quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Luiz

Hans: Não tem motivo nenhum para se querer impedir o chefe de escolher quem ele contrata. 

Stuart: No geral sim, mas não dá pra deixar alguém recusar um funcionário por preconceito ou coisa do tipo.

Hans: Isso seria obrigar o chefe a ter que contratar uma pessoa. A liberdade de associação acabaria.

Stuart: Entre garantir a liberdade para alguns e garantir para todos se escolhe a segunda opção sempre, já que o que é certo claramente é garantir mais felicidade para o máximo de gente. Nem tem o que discutir.

Hans: E o que são esses seus todos se não indivíduos? Tentando ajudar esses "todos" você está é escravizando todo mundo!

Stuart: Como exatamente eu estou escravizando alguém se eu só quero dar oportunidade para mais pessoas? Diz o sábio: "Entre o fraco e o forte, a liberdade escraviza e a lei liberta." Sua liberdade individual é a do indivíduo ser um tirano!

Hans: Você escraviza o indivíduo pois está defendendo que o governo possa escolher quem vai ser contratado. Isso é um socialismo light!  

Stuart: Qual é exatamente o problema com o socialismo então? Se regular causa o bem para mais gente do que não regular, então é pra regular, ué.

Hans: Que bem? Você está desrespeitando o direito natural do indivíduo de autopropriedade, a base para a ética.

Stuart: Usando seu argumento você deve defender o anarquismo também. Nas suas ideias, TODO ato do governo ia ser uma violação desse "direito". Aquele negócio de "imposto é roubo e Estado é quadrilha".

Hans: Sim, é isso mesmo. O Estado só consegue se manter se violar a liberdade individual, logo ele não deveria existir.

Stuart: Você acha mesmo que o mundo seria melhor assim? Imagine o trabalho escravo absurdo, a poluição...

Hans: Num livre mercado, as pessoas escolheriam as empresas cujos serviços mais agradam elas, então esse tipo de coisa seria péssimo para a imagem das empresas e elas perderiam dinheiro. É melhorar ou morrer.

Stuart: Mas você não concorda que se preocupar em dar direitos  aos funcionários e em não poluir seria prejudicial aos lucros? Não atrapalharia a competição? 

Hans: De forma direta sim, mas a imagem positiva faria diferença. Por isso o governo tem que parar de atrapalhar, tudo se ajeita. 

Stuart: Qual o país com mais trabalho escravo?

Hans: Deve ser a China.

Stuart: E qual mais polui?

Hans: China de novo. Engraçado como um canto onde o Estado decide as coisas é essa porcaria...

Stuart: Você acha que as pessoas no geral sabem disso?

Hans: Sabem, lógico. Todo mundo já viu chinês andando de mascara por causa da poluição e trabalhando sem proteção antes.

Stuart: Se todo mundo sabe que a China é tão ruim pro trabalhador e pro meio ambiente, como é que todo mundo compra produto chinês?

Hans: É barato. A China tem menos regulamentação, então o processo é fácil.

Stuart:  Então as pessoas podem gastar com produtos feitos da maneira errada se eles forem baratos?

Hans: Parece ser o caso.

Stuart: E num livre mercado seria mais barato agir como a China?

Hans: Seria sim. 

Stuart: Então os produtos feitos assim seriam mais baratos e por isso as pessoas comprariam mesmo não concordando com essas práticas?

Hans: Parece que sim. 

Stuart: Então o livre mercado não pode garantir sozinho boas praticas! Sem o governo, o capitalismo destruiria os trabalhadores e o mundo ainda mais rápido.

Hans: Mesmo imaginando de alguma forma que é o caso, o governo é injusto por definição. Tem que acabar.

Stuart: Não faz sentido algum existir uma ética que só é boa para alguns e ruim para o resto. Temos todos o mesmo valor, então tem que se pensar no bem estar do máximo de gente possível.

Hans: Você acha que é assim? Nesse caso, é melhor matar todas as pessoas, já que causamos mortes e sofrimento para muitos animais. Ideia idiota.

Stuart: Mas o homem ainda vale mais que os animais. Os bichos só sentem prazeres corporais e nós também intelectuais. Eles tem valor, mas nós podemos ter mais bem estar, uma vida mais prazerosa, então valemos mais.

Hans: Você acha então que qualquer ação que aumente a felicidade como um todo é boa ou que aumente a média de pessoas felizes?

Stuart: A média de pessoas. Se fosse felicidade em geral, bastava todo mundo ter muitos filhos que tudo estaria bem mesmo com quase ninguém muito feliz. Não, todos os homens vivos merecem ser felizes.

Hans: Então você está dizendo que matar pessoas com depressão pode ser bom em alguns casos? A média de felicidade subiria assim. Pior, seria a melhor opção!

Stuart: Não tinha pensado nisso antes, mas talvez. Você também parece acreditar que fazer o certo as vezes é difícil, se quer defender seu anarquismo.

Hans: Sim, mas isso não significa que...

Luiz: Bom dia ae caras.

Stuart: Tá de tarde já. Você fica ai jogando o sábado todo e já perde a noção do tempo...

Luiz: Eu subi bastante no ranking, então valeu a pena, hehe.

Hans: E ai! Você é o Luiz, né? Lembro de ter visto tu rapidamente uma vez. O Stuart falou que cê ficou  celebrando a vida em casa ontem dai tava dormindo.

Luiz: Sim! Lembro de tu. É o Hansueldo, né?

Stuart: Ele prefere mais "Hans", mano. É frescura dele, haha.

Hans: Frescura o que. Fica bem melhor.

Luiz: Vocês me acordaram com essa conversa ai e fiquei deitado um pouco acompanhando.  Começou como?

Stuart: Vimos uma discussão sobre cotas em empresas e ai o Hans quis discutir sobre o assunto. Ele tem a mania de transformar toda conversa de políticas públicas nessas coisas de ética.

Luiz: Sim, sim. Não vejo muito sentido nessas discussões.  A ética não me parece o tipo de coisa que dá pra se descobrir. O lance é se calar diante do que não podemos comentar.

Stuart: Você acha isso, por quê? Quase todo mundo vê a ética como real, não tem como não existir.

Luiz: A ciência é a nossa melhor fonte de conhecimento e ela não tem como comentar essa assunto. Vejo a ética como real, mas acho que ela não pode ser conhecida ou estudada, só vivida.

Hans: Mas isso é parte da filosofia, que lida com esse tipo de coisa. A ciência tem outras questões para responder.

Luiz: A ciência é a nossa forma de conhecimento mais confiável. Se ela não pode falar de uma questão, não sei o que poderia.

Hans: A ciência ser confiável é algo discutível, já que uma de suas ideias centrais é a de que tudo pode ser refutado. A física de Newton não tem a confiança de antes, mas o "Penso, logo existo"  ainda é bem atual e claramente não pode ser refutado. Na verdade, é isso que torna ele confiável.

Luiz: É que a filosofia não usa provas empíricas como a ciência, então parece perda de tempo. Você consegue me mostrar algo confiável que tem como base a filosofia?

Stuart: Que tal a ciência? 

Luiz: Como assim?

Stuart: Assim como o físico precisa da matemática para fazer suas equações, ele precisa tomar como verdade vários conhecimentos que nascem da filosofia antes dos experimentos.

Luiz: Tipo?

Stuart: Bom, o cientista não considera que as coisas que ele vê tem uma explicação? Não considera que os resultados que ele viu se repetem? Não considera que o que ele vê faz parte do mundo real?  

Luiz: Entendo. Mas isso não seria uma área diferente da ética?

Stuart: Seria, mas já mostra que as discussões filosóficas podem ser confiáveis. 

Luiz: Nesse caso darei uma chance pra vocês. Hans, como sua ética funciona?

Hans: De maneira resumida, a ética se baseia no direito a propriedade que todos temos. O seu corpo é sua propriedade, então você pode fazer o que quiser com ele desde que não agrida ninguém.

Luiz: De onde vem esse direito?

Hans:  Veja o mundo em que vivemos. Nele os recursos são poucos mas todos temos necessidades. Isso não nos força a disputarmos as coisas com porrada ou com palavras?

Luiz: Sim. E dai?

Hans: Se eu e você queremos resolver um problema entre nós dois com palavras, não vamos precisar sentar e conversar?

Luiz: Vamos.

Hans: Pronto, ai que está. Quando eu me sento pra conversar com você eu não uso meu corpo para pensar nos argumentos e falar?

Luiz: É o jeito.

Hans: Exato. Nós dois usamos nossos corpos para falar, pensar e até mudar de opinião. Isso significa que no momento que pensamos em debater consideramos que temos controle do nosso corpo, não é?

Luiz: Parece que sim.

Hans: Se pra discutir precisamos ter controle dos nossos corpos, como você pode querer defender num debate que nós não temos controle dos nossos corpos? Seria como você olhar pra mim e defender que é mudo usando palavras. Seria besteira.

Luiz: Entendi. Argumento interessante...

Stuart: É esse argumento que você disse que era irrefutável uma vez?

Hans: Esse mesmo. Antes mesmo de alguém querer defender que a ética da autopropriedade está errada a discussão já terminou!

Stuart: Mas me parece que esse argumento só garante domínio do cérebro e da boca para todos. Isso não garante a "liberdade" que você quer.

Hans: Como eu poderia ser dono de parte do meu corpo e não do resto? Isso seria bizarro.

Luiz: É uma ideia estranha mesmo essa sua, Stu. Mas acho que achei uma falha no argumento.

Hans: E onde seria?

Luiz: O que você quer dizer é que negar a autopropriedade é se contradizer automaticamente, como querer defender com palavras que você não pode falar, certo?

Hans: Isso! Não tem como refutar uma ideia que você já toma como verdade quando vai discutir. Seria como alguém argumentar que, sei lá, significado, intenções, crenças etc não existem. 

Luiz: Imagine dois ladrões que invadem uma casa de noite. 

Hans: Certo.

Luiz: Um desses ladrões estava o tempo todo se perguntando se esse roubo seria errado ou não. Quando eles já estão na casa ele chega a conclusão que aquilo está errado. O que ele faz?

Hans: Tenta convencer o outro a desistir com ele, acho.

Luiz: Isso! Imagina que ele começa a argumentar dai o outro fala: "Você diz que não devemos estar aqui enquanto está aqui?" E então continua o roubo. Isso seria uma boa refutação?

Hans: Não. Sem sentido nenhum isso.

Luiz: E por qual motivo?

Hans: O arrependido defende que é errado eles estarem naquele local mas não nega que eles estão lá, só diz que não deveriam. 

Luiz: Pronto. Da mesma forma, o fato de eu usar meu corpo para discutir não quer dizer que eu não possa argumentar contra a ideia de autopropriedade. Eu não nego que uso meu corpo, apenas digo que não posso fazer tudo com ele.

Hans: Você não é dono total do corpo e o usa? Isso não tornaria errado você usar ele pra defender a ideia que quiser?

Luiz: Mesmo que fosse o caso, eu fazer coisa errada não refuta minhas opiniões. Até o Stalin dizia que a Terra é redonda.

Stuart: Além disso, praticamente toda ética que existe defende que suas ideias podem ou devem ser ensinadas.

Luiz: E tu? Como sua ética funciona mesmo? Nunca prestei atenção nas suas conversas sobre isso com o tio Lucas.

Stuart: Ele concordava comigo antes mas tá evitando falar disso faz um tempo. Mas é o seguinte: o que define se uma ação é boa ou ruim é se ela aumenta o prazer e diminui a dor dos envolvidos ou piora tudo.

Luiz: E por qual motivo o prazer é tão importante para você que é a base da ética?

Stuart: Pra que nós trabalhamos? Para poder ter acesso a prazeres. Pra que nós temos amizades e relacionamentos? Pra poder ter acesso a prazeres. Todos os animais agem dessa forma "Evita a dor e busca o prazer". Não somos diferentes disso.

Luiz: Uma visão meio ridícula de nós, mas, mesmo que seja o caso, por qual motivo isso eleva o prazer ao nível de valor supremo?

Stuart: A ética é feita para gerarmos um mundo melhor e o prazer é o que nos move, de forma que ele é a única coisa que nos motiva por si só, diferente das outras que buscamos para ter prazer. Logo, um mundo melhor, o objetivo da ética, só pode ser um mundo onde existe mais prazer.

Luiz: Pra que eu devo me esforçar para garantir o prazer pra todos, se isso pode diminuir o meu?

Stuart: E por qual motivo seu prazer é melhor que o dos outros? O que você tem de especial?

Luiz: Simples:  ajudar os outros não me ajuda, então eu conseguir o meu prazer é a única razão pra fazer algo.

Stuart: Mas essa seria uma visão errada.  O certo seria garantir o prazer de todos.

Luiz: Ai você toma essa ideia como verdade quando tá tentando provar ela. Seu argumento depende da conclusão que ele defende estar certa pra provar que ela está certa.

Hans: Além disso, mesmo que o prazer seja o que nos move, isso não significa que temos uma obrigação de buscar ele. Pode ser o que nós fazemos, mas ninguém é mal por isso.

Luiz: No máximo seria burro, e olhe lá. Ainda acho essa visão bem errada. 

Stuart: Mas até ai você nem provou que a ideia está errada. É obvio que devemos pensar nos outros.

Luiz: Concordo. Mas suas ideias não sustentam esse principio, então essa ética é bem fraquinha.

Stuart: Isso não significa que ela é falsa.

Luiz: Talvez. Eu não mostrei que não se pode defender a sua ética ou a do Hans, mas nenhuma delas tem algum argumento bom, então pra que eu devo achar que uma é certa?

Hans: Mas a ética dele é bem estranha, então já dá pra rejeitar. 

Stuart: A sua é! Uma ética bizarras dessas...

Luiz: Fazendo um teste então: como a ética de vocês vê, sei lá, zoofilia? 

Stuart: Sem pensar muito, acho que daria pra defender que os animais até podem dar um tipo de consenso. Se eles não sofrerem nenhum dano nem forem forçados deve ser possível ser certo. Mas legalizar teria que trazer mais prazer que dor.

Hans: Animais não tem direitos então teoricamente eles poderiam ser usados pra esse tipo de coisa como qualquer propriedade.

Luiz: Eu retiro o que eu disse. As duas teorias estão refutadas.

Hans: Mas você não  querer barrar um ato não te obriga a praticar ele. Só não é pra usar suas crenças pra querer tirar a liberdade do outro.

Luiz: Eu sei, é que, né, muito bizarro.

Stuart: Isso parece estranho pra você mas pra alguns é normal. Sua intuição pode falhar, então como você sabe que zoofilia é errado?

Luiz: Algumas coisas você só sabe, cara...

Hans: Caramba, o debate fluiu em. Mas ainda acho que deviam esquecer essa cota...

Luiz: Acho também. Esse racismo reverso é triste.

Stuart: É algo bem de boa, parem de exagerar...















Iluminação

 Não quer luz quem dorme. Iluminado, ruim é o despertar. Grogue, não entende ao escutar, A luz não leva a enxergar, Os olhos ela só faz irri...