencido. Qualquer crença minha pode estar errada, então não posso botar tanta fé no meu senso moral. Como posso saber sequer se devo tratar bem meu próximo?

Stuart: Sendo mais técnico, todo povo acha que devemos tratar bem o próximo, a regra de ouro é muito popular. O que muda é QUEM é meu próximo, isso depende de fatores não morais como a origem da ética, a natureza dos outros, as ações dos outros etc. Ao menos quanto ao próximo, você pode ficar certo de que ele deve ser ajudado.

Murray: Com certeza. Alguns selvagens defendem que o próximo é só quem é de sua tribo, alguns loucos defendem que até os animais irracionais são próximos, todos concordam que...

Lucio: Os animais SÃO próximos sim, ué.

Stuart: Exato, selvagem é quem defende os horrores da indústria dos produtos animais.

Murray: Bobagem, não há nada mais idiota do que dizer que um rato é digno de valor.

Tomás, Também não vejo lógica nesse tipo de ideia. 

Roko: Bom, vocês todos acreditam numa ética objetiva mas discordam sobre quem é digno de valor, dois chamam animais irracionais de próximos e dois não chamam. Não ia ser bom discutir isso para ver se essa briga é causada por diferenças filosóficas, científicas ou históricas? Se der pra sabermos ao menos quem é o próximo, não vejo porque ir contra a ideia de uma ética objetiva.

Murray: Parece justo, assim vemos se alguém pode defender ideias tão idiotas assim sem rir.

 Roko: A história da filosofia mostra que qualquer ideia pode...

Lucio: Boa ideia mesmo.

Stuart: Verdade.

Roko: Então quem começa?

Tomás: Eu começo, assim essa questão se resolve logo.

Roko: Certo, nos diga a base da ética e a posição dos animais nela. Se você sair falando besteira, se prepare pra ser corrigido. 

Tomás: Sem problema. Me parece que a ética é gerada por um tipo de pacto social. Para uma sociedade existir nós precisamos de regras, a convivência não é possível sem elas. Como a vida em sociedade é melhor do que viver só, nós seguimos essas regras, cedemos certas liberdades como poder matar ou roubar o próximo para usufruir dos bens que temos ao viver em paz com outros. 

Lucio: Isso parece pressupor que há algum tipo de "estado natural" do homem que, inicialmente solitário, que se junta com outros para formar a civilização. 

Tomás: E qual o problema com isso? 

Lúcio: Esse tipo de pensamento não se sustenta ao pararmos para olhar para as pessoas. O homem precisa dos país para nascer, leva vários anos antes de poder se alimentar sozinho ou se defender de qualquer ameaça, não é capaz nem de falar sem ter antes sido educado e não é exatamente capaz de sobreviver na maioria dos ambientes sem ter ajuda de outros. Como o homem, inicialmente solitário, pode um dia decidir viver acompanhado se só pode realmente existir graças aos outros? Só pode ser individualista ou qualquer outra coisa quem vive cercado pelos outros.  

Stuart: Além disso, ao olharmos para o homem vemos que é uma criatura extremamente dependente dos outros emocionalmente. Boa parte da auto-imagem que temos vem do que recebemos dos outros. Muitas vezes, a forma que nossas atitudes ou ideias são vistas por quem convive com nós define se vamos mudar ou não. Não há possibilidade da humanidade primitiva ter sido tão individualista. 

Murray: Verdade. Todo sujeito nasce no meio de um local específico e de um povo específico. 

Roko: Realmente. Parei de dar atenção pra essas ideias ao ver as crianças selvagens. O homem realmente é social.

Tomás: E se essa história de Estado da natureza for mais um mito? Seria uma história literalmente falsa mas que é verdadeira em outro sentido. Apesar de não criarmos a sociedade, é verdade que a sociedade precisa que obedeçamos certas regras e que costumamos as cumprir porque é melhor para nós. Muitas leis e muitas normas sociais são irritantes ou atrapalham mas são um preço pequeno a pagar pra manter a ordem. Por isso, continuariamos as aceitando mesmo se pudéssemos abandonar tudo para morar no mato.    

Lúcio: Como um mito, é uma ideia que não merece risos, ao menos de cara. 

Roko: Realmente faz mais sentido assim. Por que os animais não teriam direitos nesse caso?

Tomás: Direitos são no fundo obrigações que impomos aos outros. Quando a lei diz que você tem direito a vida, diz que tenho a obrigação de não te matar. Aceito isso mas exijo o mesmo: você não pode me matar também. Como os animais irracionais não podem seguir regras, não faz sentido dar direitos a eles. 

Roko: É por isso que os bichos não tem valor então? 

Tomás: Isso. É algo bem simples, não sei de onde vem essa bobagem vegana. 

Stuart: Você esquece que há pessoas que não podem seguir regras também por serem incapacitadas, muito pequenas ou loucas. Há também pessoas muito fracas fisicamente, financeiramente ou socialmente e que portanto não tem praticamente nenhuma capacidade de serem problema para os outros ou que podem ser paradas por ameaças, então não faz sentido fazer o acordo com essas para elas não te ameaçarem. Se essas pessoas não podem participar dessa relação reciprocra mas mesmo assim tem direitos, como os animais irracionais não tem o mesmo luxo?

Lúcio: Verdade. A sugestão de que os fracos não devem ter qualquer valor é abominável. Ou se cria alguma distinção entre humanos com problemas e animais irracionais ou tem que aceitar que os outros animais tem valor. 

Tomás: É simples: qualquer pessoas é sujeita a perder suas capacidades físicas, cognitivas, financeiras ou sociais. Como tenho medo de perder algumas e ficar em perigo, aceito não fazer mal aos de fora da reciprocidade sob a condição da sociedade me tratar da mesma forma se um dia eu acabar como eles. Como não tenho risco de mudar de espécie, não estendo essa proteção aos outros animais.  

Stuart: Você realmente não tem esse risco. A distinção entre humanos e outros animais funciona nesse caso então.

Tomás: Então resolvi o problema?  

Roko: Só se essa for mesmo a origem da ética. Se for, ai realmente o veganismo é bobagem.

Lúcio: Que bom então que a ideia é falsa, pois isso de jeito nenhum é a origem da ética.

Tomás: E por que não?

Lúcio: Esse mito no máximo explica porque nós aceitamos perder algumas liberdades nossas ao viver em civilização, mas não explica a origem dos nossos direitos e principalmente deveres naturais.

Tomás: Claro que explica. Nossos direitos e deveres são gerados via acordo, aceitamos ceder a nossa capacidade de fazer mal aos outros em troca deles fazerem o mesmo.

Lúcio: Então o motivo de eu não prejudicar os outros é porque isso me ajuda?

Tomás: Exatamente. Podemos dizer que a base da ética é a auto-preservação. 

Lúcio: Nesse caso, eu não cumpro as leis porque eu devo cumprir as leis, mas porque eu quero algo, vida boa, e seguir as leis é a melhor forma de obter o que quero.

Tomás: Sim, qual o problema? Isso não quer dizer que você deve obedecer as leis?

Lúcio: Você não entendeu. Quando eu quero, por exemplo, ficar bombado, eu devo ir para a academia porque esse é o melhor jeito de ficar bombado. Eu "devo" no sentido que é a ação que melhor atinge meu objetivo. Quando estamos falando de um dever no sentido ético, falamos do que eu devo fazer não porque é algo útil, mas porque é certo. No primeiro caso o que define o "certo" são meus objetivos e no segundo caso o que define o certo não depende da minha vontade, é um fato normatuvo. 

Stuart: Verdade. Essa ideia de acordo só lida com o que é mais racional, é útil seguir essas regras. A ética lida com valores, o que é objetivamente certo, qual conduta é mais nobre. São coisas diferentes.

Lúcio: Exato! Se essa é a base da ética, então a ética não existe, já que em momento algum nós chegamos a falar realmente de valores, só o que é mais útil. Em momento algum surgem deveres objetivos. Só ver que caso a única razão de eu seguir as leis seja isso ser vantajoso pra mim então não há nada de errado em eu descumprir as leis quando sei que não vai acontecer nada comigo. Isso é ridículo, há sim condutas nobres de verdade.

Tomás: Claro que minha ideia gera deveres! Não há nenhuma diferença relevante entre eu e os outros, então se eu defendo que todos tem que obedecer as leis eu também tenho! Logo, um hipócrita não presta e alguém que segue as leis é nobre.  

Stuart: Mas pro seu raciocínio funcionar eu primeiro não teria que ter a obrigação de não ser hipócrita? Sua posição não consegue gerar deveres sem pressupor que ser hipócrita é errado, ela precisa de certo e errado para gerar certo e errado. Como uma posição que depende da ética pode ser a base da ética?

Lúcio: Isso! Fora que nessa posição eu não tenho uma obrigação de defender que todos sigam as leis, eu só faço isso por interesse próprio. Alguém que defende uma guerra de todos contra todos não seria hipócrita ao desobedecer as leis. Fora que sua visão não há um dever de não defender o caos, a maioria das pessoas só não defende. 

Murray: São problemões! Além disso, como uma posição dessas ia ter como diferenciar uma sociedade com leis injustas de uma com leis justas? Se eu preciso escolher entre aceitar as leis ou viver sem regras então praticamente qualquer regra é boa. O individuo que sofra!

Tomás: Não tinha pensado nessas coisas. Realmente, não dá pra defender minha visão.

Murray: Não ia falar nada por concordar que veganismo é besteira, mas não deu não. É uma posição péssima e mesmo sua utilidade aqui não muda isso. O nível de opressão contra o individuo que isso poderia gerar é absurdo.

Tomás: Bom, tenho que concordar. 

Roko: Nesse caso, o veganismo ainda tá sendo debatido. Murray, já que não é vegano não quer defender seu ponto de vista? Se você falhar, ai os veganos podem defender a ideia.

Murray: Beleza. 

Stuart: Parece justo. Então em breve vamos mostrar os males da escravidão do nosso século. Tomara que a abolição seja mais rápida.

Tomás: Não seja tão dramático, haha.

Stuart: Se não posso ser nesse tema, não sei onde posso, hahahaha.

Lúcio: Hehehe. Realmente.

Murray: Bom, eu mostrarei que é um tema bem normal, não é nada de escravidão não. Teve um tempo que fiquei meio que em conflito com minha visão e outra mas achei uma prova da visão correta, então sei que posso defender o certo. 

Roko: Então nos explique sua visão da base da ética e porque ela anula o veganismo. 

Murray: A base da ética é a auto-propriedade, o único direito natural. Sou dono de meu corpo e minhas posses e portanto ninguém pode fazer nada comigo sem meu consentimento. Isso quer dizer que enquanto não perturbo ninguém posso fazer o que quiser, mas se prejudicar alguém sem consenso ai a coisa fica feia.

Stuart: De novo não...

Murray: Algum problema? 

Stuart: Nada, só uns flashbacks. Pode continuar.

Murray: Certo. Como podem ver, a ética tem como base a liberdade, garantida pelo direito natural da auto-propriedade.   

Lúcio: Então está dizendo que a única guia da ética é não matar, roubar e coisas do tipo? 

Murray: Exatamente. Se você não incomoda ninguém, não faz nada de errado. 

Lúcio: É uma ideia estranha e que seria motivo de riso pros antigos. Por que acreditar nisso e como essa ética exclui os animais irracionais?   

 Murray: É simples: o homem é o animal racional. Enquanto outros animais se sustentam usando seus instintos apenas, o homem precisa do uso da razão para planejar, escolher entre opções, argumentar, calcular etc. Só o individuo pode escolher seus meios e fins e o direito da auto-propriedade garante que é o individuo que toma essas decisões, então o direito a auto-propriedade é necessário para que o homem floresça mas não para os outros animais.

Roko: Então temos auto-propriedade porque só podemos florescer se tivermos esse direito?

Murray: Isso. Os outros animais não tem o uso da razão e nem precisam disso, então não tem o direito ou qualquer outro. Segue que não temos o dever de não tornar animais irracionais propriedade e que podemos fazer o que quisermos com eles.

Roko: É, se isso é verdade o veganismo é besteira. Só temos que ver se é.

Stuart: Ou talvez não, os outros animais também demonstram um nível bem alto de inteligência. Não sei se dá pra limitar a razão só pra nós.  

Lúcio: Ai depende do que queremos dizer por racionalidade.

Stuart: Ora, é a capacidade de planejar e de detectar soluções pros problemas, não? Alguns animais como corvos podem fazer coisa assim.

Roko: Bom, se for o caso, só os corvos devem ter racionalidade. Não provaria um veganismo total. 

Murray: Exatamente! E mesmo o que alguns animais como corvos e macacos fazem não prova nada! Até mesmo um computador tem certa capacidade de "planejar" e "detectar soluções" se bem programado e nem mesmo quem defende que a mente humana é um computador defenderia que os de hoje conseguem pensar.

Stuart: E como esses animais fariam os planos complexos que fazem sem racionalidade?

Lúcio: De novo, depende da definição. Você usa o termo num nível muito amplo e que não condiz com o que a maioria dos grandes sábios diria.

Stuart: E o que essas relíquias diriam que é a racionalidade?

Lúcio: A capacidade de transcender os particulares mutáveis e visíveis aos sentidos e adquirir o conhecimento dos universais necessários, eternos e visíveis aos olhos das almas que alçam voo! De subir até os céus e retornar ao corpo entendendo tão bem esse reino inferior que agora voltou a ter a capacidade de declarar com veracidade a natureza das coisas! De obter dessas informações tão antigos e tão novos conhecimentos através do puro raciocionio! Conhecimentos que os sentidos jamais dariam! 

Roko: Então...

Tomás: É, né...

Murray: Do que entendi, concordo.   

Stuart: O que exatamente isso significa? É bonito, mas só.

Lúcio: Quis dizer que a racionalidade é a capacidade de adquirir conceitos abstratos, como "homem" e "mortal", os relacionar em juizos, como "todo homem é mortal", e raciocinar de um juizo pra outro até novas conclusões, como ir de "todo homem é mortal" e "Sócrates é homem"  para "Sócrates é mortal". Era isso que tinha entendido, Murray?

Murray: Um pouco.

Tomás: Agora sim!

Roko: Faz sentido. Como se fala realmente muda tudo...

Stuart: Bom, realmente é mais claro agora. Mas como os animais podem fazer planos complexos sem esse tipo de capacidade?

Lúcio: Apesar de não terem acesso ao universal, imutável e imaterial, os animais tem instintos, sentidos, memória e imaginação. Essa mente mais humeana é muito útil. Com os instintos eles tem inúmeras informações importantes. Com os sentidos ganham o combustível para as outras duas. Com a memória aprendem a associar acontecimentos, cheiros, ações etc umas com as outras. Com a imaginação eles podem construir imagens mentais sofisticadas e construir cenários usando as regras de associação formadas via sentidos e memórias além da tentativa e erro. Eu estou bem longe de negar que os bichos podem fazer bastante mentalmente e quase todo mundo antes de Descartes também negaria.

Stuart: E acha que mesmo sem a razão isso tudo seria possível pra eles?

Lúcio: Sim, mas é uma questão mais empírica. Fora que mesmo que certos animais fossem racionais em algum nível isso não provaria o veganismo total. Falo isso como defensor da ideia.

Stuart: Bom, é verdade. Falando na ideia, Murray, então você está dizendo que pelos animais não serem racionais nós podemos fazer o que quiser com eles?

Murray: Exatamente. Os animais inferiores realmente são propriedade. O homem seria a joia da criação se tivesse sido criado por alguém.  

Stuart: Bom, e se existissem aliens muito mais inteligentes que nós? Eles poderiam nos escravizar também?

Murray: Não poderiam por termos auto-propriedade. Como só tem o direito quem é racional e nós somos, ninguém pode fazer nada com nós sem consenso.

Tomás: Tinha entendido assim mesmo. A capacidade racional é então como uma linha: se atravessou tem o direito e pronto. 

Murray: Exatamente. Assim que é de natureza racional, é iguais aos outros. Não importa o nível de racionalidade. Da mesma forma, quem está abaixo não é diferente das outras propriedades. 

Roko: Isso faz sentido. 

Stuart: Voltando a base, então o motivo de termos esse direito é que ele protege o uso da razão e assim garante nosso florescimento?

Murray: Isso. Ninguém pode prosperar sob o jugo da coerção e a auto-propriedade a barra, então temos esse direito. 

Stuart: Bom, Murray, é fato que todo ser humano precisa de comida e água para sobreviver e prosperar, isso significa que comida e água são direitos?

Murray: Jamais. Direitos positivos serem direitos naturais seria literalmente socialismo! Os únicos direitos são os que chamamos de negativos, como direito de não ser roubado, morto, agredido etc. A auto-propriedade garante só esses direitos, embora você possa ter "direito" a comida e água se morar numa comunidade privada onde essas coisas são garantidas por contrato.

Stuart: Então o fato de alguma coisa ser necessária para o florescimento do homem não garante que essa coisa seja um direito natural? 

Tomás: Entendi! É uma falha e tanto na argumentação...

Roko: Realmente.

Murray: O que?

Lúcio: Se não deu pra entender, responda a pergunta.

Murray: Bom, certo. Algo ser necessário para florescermos não nos dá direito nenhum, ou algum estadista podia defender que temos o dever de pagar aulas pra todos ou sustentar museus. 

Stuart: Então a auto-propriedade ser necessária pro nosso florescimento não nos dá o direito a auto-propriedade, certo? Dizer o contrário é abrir espaço pra exigências bizarras dos "estadistas", não é?

Murray: Oh...

Roko: Nesse caso, tem que ter outro motivo pra acreditarmos em auto-propriedade. 

Murray: Então eu tenho outro: sem a auto-propriedade, essa conversa ia ser impossível!  

Tomás: Esse é interessante, explica ai.

Murray: É simples: ou existe a auto-propriedade, ou toda a humanidade é dona de todos os corpos ou ninguém é dono de nada. Só existem essas três opções e a única válida é a auto-propriedade.

Roko: Eu consigo pensar em outras opções, mas acho melhor deixar pra discutir isso se precisar. Por que dessas opções só a auto-propriedade funciona?

Murray: Imagine que toda a humanidade é dona de todos os corpos: nesse caso, pra fazer qualquer ação uma pessoa precisaria ser autorizada por todas as pessoas que existem no mundo. Isso obviamente é impossível e portanto toda a humanidade já teria morrido, então essa opção não é a certa. Agora imagine que ninguém é dono de nenhum corpo: nesse caso, como ser dono de algo é ter controle de algo, ninguém teria como fazer nada e portanto não ia poder se mover, outra vez causando o fim da raça humana. Como podem ver, só a auto-propriedade garante a vida.

Stuart: O argumento contra o primeiro ponto de vista é interessante, se bem que acho que ninguém acredita nisso. Mas esse contra o segundo...

Murray: O que tem de errado?

Roko: Também queria saber! Como exatamente esse argumento falha?

Stuart: Bom, Murray não é vegano e portanto não acha que os outros animais tem auto-propriedade, certo?

Murray: Obvio. Como esses seres teriam qualquer direito sem terem racionalidade?

Stuart: E eles morreram todos?

Murray: Não.  

Stuart: Exatamente. Isso porque ter propriedade sobre algo não é ter controle no sentido de ter a capacidade de usar algo, um bandido tem a capacidade de usar um carro roubado mas não é o proprietário. Ter propriedade sobre algo é ter o direito de usar esse algo, o dar, o vender etc. É verdade que não daria pra vivermos sem ter a capacidade de usar nossos corpos, mas isso não prova o direito de propriedade sobre os corpos. 

Lúcio: Entendi. Temos auto-propriedade no sentido de que conseguimos fazer o que quiser com nossos corpos mas o argumento não prova que temos auto-propriedade no sentido de termos o direito de fazer o que quiser com nossos corpos. 

Stuart: Isso. Nesse caso, o argumento falha, já que não prova que esse tal direito exista. 

Lúcio: É verdade. Murray, tem mais alguma defesa da auto-propriedade?

Murray: Não diretamente. Mas de que outra forma podemos condenar as maldades feitas pelo Estado já fazem milênios sem esse direito?

Tomás: Não é justamente esse o assunto? Qual ética é a verdadeira?

Roko: Verdade. Como não tem nenhum motivo direto pra acreditar em auto-propriedade acho que dá esquecermos disso pra mudarmos de ataque ao veganismo pra defesa da ideia, não é?

Murray: É impossível essa ideia ser certa, mas tudo bem. 

Tomás: Então qual dos dois vai começar a defender qual a base da ética e como isso garante direitos animais?

Lúcio: Pode ser eu mesmo. Vai ser divertido.

Stuart: É uma boa.

Roko: Então pode começar. Vamos ver se o lado vegano ganha.

Lúcio: Certo. Eu pergunto então: qual a cor dessa parede?

Murray: O que é que uma coisa tem com a outra?

Lúcio: Tudo. Como dissemos antes, a ética certa depende de vários outas outras verdades metafísicas, históricas, mentais etc, não é algo que fica flutuando no meio das outras verdades sem conexão com elas. 

Tomás: Então o papo sobre a parede é para corrigir erros que fazem o veganismo difícil de aceitar.

Lúcio: Isso. Me parece que a separação entre nós e os outros seres conscientes vem de idiotices na área da metafísica e quero as corrigir.  

Murray: Entendi. Acho difícil qualquer coisa nessas especulações ai serem relevantes mas pode continuar.  

Lúcio: Então pergunto outra vez: qual a cor da parede?

Roko: Branca.

Lúcio: Essa cor é uma qualidade da parede em si?

Roko: Não, é como seu cérebro processa as coisas mesmo. A parede por si só não tem cor, sabor, textura etc, isso vem de nós. A própria ideia de parede vem de você, o que existe é um conjunto de partículas vistas pela sua mente como uma coisa só.

Lúcio: Entendo. Mas eu só percebo qualidades como a cor, formato, textura, dureza, cheiro etc. Está dizendo que por trás dessas qualidades há alguma coisa indetectável e que nem tem as características que eu vejo?

Roko: Parece estranho, mas sim. É o que chamamos de matéria. 

Lúcio: E o que exatamente é essa matéria? Como ela é?

Roko: É uma pergunta difícil. Acho que a matéria é algo que ocupa determinado espaço, que está numa área específica. 

Lúcio: Certo. Nesse caso, essa matéria então é algo que não tem as qualidades que meus sentidos mostram?

Roko: Isso. As qualidades como cor, cheiro, sabor etc não podem ser objetivas porque são variáveis demais. As coisas podem parecer de uma cor pra uma pessoa e de outra cor pra outra ou coisas assim. Segue então que a matéria só pode ter as qualidades objetivas que podem ser mensuradas e analisadas cientificamente, como massa, velocidade, número, peso, formato etc. 

Lúcio: Entendo. Então você concorda que essa matéria não é observável? Já que só vemos qualidades chamadas subjetivas e mesmo as objetivas não podem ser  totalmente abstraidas das subjetivas. 

Roko: É verdade que não dá pra ver a matéria, mas ela obviamente existe como substância por trás das qualidades.

Stuart: Ai já é muita especulação. Dá pra afirmar com certeza que temos sensações e que, se nada mudar, vamos ter sensações parecidas ao fazermos as mesmas coisas, só isso. Dizer que existe algo além do visto empiricamente é demais.

Roko: Então o mundo externo não existe? 

Stuart: Dá pra dizer que existe no sentido que há uma ordem sensorial: as sensações que temos são consistentes. Mas dizer que há substâncias vai além dos sentidos.

Tomás: Mas os sentidos também não dizem que as coisas vão ser como antes. Ter mil vezes a sensação de dor ao tocar numa panela quente não sugere por si só que vai acontecer o mesmo no futuro, ao menos os sentidos não dizem nada disso por si só.

Roko: É verdade.

Stuart: Nesse caso, dá para acreditar que vai acontecer outra vez via indução. É um método excelente.

Tomás: Entendo. Mas você não tem justificativa para acreditar nisso sem acreditar em substâncias.

Stuart: Tenho a indução. Confio que o mundo vai agir da mesma forma e sempre funcionou.

Roko: Mas se não há substâncias então como o mundo tem essa ordem? Uma substância é justamente o que une e ordena as características, então do fato de que há essa consistência dá pra justificar a crença em substâncias mesmo sem os sentidos a mostrarem.

Tomás: É verdade. Se substâncias não existissem, não haveria realmente uma razão para as sensações seguirem sempre uma ordem, então acreditar em substâncias seria justificado indutivamente.

Stuart: Bom, é verdade. Faz sentido. 

Lúcio: Então temos que saber qual é a substância que existe. A matéria parece muito problemática. 

Roko: E por que?

Lúcio: Você diz primeiro que tudo que existe é material, incluindo nossas mentes, certo?

Roko: Isso mesmo.

Lúcio: Você também diz que a matéria não tem as qualidades subjetivas cor, cheiro, sabor etc, certo?

Roko: Mas é claro. Qual o problema com essas duas ideias? 

Lúcio: Elas podem ser unidas em um argumento meio estranho, veja: Nada material tem qualidades subjetivas. A mente humana é material. Logo, a mente humana não tem qualidades subjetivas.  Consegue perceber o erro?

Murray: Caramba! 

Tomás: Achei que ia ser outro argumento contra o materialismo, mas isso é interessante! 

Stuart: Entendo. Através dessas suas premissas podemos tirar a conclusão de que a mente humana não tem experiências, tudo que vemos seriam ilusões. Como isso é ridículo, alguma premissa está errada. 

Roko: Pode parecer que sim mas isso claramente é uma limitação atual da ciência, um dia sei que será resolvida.

Lúcio: Se os dados científicos falassem que o materialismo é verdade talvez fizesse sentido pensar assim, mas eles na verdade parecem bem quietos. As premissas vieram da sua opinião filosófica de que por trás dos dados sensoriais há essa coisa chamada matéria que tem só as tais características objetivas. Como a ciência pode ajudar se o problema é a incoerência dentro de uma opinião filosófica?

Stuart: Realmente. A ciência pode funcionar com qualquer ontologia desde que essa não resolva negar certas coisas como a regularidade da natureza, então ter matéria ou não é uma decisão pro filósofo.

Lúcio: Exatamente. O problema é unicamente o materialismo, as duas premissas materialistas juntas levam a conclusão falsa então uma tá errada. Prefiro eliminar a que diz que a matéria tem características objetivas apenas porque na verdade ela não tem nenhuma, já que não existe.

Stuart: Mas vimos antes que tem que existir uma substância por trás dos fenômenos para a ordem que vemos existir. Se não tem matéria, existe o que?

Lúcio: Bem lembrado. Na verdade, há sim uma substância: tudo que existe é mental. Ao invés de um mundo material que gera a mente, só existe mente mesmo. É o idealismo metafísico.

Murray: Como assim? Você diz antes que tem que existir algo além dos dados dos sentidos e agora que não tem nada além deles?

Lúcio: Não exatamente. Ao invés da substância que ordena as características que vemos ser a matéria, eu estou dizendo que é mente. Eu nego que exista um mundo material além das nossas mentes mas ao invés disso defendo que somos todos meio que parte de uma mente maior.

Murray: Então ao invés de existir um mundo fora de mim só existe a minha mente e outras mentes que me mandam dados pra eu ter sensações?

Tomás: Não faria muito sentido, já que o que separa um ser humano de outro é cada um ter nascido numa data tal e estar num local tal. Essas duas coisas só são possíveis se a pessoa tem um corpo de matéria, que está sob o tempo e o espaço.  Se corpos não existem, então não haveria como separar os seres humanos.

Lúcio: Isso, por isso eu acredito que só existe uma mente que, como quem tem dupla personalidade, está por algum motivo dividida em várias experiências diferentes ao mesmo tempo: cada ser consciente. Ou seja, tudo que existe é Mente com m maiúsculo, e Esse que é dividido em várias pequenas mentes, todos nós. Como temos sensações tão constantes e que não podemos mudar, acreditamos que há um mundo material, mas não há.

Stuart: Então não podemos controlar nossas sensações por sermos um pedacinho isolado dessa mente suprema e não por sermos afetados por um mundo externo?

Lúcio: Exatamente. É como se a mente tivesse essas sensações mas algumas partes delas, nós, as recebesse sem saber de onde e sem poder se comunicar do mesmo jeito. O isolamento é tão grande que o todo do qual somos parte parece algo externo. Não sei o motivo disso ser assim, mas essa unidade de todas as coisas por baixo das diferenças é um tema bem comum das espiritualidades orientais e algumas pagãs ocidentais. Muitos sábios defenderam coisa assim.      

Roko: Certo. Como exatamente isso seria prova de que deveríamos ser veganos?

Murray: É, é bom que uma ideia assim ao menos seja relevante.

Lúcio: Simples: a Mente está dividida em todas as outras consciências que existem e muitos animais tem consciência, mesmo que num nível bem primitivo em alguns casos. Isso quer dizer que, como notado por tantos orientais, nós e os outros seres somos na verdade a mesma criatura. O "eu" que motiva o egoísmo é uma ilusão! Qualquer barreira entre o homem os ditos animais inferiores é quebrada! Comer um bicho é como comer o próprio braço...

Stuart: Isso é verdade! Se essa metafísica é verdade então toda forma de sapiência é parte de um só ser, destruindo a divisão entre sujeito e objeto ou entre proprietário e propriedade. Realmente fica difícil dizer que alguma forma de ser consciente não tem valor quando ele é parte sua!  

Lúcio: Isso. A base da ética é obviamente a inexistência de indivíduos.

Murray: Como assim indivíduos não existem? Negar que há sujeitos é negar qualquer regra que impeça a tirania da maioria. Se só há o coletivo, então não há limite pro voto, tudo pode ser arrancado de seu dono.   

Roko: É uma preocupação e tanto mesmo, como evitar que isso seja usado de forma totalitária? 

Lúcio: O sábio que reconhece a não-realidade dos bens visíveis e também sua relação de igualdade com os outros seres conscientes não é capaz desse tipo de coisa. Ao prejudicar parte de mim buscando alimentar um ego ilusório eu não estou indo contra a verdade e vivendo uma mentira? Os totalitários do século passado eram justamente nominalistas que aceitavam apenas a existência dos particulares e que portanto negavam qualquer lei além dos desejos de seus corpos. Alguém que entende a natureza da realidade não faz mal a nenhum ser.  

Stuart: Bom, realmente é mais provável um sujeito que leva essas coisas ao limite ir eremitar numa floresta do que ir pra política.

Murray: Mas essas ideias não acabariam gerando alguma bobagem comunista de todo mundo trabalhar pelo todo? 

Tomás: Gera no máximo aqueles grupinhos de hippies pacifistas ou comunidades monásticas. Comunismo bem voluntário. É o tipo de coisa que mesmo verdade só influenciaria minorias.

Murray: Assim tudo bem. Não que o veganismo tenha mais poder...

Stuart: Os tempos estão mudando, vocês vão ver.

Tomás: Duvido bastante.

Roko: Também acho difícil. 

Lúcio: Sim, a natureza da realidade nunca motiva muita gente a viver direito, mas estamos em busca do verdadeiro e não do popular, então isso não importa muito. A questão é que o materialismo leva a negação das nossas mentes, então o idealismo tem que ser verdadeiro.

Tomás: E o hilemorfismo? 

Lúcio: O idealismo postula menos coisa, é melhor ser mais econômico.

Murray: Não sei o que é isso ai mas deve ser melhor. Não vejo razão pra rejeitar o materialismo se vamos ficar com esse idealismo. 
 
Lúcio: O que no idealismo é mais absurdo que negar a consciência? 

Murray:  Simples: idealismo é bem bizarro. Por que não aceitar que a nossas mentes na verdade não tem experiências e que o que vemos não é verdade?

Lúcio: E isso é melhor?

Murray: Parece menos absurdo.

Tomás: Claro que esse idealismo é bizarro, mas dizer que é melhor negar que sentimos, ouvimos etc? Ai já é loucura.

Murray: E qual o problema? Ao negar um mundo além dos sentidos e ao negar que somos seres diferentes um dos outros já são duas ilusões. Aceitar o materialismo e negar que há consciência é aceitar uma ilusão a menos. 

Tomás: Não vejo como isso te ajuda... 

Lúcio: Isso. Como dizem por ai, é questão de qualidade, não de quantidade. Uma ilusão só é possível porque temos uma vida mental, então dizer que nossa vida mental é ilusória é dizer que um círculo é quadrado.

Stuart: Isso é obvio. Como todo pensamento parte das experiências, negar as experiências é negar o pensamento.

Murray: Como assim?

Lúcio: O que é uma ilusão?

Murray: É quando você vê ou pensa algo que não é real.

Lúcio: Então uma ilusão depende de eu ter certa experiência ou pensamento?

Murray: Isso, pedras ou coisas assim não podem ser enganadas. 

Lúcio: Então como alguém teria a ilusão de parecer ter experiências mas não ter?

Murray: É só você começar a... bem, tem como... é, não é possível.

Stuart: Se as experiências não existissem seria impossível parecer que as temos. Segue então que não podemos duvidar de que temos experiências.     

Murray: Entendi.

Roko: Realmente só um louco pra negar que experiências não existem, o materialismo é loucura. Mas então porque não defender que as partículas além de serem materiais tem meio que experiências e que quando as partículas se juntam numa coisa só, tipo num animal, essas mini-experiências viram uma única consciência complexa?

Stuart: Como se cada partícula simplesmente tivesse "grudada" nela um tipo primitivo de experiências?

Roko: Isso mesmo! 

Murray: Mas vocês só inventam coisas esquisitas... 

Stuart: Parece desespero pra mim. Se percebe que a consciência não tem lugar num mundo materialista ai se postula que a matéria tem consciência ao invés de largar o materialismo.

Roko: Mas ainda temos que considerar essa opção, não?

Stuart: Bom, é verdade.

Tomás: O problema de considerar essa ideia é que as nossas experiências sempre são unificadas. Quando vou tomar café só tem uma experiência única com cheiro, gosto, calor etc, não trilhões de mini-experiências. Dizer que as experiências das partículas iam se unir é como dizer que se todos os chineses do mundo se unissem do jeito certo eles literalmente virariam uma só mente, haha.

Roko: Mas os grupos e Estados não são uniões de pessoas que formam algo só?

Murray: Só na linguagem! Na prática, indivíduos querem a mesma coisa e se percebem como parte de algo mais, mas não há um ser além deles chamado coletivo, é uma das bobagens dos malditos socialistas! 

Tomás: Enfim... realmente não existem grupos nesse sentido de existir. O Brasil, por exemplo, não tem uma mente própria.

Roko: Sim. Viajei bastante mesmo.

Stuart: Acho que não há nenhuma outra sugestão metafísica, é bom ver então se o idealismo explica a ética, não é?

Lúcio: É bom mesmo. Me parece claro que essa doutrina revela nossa amizade com os outros viventes e o caminho para superar o mutável e chegar ao eterno e imutável, também provando o veganismo, mas vocês podem dizer se há algum erro.

Tomás: Bom, você apontou antes que uma ética não é um bônus que pode ser colado em qualquer visão de mundo e então combinar com o resto, uma ética na verdade é resultado de várias outras crenças sobre o mundo. Por isso, nossas éticas dependerem de crenças que não sustentam valores objetivos é o suficiente para elas não terem força, não é?

Lúcio: Com certeza. A ideia de que podemos dizer como um homem deve viver sem saber o que é um homem, o que é bom para ele e onde ele vive é o tipo de idiotice que só um acadêmico poderia defender. Além de ter uma vida virtuosa, requisito lembrado sempre pelos sábios que ignoramos nessa discussão por conveniência, aquele que deseja saber como viver deve ter um estudo holístico sobre a realidade. Como a casa é incluída na vila, é o conhecimento da boa vida incluído no conhecimento da realidade! Sem o todo, a parte perece...

Tomás: Isso levanta a questão então: de onde vem os valores objetivos no idealismo?

Lúcio: Vem do fato que as distinções que fazemos entre "eu" e "outro" são ilusórias e que o tal "mundo" também é. Não tem sentido usar e abusar de tudo e de todos para alimentar um falso ego, isso seria viver uma mentira.

Roko: É, isso explica porque as pessoas com crenças assim abandonam a vida comum.

Murray: Só assim mesmo pra largar tudo.

Tomás: Sim, se o idealismo é verdade então não dá pra ser autêntico, sincero com si mesmo, e ser hedonista. Mas por que ser autêntico? Dentro dessa filosofia, o que há de errado em agir como se o ego fosse real?

Stuart: Realmente, essa ética parece depender da existência do dever de não mentir pra si mesmo. É como seu pacto social, Tomás.

Murray: Filosofia movida pela vingança! Quem diria!

Stuart: Hahaha.

Tomás: Bom, hehe, isso não é importante. A questão é que nessa metafísica a ética não tem base. Se tudo que há é uma única mente então não há como ela ser a base da ética pois nesse mundo a ética seria a mente dando ordens a suas personalidades. Também não há como a Super Mente receber valores de fora pois só ela existe realmente. Não tem ética objetiva aqui.

Ļúcio: Entendi. Pensei na base da ética ser a natureza humana, a Humanidade que compartilhamos, mas agora vejo que isso exigiria distinções que são ilusórias no idealismo. A divisão entre certo e errado seria maya, útil mas que deve ser transcendida para conhecer a verdade. Nesse caso, o idealismo não é compatível com o normativo e portanto não pode ser o certo aqui...

Roko: Nesse caso, o idealismo não serve para provar o veganismo. Ao menos deu pra aprender coisas interessantes nessa área mais metafísica. 

Lúcio: É...

Roko: Stuart, só sobrou você. Se você falhar, vamos ficar sem saber se o veganismo tá certo ou errado.

Murray: Ou vamos usar a razão e rir disso...

Stuart: Nem um nem outro, vamos todos virar veganos hoje! Agora decidirei a questão.

Tomás: É bom ver essa confiança. Diga então a base da ética.

Stuart: Claro. A base da ética é o sofrimento. Causar sofrimento de forma desnecessária é errado e os outros animais, ao menos os mais complexos, claramente sofrem ao serem confinados em espaços pequenos ou lotados, feridos, mutilados e mortos com métodos brutais, algo que acontece na produção de carne, ovos, leite e outros produtos animais. Fora o impacto no meio ambiente. Como não precisamos fazer isso, então a produção de produtos não-veganos é errada. Se a produção é errada, consumir também.

Roko: Esse é o argumento mais comum mesmo. O do Lúcio é raro de encontrar hoje.  Há também quem defende e quem ataca o veganismo via religião, mas não tocamos nesse assunto. Realmente nossa discussão estava meio afastada das conversas normais. 

Tomás: Com certeza alguns veganos achariam a discussão antes inútil por causa disso. Fazer o que. 

Stuart: Realmente, mas foi uma discussão que tocou em outros temas importantes também, então não concordo com deles.

Tomás: É verdade, deu pra aprender coisas interessantes.

Roko: Isso sim.

Murray: Que estranho terem parado para meio que defender a utilidade do que falamos antes...

Roko: Bom, er, já falamos demais desse tema, vamos voltar ao veganismo: por que acreditar nessa sua opinião, Stuart?

Stuart: Simples: assim como sempre ver o mundo agindo igual nos leva a crer na indução, sempre ver alguém sofrer sem motivo como algo ruim nos leva a crer que sofrer sem motivo é ruim. Se isso é ruim, obviamente é errado causar sofrimento sem motivo.

Roko: É então com essa intuição, por assim dizer, que se vê que somos obrigados a não causar sofrimento sem motivo? Igual o caso da indução?

Stuart: Isso. Assim como um é racional, o outro também.

Roko: Entendi.

Murray: Mas qual a base metafísica desse dever? Você não devia ser o único a poder escapar dessa parte.

Stuart: Eu diria que não preciso disso, uma pessoa não precisa saber a base metafísica da ordem que vê antes de acreditar nela. Essa "intuição" de que esse dever existe já é o bastante.  

 Murray: E por que não posso apelar para esse tipo de desculpa também?

Stuart: Você pode. O problema é que pouca gente diria que a auto-propriedade é algo obvio como a indução. Agora, que é errado causar sofrimento sem motivo é bem mais obvio, então parece provável que seja dado intuitivamente. 

Murray: Só um comunista diria que a auto-propriedade não é obvia!

Stuart: Existirem tantos "comunistas" não mostra que não é algo tão obvio assim?

Murray: Só numa sociedade estadista não é!

Stuart: É difícil achar uma que não seja estadista então. Isso só piora sua situação, pois é algo claramente não-obvio.

Murray: Ou mostra que há algo de errado com a maioria...

Stuart: Isso é bem arrogante.
   
Roko: Na verdade, é um bom ponto até. Muitas culturas faziam, ou fazem, coisas como botar animais irracionais e seres humanos pra lutar brutalmente só pras pessoas se divertirem. Se a ideia de que sofrimento sem motivo é ruim vier por alguma intuição, como isso é possível?   

Stuart: As pessoas não são tão coerentes assim com suas intuições. A chance de ganhar uma vantagem financeira ou social, algum prazer sádico e coisas do tipo podem fazer o individuo ignorar essa sensação de que causar sofrimento é errado. Basta uma ou duas pessoas certas fazerem isso que o resto vai também. 

Murray: Eu digo o mesmo sobre os comunistas, então a auto-propriedade é dada por intuição. 

Roko: Exato, não acho que só um possa usar essa defesa. Salvo coisas como indução, da qual só desocupados costumam duvidar, fica dificil falar de intuições.

Stuart: Bom, realmente é menos óbvio que indução...

Tomás: Fora que termos acesso a essa intuição seria bizarro. Não ia chegar até nós pela análise do mundo ou um silogismo, já que, como você defendeu, não saberíamos a base metafísica da ética. Também não poderia vir dos sentimentos porque eles foran formados por uma história evolutiva bem contingente dos nossos ancestrais. Se um único ancestral nosso tivesse feito uma escolha diferente, nossos sentimentos também seriam diferentes, significando que sentimentos sozinhos não são garantia de verdade.  

Roko: Então essa intuição não poderia vir da razão ou dos sentimentos?   

Murray: Ou seja: não poderia vir.

Tomás: Sim pros dois. Essa intuição não é possível e portanto talvez causar sofrimento desnecessário de animais não seja errado.   

Stuart: É, concordo com vocês de que não consegui provar minha opinião. Mas o veganismo ainda tem que ser aceito por uma questão de prudência.  Não temos provas de que o veganismo é falso, então comer os outros animais pode ser errado ou não. Como não podemos arriscar comer bichos com direitos, temos que ser veganos.

Murray: Como assim? 

Roko: Se você pensa em fazer alguma coisa que acha que tem boa chance de resultar em consequências horríveis é melhor não fazer, já que é irresponsável brincar com a sorte se tudo pode dar tremendamente errado. Acho que é por ai.

Tomás: Isso. Seria como quem aposta todo o dinheiro no jogo. Você pode ficar rico, sim, mas não é esperto tentar pois tem boas chances de acabar sem nada.

Stuart: Vocês explicaram bem. Como os outros animais podem ter ou não ter valor nós não podemos os tratar como sem valor. Quem correria o risco de participar de um genocídio? 

Murray: Entendi. É um argumento insano! Um patrão de sucesso teria que largar tudo com medo do seu filho ridículo, inditoso esquerdista, estar certo...

Roko: Isso foi estranhamente específico mas concordo, é um princípio muito limitante. Se lembrem que existem várias éticas diferentes e que uma contradiz a outra, então é impossível você agir como se todas pudessem ser verdade. Por exemplo, há éticas onde machucar o outro é errado até pra salvar uma vida e há outras éticas onde é obrigatório usar a força para proteger os fracos.    

Murray: Ninguém leva esse pacifismo imbecil a sério, é igual veganismo.

Roko: Não acredito nessas coisas também, mas é algo que o principio pede pra considerar.

Tomás: Mas foi um bom ponto. Se a chance da ética ser verdadeira é quase zero, então não faz sentido ter cuidado para não a violar. Se eu tenho um esquema com o dono da jogatina capaz de garantir a vitória, apostar tudo é uma boa ideia.  

Stuart: Isso mesmo. Só temos que tentar obedecer as éticas que talvez sejam verdade, então o principio não é tão restritivo assim, só prudente. 

Roko: Na verdade pode ser restritivo demais sim, já que não é tão raro assim alguém cogitar éticas diferentes e que levam a caminhos contrários.

Tomás: Fora que o veganismo não é provável para muitos, então muitos não precisam aceitar esse argumento.

Stuart: Bom, realmente é uma questão subjetiva quais éticas parecem verdade. Mas confio que vários que olham para um cachorro ou papagaio no mínimo devem duvidar da ideia desses seres não terem valor.  

Murray: Ou podem olhar para um rato ou pombo e terem certeza...

Stuart: Há pessoas boas e pessoas ruins. Mas não dá para tratar o veganismo como loucura se ele parece aceitável e não há nenhuma confirmação de que a ética certa é outra.

Lúcio: E se houvesse essa confirmação?

Murray: Finalmente voltou? Achei que ia ficar ai refletindo até mudarmos de assunto.

Roko: Não que seja um problema. Quem dera se as pessoas refletissem antes de falar! 

Lúcio: É que realmente fiquei chocado com as informações novas e com a necessidade de largar minha metafísica outra vez. Estava vendo as opções.

Roko: Acha que encontrou algo melhor?

Lúcio: Sim.

Tomás: Hilemorfismo? 

Lúcio: Algo assim.

Stuart: Isso parece interessante. Qual é essa nova cosmovisão que gera uma ética que aparentemente refuta o veganismo?

Lúcio: É simples: Um leão por natureza tem garras e come carne, ser um leão é ter certas características e agir de certa forma se nada atrapalhar. Um leão particular pode não seguir essa tendência mas isso só por algum impedimento interno ou externo, ele vai seguir sua natureza se nada o impedir. O homem também tem uma natureza e portanto há características boas que ele tem naturalmente, as virtudes, e atos que ele naturalmente realiza, os bons. Até algo como a água ou mesmo um próton tem uma natureza específica, mas é mais fácil de entender com animais.

Stuart: Então essa é a base da ética?

Lúcio: Isso mesmo. A base da ética é a natureza humana, não a auto-preservação, a auto-propriedade, a ausência de indivíduos ou o sofrimento. Agora que percebi que o idealismo não é capaz de sustentar a ética por não ver os indivíduos e suas naturezas como reais, vi que ao dizer não pro idealismo eu tenho sim base pra ética, já que eles existem sim.

Stuart: É interessante, mas como isso gera ética? Você tem uma base pro normativo, mas um leão ou próton que age diferente do que pedem sua natureza é defeituoso, não é mau. 

Roko: É verdade, tem que haver alguma distinção entre o homem e os outros seres para haver uma ética.

Lúcio: E há: o homem tem intelecto e vontade. Que o homem pode transcender os particulares e perceber com os olhos da alma a ordem suprema refletida nas diferentes naturezas dos seres de baixo é provado por podermos discutir esse assunto. Que o homem pode decidir obedecer essa ordem quando livremente escolhe ignorar os impulsos e instintos corpóreos e agir com base na razão é provado pela ética ser algo sério e não mera idiotice. Por poder escolher agir bem ou não, o homem pode ter suas escolhas avaliadas e é essa a base da ética, a origem dos direitos e deveres e o caminho para a verdadeira alegria!

Roko: Faz sentido. Ai como os outros animais não tem intelecto e vontade eles não tem direitos ou deveres?

Lúcio: Isso, a ética não se aplica. Assim como pedras ou vento, eles estão abaixo do bom e do mau. Segue então, embora seja difícil de acreditar, que os outros animais podem sim ser usados como objeto.

Tomás: Isso parece mesmo uma boa base pra ética, pensei nisso desde aquela discussão mas não apliquei.

Roko: O veganismo perdeu?

Stuart: Ainda não, falta ver se essa ética faz sentido mesmo.

Lúcio: Realmente. Tragam suas objeções.

Murray: Essa ética não cai na guilhotina de Hume? Veja, você nos diz como as coisas são, fatos descritivos, e dai pula para como as coisas devem ser, fatos normativos. Como esse salto é possível?

Tomás: Sabemos que é possível porque a ética tem que ter base na realidade para ser mais do que besteira, então temos que ir do descritivo ao normativo.

Murray: Acho que sim, mas como saber que é nessa ética em que esse salto funciona?

Lúcio: Simples: não há uma diferença rígida entre o descritivo e o normativo. Cada ser tem uma natureza e portanto dá pra avaliar se é ou não um bom exemplar dessa natureza ao ver se o ser em questão a cumpre. Na estrutura de cada coisa há um padrão, então ao entender o que algo é tem como entender o que deve ser.
 
Murray: Entendi.

Lúcio: Então podemos ir pra próxima objeção.

Roko: Há mesmo natureza humana? Não existem várias culturas diferentes onde as éticas, comportamentos e até desejos das pessoas não combinam com nada na nossa sociedade? Se os humanos fossem como os outros animais, todas as sociedades não deviam ser iguais?

Lúcio: Um monte de argila pode tomar várias formas ou só uma? 

Roko: Várias formas, claro.

Lúcio: Então há várias formas dessa argila ficar mas sempre é argila?

Roko: Isso mesmo, a forma depende do jeito que ela for manipulada mas é tudo igual.

Lúcio: Da mesma forma é o ser humano. Como podemos criar infinitas culturas diferentes há várias e várias formas das pessoas serem, mas são todos humanos. Só ver que um cachorro não vira um de nós mesmo que bem criado.

Roko: Mas como pode ter tanta diversidade? Os outros animais não são assim.

Tomás: Até podem, os bichos da mesma espécie podem ser um pouco diferentes uns dos outros se forem criados em diferentes ambientes, de uma forma forma diferente, dependendo da genética etc.

Lúcio: Sim. Além das diferenças genéticas, o homem é um animal social e político, ele precisa estar dentro de uma cultura para se desenvolver direito e a forma dessa cultura vai mexer em seu desenvolvimento. Cada pedaço de argila começa parecido com outros mas cada um toma sua forma dependendo de quem nele trabalha e assim é com o homem.

Stuart: De fato, a criação é muito importante para um bom desenvolvimento. 

Murray: É isso mesmo. Toda pessoa depende de seu grupo para crescer.

Lúcio: O que mata qualquer individualismo, já que relações voluntárias dependem das não-voluntárias pra existirem.

Murray: Mesmo assim, ninguém é propriedade do coletivo.

Lúcio: Bom, é uma discussão e tanto.

Roko: Entendi a resposta, há sim natureza humana. Podemos ir pra próxima objeção.

Tomás: Essa ideia de que as coisas tem essências é compatível com a teoria da evolução?

Lúcio: Não vejo motivo para não ser, mas se não for então podemos descartar a teoria, já que ela seria incompatível com a ética também e portanto seria absurda.

Stuart: Há algo mais absurdo do que descartar os fatos?   

Roko: Bom, talvez exista uma teoria melhor e nós não saibamos ainda, não podemos descartar essa possibilidade. Newton via sua teoria como perfeita mas ela é bem limitada.

Stuart: É verdade...

Lúcio: Exatamente. Mas não vejo motivo para achar que a teoria não combina com minha metafísica. Tem alguma ideia, Tomás?

Tomás: Sim: de acordo com a teoria da evolução, os seres vão mudando através de mutações genéticas até acabarem virando outras espécies. Se os seres tem naturezas imutáveis, como isso é possível?

Murray: É assim que a teoria funciona? 

Stuart: Não, mas alguns infelizmente a interpretam assim. Simplificando, eu diria que de acordo com a teoria alguns membros de certos grupos de seres vivos acabam tendo mudanças genéticas leves que vão garantir algum sucesso reprodutivo maior e, graças a isso, essas variações vão se tornando mais comuns de uma geração pra outra. Com MUITAS gerações ficando levemente diferentes de uma a uma pelo tempo, uma hora a população de animais já é totalmente diferente do que tinha beeem antes. Então nenhum bicho vira outro não. 

Murray: Isso parece mais próximo da realidade mesmo.  

Lúcio: Isso mesmo. 

Tomás: Certo, mas então como acontece essa mudança de uma geração de uma espécie x para a de uma espécie y?

Lúcio: Bom, para explicar isso eu tenho que introduzir o conceito de acidente. Cada ser é uma substância que possui acidentes, meio que características. Por exemplo, eu sou uma substância e tenho certas características como altura, peso, idade etc. Essas características são os acidentes da substância Lúcio, que é a base deles. Faz sentido?

Tomás: É aceitável. Realmente não existem alturas, cores ou idades flutuando por ai, essas coisas são os acidentes e a substância que liga tudo junto numa coisa só é a base, não é? 

Lúcio: Isso. Vimos isso antes nas agora tá mais definido. Uma substância pode deixar de existir e ser substituída por outra se os acidentes mudarem radicalmente, isso até acontece bastante.  Por exemplo, toda morte envolve uma mudança substancial causada por mudanças acidentais.   

Tomás: Como assim?

Lúcio: Imagine que um homem começa uma greve de fome política mas ninguém liga, era uma causa bem ruim, de forma que ele morre por sua greve. Com os primeiros dias passando ele só tem mudanças acidentais, uma falta desse nutriente e daquele, perda de peso etc. Se essas mudanças continuarem por muito tempo, ele morre e seu corpo deixa de ser um corpo vivo e vira um cadáver, não?

Tomás: Com certeza.

Lúcio: De forma semelhante, de uma geração para a outra um monte de variações genéticas acumuladas se unem a novas e a combinação faz esse ser que vai nascer acabar nascendo de outra espécie. Assim, essas mudanças acidentais acabam culminando numa mudança substancial, de forma que a teoria da evolução não é problema pra minha filosofia. 

Tomás: Caramba! Faz sentido. Não tenho mais problemas com a ideia, você e o Aris estão certos quanto a existência de naturezas. 

Roko: Entretanto isso gera outro problema: como dá pra dizer que há essa mudança entre espécies se não daria pra ver diferença? A olhar o pai de certa espécie e o filho já de outra, você não vai saber diferenciar pois eles são quase iguais sob qualquer teste cientifico possível, de forma que não tem como as espécies serem diferentes.    

Lúcio: Bom, isso no máximo gera um problema gnosiógico mas não ontológico. Não temos tanta capacidade de reconhecer substâncias mas elas ainda podem existir.  

Roko: E como isso é possível?

Lúcio: Não concordamos antes que a ciência não pode nos dizer se substâncias existem ou não? 

Roko: Sim, já que ela não lida com o que não pode ser detectado por nossos sentidos ou equipamentos e substâncias não podem ser vistas. 

Lúcio: Exatamente, só acidentes podem ser detectados pelos sentidos ou equipamentos, as substâncias só são conhecidas pelos nobres olhos da alma. Nesse caso, não é esperado que mesmo caso as naturezas diferentes existam essas confusões devam acontecer? Já que o pai e o filho possuem acidentes parecidos e não detectamos substâncias com nossos intrumentos

Roko: Bom, é verdade. Mas então como o conceito pode ser útil para nós? Talvez substâncias existam mas nós podemos confundir substâncias diferentes. 

Lúcio: É um risco sério, mas em qualquer ramo do conhecimento sempre é possível que estejamos errados então não é um drama só da minha filosofia. O que importa é que podemos diferenciar claramente uma bactéria de um urso ou fungo. Só investigar bem casos difíceis que estaremos bem. Ninguém promete que a investigação é fácil.

Tomás: Realmente. É claro que sempre vai haver situações complicadas, mas claramente existem seres diferentes. 

Roko: Entendi. Não tenho mais nenhuma outra objeção contra a ideia.

Murray: Eu tenho: se ações são boas ou ruins dependendo de se a ação é conforme a natureza humana ou não, então algumas ações, as ruins, não poderiam ser escolhidas por irem contra a natureza. Isso não significa que eu não tenho liberdade de fazer certas coisas por serem prejudiciais a mim mesmo? 

Lúcio: É. 

Murray: Como isso mantem a minha liberdade?

Stuart: Sou obrigado a concordar, parece uma ética bem limitante. 

Lúcio: Olha, poucos olhariam para um suicida ou usuário de crack e sairiam achando bom...

Tomás: A opinião de vocês realmente é controversa demais. Se essa ética dissesse que é errado ajudar os pais ou que é dever cívico dar rasteira em carecas ai eu acho que poderíamos deixar ela pra lá. Quando a reclamação é sobre ela não deixar gente se destruir não tem a mesma força...

Stuart: Justo.

Murray: Essa falta de respeito a liberdade é base prum socialismo, mas já que acham tão controverso então tudo bem fingir que não é um problema por hoje.

Roko: Nenhuma refutação da ideia deu certo, então podemos avaliar se a ideia é verdade. Se sim, o veganismo é falso mesmo.

Stuart: Em compensação, se essa ética não tem razão pra ser vista como verdadeira então vamos ficar sem saber se o veganismo é verdade. Lúcio, por que sua ética é verdade?

Lúcio: Nós partimos da ideia de que algumas atitudes são certas e outras erradas, não foi?

Stuart: Isso, sabemos que existe sim certo e errado e queremos descobrir a base da ética para descobrir quem é o próximo, aquele com valor.

Lúcio: Então há algo como condutas boas e algo como condutas ruins?

Stuart: É claro.

Lúcio: Isso não significa que há então um tipo de padrão para a conduta do ser racional e portanto também um padrão natural que define o que é um ser racional? 

Stuart: Com certeza. Não faz muito sentido existir um padrão objetivo para julgar a conduta dos seres racionais se o conceito de ser racional é algo subjetivo.

Lúcio: Então para que a ética seja verdade o conceito de ser racional não pode ser uma invenção humana mas sim uma natureza real e objetiva da qual fluem normas de conduta que devem ser seguidas pelos seres racionais? 

Stuart: Isso mesmo. Existem sim seres racionais e suas condutas são julgáveis através de padrões gerados por sua natureza racional e não por invenção humana. 

Lúcio: Você me deu o que eu precisava, então. Você admitiu que há pelo menos uma natureza, a racional, e que dela flui padrões normativos, o que os seres racionais podem ou não fazer. Ninguém que acredita que existe certo e errado pode negar essas duas coisas. Mas como alguém pode aceitar essas duas coisas e negar que existe natureza humana ou outros tipos de natureza? 

Stuart: E o que me impede de defender que a categoria seres racionais é real mas que as categorias físicas, químicas, biológicas etc são criações humanas? 

Lúcio: Bom, parece extremamente obvio que coisas como seres humanos, macacos, mangas, fungos, bactérias, água, ouro, prótons etc existem, é senso comum total. Como você já aceita que pelo menos um tipo de normativo existe, por que não concordar com o senso comum e aceitar que essa aparência que o mundo tem de conter inúmeras naturezas diferentes é não uma ilusão mas sim uma revelação de como é a realidade que você recebeu através de seus sentidos e mente?

Tomás: Realmente parece plausível. Sem nenhum motivo bom para tirar as naturezas e o normativo da minha vida, parece inteligente concordar com o homem comum e enxergar esse mundo como cheio de coisas e criaturas diferentes. 

Roko: Também acho aceitável. Essa ética e essa metafísica juntas parecem bem plausíveis. Sem refletir muito ainda, parece que a ideia que há uma ética verdadeira faz sentido sim e uma que parece confirmar que o veganismo é falso. Sendo assim, parece que os outros animais tem sim naturezas próprias que definem o que é bom e o que é ruim para eles mas que confirmam que não são nossos iguais.

Lúcio: Então todos acham que essa é a ética certa?

Murray: Não mesmo! essas ideias de naturezas próprias e que geram padrões destroem a auto-propriedade, nossa única defesa contra a tirania estatal! 

Stuart: Também acho que esse essencialismo pode levar a ideias arcaicas que destroem a liberdade, principalmente a dos animais não-racionais, que seriam objeto se isso fosse verdade.

Lúcio: É, acho que quando temos pessoas tão diferentes não tem como achar algo que agrade todo mundo, nem a verdade!

Stuart: Haha, sim. 

Iluminação

 Não quer luz quem dorme. Iluminado, ruim é o despertar. Grogue, não entende ao escutar, A luz não leva a enxergar, Os olhos ela só faz irri...