sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Ricardo

Ricardo: Então você é cristão?

Tomé: Sim, mas eu não sei pra qual lado ir ainda, então estou no que chamo de Cristianismo Humilde e Simples.

Ricardo: Como assim?

Tomé: Eu acredito no básico que praticamente toda denominação crista acredita: Deus existe e se fez homem na pessoa de Jesus Cristo para nos salvar da alienação que nosso pecado causou, nos dando acesso a ressurreição e a Vida Eterna. Não sei ainda se devo acreditar em muito mais do que isso, vou precisar estudar melhor.

Ricardo: Entendi. Mas como alguém tão inteligente como você pode acreditar em algo assim?

Tomé: Bom, a fé cristã sempre teve defensores geniais, as outras grandes também. Embora eu não esteja nem perto dos melhores, eu diria que você não tá impressionado com algo novo.

Ricardo: Vocês não podem estar falando sério, tem milhares de religiões pelo mundo e a dos cristãos está certa!

Tomé: Claro que das várias respostas uma tá certa, a verdade é assim. Numa sala de aula existem várias opiniões e professor não perde sua certeza por isso.

Ricardo: Você não sabe que as religiões são criadas pelos poderosos para poderem fazer as massas aceitarem a dominação? Como pode acreditar em algo assim?

Tomé: Bom, já ouvi isso antes. Além dessa ideia ir contra a origem histórica de quase todas as religiões que me vem a cabeça, uma ideia pode ser usada para justificar o domínio de alguém e ser verdade, então você não pode gritar isso e correr, vai ter que olhar caso por caso e ver se as ideias são verdadeiras ou falsas.

Ricardo: É mesmo? Dá um exemplo ai.

Tomé: Suponha que você tem um filho que começa a te desobedecer dizendo que não precisa te ouvir, você não ia responder dizendo que ele tem que te obedecer porque você é mais velho, é o pai dele, é mais inteligente, sabe o melhor pra ele ou outra coisa assim? Seja o que for, ia justificar a tua autoridade e mesmo assim seria verdade.

Ricardo: Bom, é verdade. Mas nesse caso o pai liga para o filho, mas os lideres não estavam nem ai pro povo!

Tomé: Não só você deve estar pensando em algo que aconteceu diferente como essa distinção parece inútil, mas tudo bem. Suponha que um povo mais avançado A derrote e domine um menos avançado B. Não é tão longe de acontecimentos reais, né?

Ricardo: Não mesmo.

Tomé: Suponha então que 30 anos depois os cidadãos de B comecem um movimento revolucionário e os líderes de A respondam com propaganda demonstrando que a dominação é boa porque os B recebem acesso a tecnologias, oportunidades de negócio, programas de ajuda e conhecimentos novos e como resultado conseguiram grande aumento em qualidade de vida e educação desde que foram dominados, além de hábitos culturais superiores. Lhe parece impossível que a situação de B deu uma melhorada?

Ricardo: É claro que teriam vários problemas sociais escondidos ai, mas sim, dá pra imaginar que a situação de B acabou ficando melhor com a derrota e submissão.

Tomé: Então sabemos que não basta provar que uma ideia sustenta o domínio de alguma classe maligna pra mostrar que ela é falsa, você precisa olhar a ideia em si, porque ela pode ser verdadeira. Outro exemplo comum são os ditadores, alguns países realmente melhoram com eles, mesmo não sendo comum.

Ricardo: Ora, mas a fé é apenas uma criação humana para tentar suportar os medos e fraquezas! O homem tem medo da morte, então inventa uma "vida eterna" onde não existe fim. É coisa de gente com problemas psicológicos! É irracional acreditar nisso!

Tomé: Estranho você ter duas visões contraditórias da origem da religião e ignorar que algumas religiões não tem vida após a morte ou uma vida após a morte bem ruim, fora a dificuldade da vida religiosa dificilmente ajudar a tornar a vida mais fácil, mas ok. Essa ideia também não justifica descartar a religião, já que uma ideia pode servir pra oferecer conforto psicológico e ser verdade.

Ricardo: É? Dê um exemplo!

Tomé: É um exemplo extremo, mas é o que tenho, não esperava ter que responder algo assim: suponha que você está no carro e aproveita pra ouvir a rádio, dai você ouve que a escola do seu filho acabou de ser alvo de um ataque terrorista que feriu justamente os que estavam na classe dele! Todas as rádios estão falando disso, os feridos não são identificados ainda e seu celular tá em casa, então você não pode ligar pra ninguém. Nessa situação você ia estar totalmente perturbado com a chance do seu filho estar entre os feridos, não?

Ricardo: É claro! Ia ser aterrorizante.

Tomé: Agora suponha que no meio do desespero você lembra que seu garoto ama cabular aula e que andava fazendo isso a semana toda, algo que você planejava resolver no dia seguinte. Isso não aumentaria muito a possibilidade dele nem sequer ter ido pra aula e te daria um enorme alívio por aumentar a chance dele não ter sido ferido?

Ricardo: Isso é certeza.

Tomé: Nesse caso, a crença de que ele não foi a aula não ofereceria um enorme conforto ao mesmo tempo que seria a hipótese mais racional?

Ricardo: Sim, seria o caso ai, já que é bem provável que ele não estivesse na escola na hora.

Tomé: Temos ai então um caso onde uma crença oferece enorme conforto emocional e mesmo assim é racional. Como no outro caso, vemos então que dá para uma crença ser confortante e ser extremamente racional ao mesmo tempo, então você não pode dizer que uma crença é irracional SÓ porque ela oferece conforto.

Ricardo: Bom... sim. Mas a religião é criada por invejosos e fracos para poderem fingir que são melhores do que os outros! Ai está a origem desses códigos morais e da ideia de "pecado" e "santidade": é uma invenção de inseguros! E isso só pode ser falso.

Tomé: Bom, além disso revelar ignorância da psique religiosa, me soa inseguro, já que você parece jogar essas coisas do nada, mas ok. Suponha que existe um sujeito que, por razões de baixa autoestima, goste de se vangloriar de ser um dos melhores jogadores de algum videogame especifico e sempre ganhar dos amigos e desconhecidos, até em torneios. Dá pra imaginar, né?

Ricardo: Sim, sem problema.

 Tomé: Sendo o sujeito um dos melhores jogadores do mundo, não é verdade que ele é muito bom ao mesmo tempo que acreditar nisso seja um jeito dele combater a falta de autoestima e se considerar superior aos outros?

Ricardo: É um caso possível sim. Sei o que isso significa...

Tomé: Bom que sabe. Significa que você está errado de novo, já que uma crença pode ser verdadeira ao mesmo tempo que é usada por alguém com problemas severos de autoestima para se sentir superior. Mais uma vez, você não tem motivo algum pra defender a priori que a religião deve ser descartada, você tem que mostrar isso.

Ricardo: Mas em todos esses casos as pessoas tinham motivos pra acreditarem no que acreditavam. O religioso não tem nada disso!

Tomé: Uma opinião bem errada que revela uma boa ignorância. O cristão médio está justificado na sua crença, falo me incluindo.

Ricardo: E como sabe que a sua, ou qualquer uma, é a certa se não tem evidência?

Tomé: Eu acho que depende do que você chama de evidência.

Ricardo: Evidência empírica, testável e falsificável. As religiões fazem afirmações que não podem ser testadas pelo método cientifico, então devem ser aceitas pela fé, sem qualquer evidência, não é a coisa mais irracional do mundo?

Tomé: Concordo que a grande maioria das afirmações das religiões não podem ser testadas pelo método científico, mas e dai? Ainda tem como saber quem está certo nessas questões.

Ricardo: E que jeito você usaria pra responder essas questões se o método cientifico não ajuda? Como saber qual a religião "certa"?

Tomé: Fácil, basta você ir fazendo um processo seletivo: vai estudando as afirmações delas e assim eliminando as erradas até achar a certa.

Ricardo: E como saber qual afirmação é certa ou não sem o método científico? Você não tem como testar nada, então é pura opinião.

Tomé: Então você acha que o método científico é o único jeito que podemos usar pra conhecer a verdade?

 Ricardo: É claro, esse método sempre foi um sucesso desde que começou, não devemos abandonar ele pela fé irracional.

Tomé: Então só se pode conhecer a verdade assim? Só as verdades cientificas existem?

Ricardo: Sim, só o método científico nos diz a verdade, só o que é testável pode ser confiável.

Tomé: E de onde vem o conhecimento de que só as verdades cientificas são verdades?

Ricardo: Como assim?

Tomé: Bom, você diz que só o método científico nos dá conhecimento, isso parece um conhecimento, então você deve ter descoberto isso por algum tipo de experimento, certo?

Ricardo: Não, não acho nem que esse tipo de coisa poderia ser demonstrada por um experimento.

Tomé: Então, isso é porque a ideia de que só as verdades cientificas são verdades e não opinião não é cientifica, é filosófica. Só você proclamar essa ideia já a destrói, porque você está defendendo que existe uma verdade que não é cientifica: que só as verdades cientificas são verdade, seu ponto de vista é auto-contraditório e portanto tá errado.

Ricardo: Enten... entendo. Eu nunca tinha pensado nisso! Quer dizer então que existem verdades além das descobertas pelo método científico?

Tomé: É claro. A própria ciência toma como verdade inúmeras verdades lógicas, matemáticas e filosóficas, além é claro de outros tipos, como que os experimentos que estão sendo usados como evidência pra uma teoria foram feitos mesmo. A ciência não pode provar ou refutar nenhuma delas, porque seu método precisa que elas sejam verdade para funcionar.

Ricardo: A ciência realmente depende da lógica e da matemática, mas como ela depende diretamente da filosofia?

Tomé: Bom, o método científico só funciona se, por exemplo, o mundo segue padrões, tem ordem, já que é esperado que o resultado de um experimento se repita se as condições forem iguais. Se o cientista não acredita nisso, o método cientifico morre.

Ricardo: Verdade, se você repete um experimento e o resultado é outro, alguma coisa tá errada. Realmente o método depende desse conhecimento filosófico e muitos outros, acho que você me ajudou a ver isso melhor, acho que nunca tinha pensado nisso.

Tomé: Sem problemas, é um erro comum. Agora você sabe porque é ridículo ver os chamados "defensores da ciência" atacando a filosofia. Pra começar, isso é uma contradição, já a ideia de que só o método científico nos dá conhecimento é filosófica, como vimos. Além disso, atacar a filosofia é ignorar os conhecimentos metafísicos, éticos, epistemológicos etc que ela nos dá. Fora que jogar fora esses conhecimentos é quebrar as pernas da ciência. Atacar a filosofia é atacar o conhecimento.

Ricardo: Acho que eu entendi então, o método científico só é útil para certas perguntas. Pode começar então a falar de como saber a religião certa, mesmo que eu acredite que todas sejam perda de tempo.

Tomé: Eu recomendaria estudar filosofia, Metafísica, Ética, Filosofia da Mente etc. Ao conhecer a realidade, você já pode descartar as religiões que são incompatíveis com o mundo como ele é.

Ricardo: E você acha que pode dai já riscar da lista algumas religiões?

Tomé: Sim, riscar as religiões filosoficamente erradas já é o suficiente para te deixar essencialmente com só quatro opções: Monoteísmo Genérico, Judaísmo, Cristianismo e Islã. As outras religiões não batem com o que a razão natural nos mostra, ao menos as que lembro.

Ricardo: E o que ela mostra?

Tomé: Pra começar, mostra que Deus existe. Um único Deus criador de tudo, onipotente, onisciente, onipresente, perfeito e ontologicamente separado da criação. Mostra também que o ser humano é dividido entre um corpo feito de matéria e uma alma imaterial, que é imortal e que não reencarna, mas que pode voltar a ter seu corpo se Deus quiser. Também mostra que existe uma lei natural, uma ética objetiva, válida para todos os seres racionais. De todas as religiões, acho que só as três abraâmicas defendem essas três visões filosóficas ao mesmo tempo, é elas ou o Teísmo básico.

Ricardo: Não lembro de cabeça de outra religião além dessas três que afirma tudo isso mesmo. Se isso tudo fosse verdade, essas quatro opções provavelmente seriam as únicas.

Tomé: Exatamente. Dessas quatro eu diria que quem define tudo é Jesus. Cada uma vê Ele de uma forma e a que vê Ele direito é a certa, acho que é a diferença mais importante e que me fez virar um cristão.

Ricardo: Sim, mas você acha que tem algum jeito de provar que existiu um Jesus como o que o Cristianismo enxerga?

Tomé: Sim, eu diria que tem: basta você comprovar que Ele se definia como o Filho de Deus num sentido totalmente único, que foi crucificado por Pôncio Pilatos para salvar a humanidade e que ressucitou dos mortos em glória, comprovando ser quem dizia ser e criando o Cristianismo. Dá pra defender, mas essa parte é mais histórica, então a argumentação é diferente, não existe "prova" no sentido irrefutável.

Ricardo: E você acha que pode comprovar que isso tudo realmente aconteceu?

Tomé: Claro que posso mostrar que é racional olhar pros acontecimentos históricos e acreditar na ressurreição. Um estudo bom da historia de Jesus seria o bastante pra mostrar a racionalidade de acreditar no Cristianismo por ser a melhor explicação do que aconteceu, mas só pra quem esteja disposto a considerar a possibilidade.

Ricardo: "Disposto"? Estava tudo indo bem, mas você vem agora dizer que precisa ter fé pra acreditar nisso, e a fé é algo irracional!

Tomé: Eu não quis dizer dessa forma, falo disposto querendo dizer quem considera possível que algo assim possa acontecer. Se alguém acha que Deus não existe, vai rir da ideia de Deus mandar seu Filho para salvar o mundo.

Ricardo: E então você acha que as crenças do outro fazem diferença?

Tomé: Claro que fazem, bastante. Toda a argumentação histórica vai envolver hipóteses e analise das evidências. O que você acredita vai mudar como você olha pras evidências e as hipóteses aceitáveis ou descartadas de cara.

Ricardo: Sim, entendi, deve fazer diferença mesmo.

Tomé: E como! Você não faz ideia. Se você acredita em Deus e na imortalidade da alma, vai estar mais disposto a aceitar a Ressureição do que alguém que não acredita, já que esse segundo acha que a hipótese "Teve um milagre" precisa postular mais coisas, por isso vai preferir as hipóteses naturalistas. Se alguém acha que essas coisas definitivamente não podem existir, vai rejeitar o milagre de cara e bater o pé insistindo que alguma hipótese naturalista está certa.

Ricardo: Então você acha que a crença em um deus seria necessária pra estudar a evidência?

Tomé: Não, mas ajudaria bastante, já que se você sabe que Deus existe, a probabilidade de um milagre cresce. Fulano só não poderia ser totalmente ateu, ai não tem como ele sequer considerar um milagre como uma possível explicação.

Ricardo: Nesse sentido, não acho que seja possível provar que um deus não exista, embora ache MUITO improvável que um exista. É um tipo de agnoticismo ou ateísmo fraco, acho. Como "ateu" soa mais forte, eu prefiro me achar assim.

Tomé: A grande maioria dos que se chamam assim estão nesse barco mesmo. Geralmente defendem que não tem como mostrar que Deus não existe, mas dizem que não existe motivo pra acreditar Nele, então o teista é irracional.

Ricardo: É o mais racional a se fazer mesmo. A fé é ridícula, só se deve acreditar em algo quando existe evidências.

Tomé: Você vive atacando a ideia de fé, como você define "ter fé" em algo?

Ricardo: Acreditar em algo sem qualquer evidência, ora.

Tomé: Bom, a ideia cristã de fé é bem diferente disso, ela é tão irracional quanto acreditar na promessa daquele amigo seu que é um cara de palavra. Na verdade, ela é mais racional, já que Deus não mente ou falha, diferente do amigo. A fé não é como você pensa, ela fica entre a opinião e o conhecimento.

Ricardo: Como assim?

Tomé: Opinião é o mais próximo do que você chama de fé, se trata de acreditar em algo sem muita confiança ou razão, é mais um palpite. Conhecimento é quando você sabe que algo é verdade porque tem fortes evidências para acreditar nisso.

Ricardo: E de que jeito a fé fica entre os dois?

Tomé: Puxando da memória: "a fé é o fundamento firma do que se espera e a prova do que não se vê". A fé cristã não é como um conhecimento certo porque não só os dogmas envolvem o livre arbitro divino como envolvem temas muito além do nosso entendimento, então não podem ser provados como verdades matemáticas ou filosóficas. A fé também não é mera opinião porque o fiel tem uma razão pra acreditar nela: são as promessas de Deus, que é totalmente confiável. Ter fé em Deus é confiar Nele e em Sua Revelação, assim como alguém confia nas informações de gente mais inteligente e em promessas de gente honesta.

Ricardo: Então ter fé é confiar no que se acredita ser as promessas de um deus?

Tomé: É por ai. Não é conhecimento completo e certo, mas não é irracional.

Ricardo: Pensei que a fé fosse algo que se acredita sem evidência nenhuma.

Tomé: Se você for olhar os discursos dos apóstolos contidos no Novo Testamento e os trechos de cartas apostólicas e Evangelhos onde tentam lidar diretamente com a dúvida, você vê que os cristãos antigos tentavam lidar com ela apontando para evidência para os dogmas da fé. Esse jeito de lidar com a dúvida continuou com os sucessores, essa ideia irracional da fé é bem moderna.

Ricardo: Então, realmente não é irracional acreditar nas promessas de alguém confiável, mas você não acha que pra acreditar nas promessas de alguém essa pessoa tem que existir?

Tomé: Isso é obvio.

Ricardo: Não existe nenhuma prova da existência de um deus, então acreditar na existência de um é irracional. Considerando isso, não tem como ser racional acreditar que algo é a "palavra de deus".

Tomé: Bom, a ideia de que não existe nenhuma prova da existência de Deus é totalmente errada e eu posso mostrar isso depois, mas eu diria que acreditar em Deus seria racional mesmo que não existisse nenhuma evidência.

Ricardo: Como pode ser racional acreditar em algo sem qualquer evidência?

Tomé: Você acha que o cidadão médio sequer pensou seriamente na possibilidade de não existir matéria ou na possibilidade do cachorro dele não ter uma mente?

Ricardo: Não, eu mesmo nunca pensei nisso. Se você chegasse em alguém e perguntasse essas coisas não ia encontrar muito debate, haha.

Tomé: Hehe, sim. Então o cidadão médio nunca deve ter checado se tinha uma prova da existência da matéria ou da existência da mente de seu cachorro, ele provavelmente também nunca precisou que alguém lhe falasse que essas coisas existem, então não acredita por um argumento de autoridade. Agora, é irracional ele acreditar nessas coisas porque não conhece evidência pra elas?

Ricardo: Não é de jeito nenhum. Acha então que a crença em um deus é assim para a maioria das pessoas?

Tomé: Sim. O cidadão médio não passou a acreditar em matéria e em seu cachorro ter uma mente por suas experiências? Ao ver o mundo sólido, uniforme e que ele não é capaz de mudar, ele começa a acreditar que vê algo fora da própria mente. Ao ver o seu animal com algumas expressões e jeitos de agir ele começa a acreditar que existe uma mente ali. Não é então por algo como uma intuição que ele tá justificado em acreditar nessas coisas? Um tipo de conhecimento tácido?

Ricardo: Bom, é verdade que são crenças totalmente racionais mesmo que quase ninguém tenha provas delas, acho que também não consigo pensar em um jeito de provar elas.

Tomé: E como então você pode acreditar nessas coisas graças as suas experiências pessoais mas o cidadão médio não pode acreditar em Deus graças as suas experiências pessoais?

Ricardo: Mas todos acreditam nessas coisas que eu acredito, como você quer comparar com a crença em um deus que tem tanta discussão?

Tomé: Não é bem assim, muitas pessoas, especialmente em lugares como a India, acreditam que a matéria não existe, e alguns como o Descartes não acreditavam que os cachorros tivessem mentes, então a comparação não funciona.

Ricardo: Mas esses pontos de vista são minoria total, é diferente da questão da religião.

Tomé: Você não concorda que é verdade que a grande maioria das pessoas que já existiram acreditou em algum tipo de força maior? O Ateísmo não é uma minoria na população mundial e não era irrelevante em quase toda a história humana?

Ricardo: Bom, é verdade que o Ateísmo não é a posição média do ser humano, é uma minoria histórica sim.

Tomé: Então você não pode apelar pra popularidade dos seus pontos de vista pra dizer que eles são racionais e o Teísmo não. Parece claro que o homem, assim como tem naturalmente uma noção da existência do mundo externo e de outras mentes, tem um tipo de noção da existência de Deus. Assim como as duas primeiras noções são bem básicas, dando pouco conhecimento da natureza da matéria e da natureza das mentes caninas, a terceira noção dá pouco conhecimento da natureza divina, por isso toda essa variedade nas crenças.

Ricardo: Você acha que todos tem algum tipo de noção da existência de um deus? Um tipo de Sensus Divinitatis?

Tomé: Sim, a falta de popularidade do ateísmo diz isso, fora que o apóstolo Paulo fala de algo do tipo no começo da Carta aos Romanos.

Ricardo: Acho que já ouvi falar disso. Ele diz que todos sabem que um deus existe e se recusam a aceitar, não é? É totalmente imbecil.

Tomé: Esse é um jeito de interpretar o que ele escreveu, a ideia de que isso era em relação a todo infiel individual. Outra interpretação é a de que ele falou dos pagãos de um jeito mais coletivo, não individual. Acho que a segunda interpretação combina melhor com o texto e com a realidade. Mas de qualquer forma, ele concorda que existe nos humanos algum tipo de tendência a acreditar em algo superior.

Ricardo: Se existe qualquer tendência a acreditar em um deus, porque tanta diferença então? Era pro Monoteísmo ser comum, mas a religião sempre surge através do Animismo, evoluindo então para o Politeísmo e só então pro Monoteísmo.

Tomé: Bom, Paulo nos diz claramente que o homem rejeita Deus e cria deuses diferentes, então o Politeísmo não seria um problema. Outra resposta é que essa tendência pode ser bem fraca, só nos direcionando à crença em algum tipo de poder superior. Outra coisa é que essa hipótese evolucionista da religião não bate tão bem com a evidência.

Ricardo: Mas Paulo diz no texto que a existência e a divindade do deus é algo visível para todos, então deveria ser comum
 no homem algum conceito de um deus supremo e invisível. E qual hipótese é melhor então?

Tomé: É verdade, o texto do apóstolo realmente leva a esse conceito de Monoteísmo Primitivo, o que eu acho que bate com a evidência sim. Essa hipótese é a de que o Monoteísmo é a fé original dos povos "primitivos" e que as outras são meio que corrupções dela.

Ricardo: E você acha que pode provar que o Monoteísmo surgiu primeiro?

Tomé: Como provar esse tipo de coisa? Estamos falando de dezenas de milhares de anos atrás, antes mesmo da escrita, então o máximo que podemos fazer é levantar uma hipótese mais provável, e eu acho que a hipótese do Monoteísmo Primitivo é boa sim. Por exemplo: se a hipótese evolucionista fosse verdade, praticamente nenhum povo "primitivo" seria monoteísta ou próximo disso, o que não é verdade.

Ricardo: Você pode então citar exemplos de povos indígenas monoteístas?

Tomé: Claro, mas eu acho que primeiro é bom nós fazermos umas distinções. Talvez a separação que fazemos entre Politeísmo e Monoteísmo não faça sentido para a maioria dos povos e tal. Por exemplo, você quer dizer o que quando diz a palavra "deus"?

Ricardo: Eu diria que essa palavra significa um ser invisível, eterno, onipotente e criador do mundo. Geralmente é isso que a palavra quer dizer.

Tomé: Sim, mas a maioria dos deuses, especialmente no Politeísmo, não são assim. Um deus para muitos povos seria um ser sobrehumano com alguma função cósmica, certo? Thor ou Apolo não batem com a sua descrição, mas batem com essa.

Ricardo: É verdade, tem alguma diferença?

Tomé: Sim. Pega por exemplo o Candomblé: eles acreditam num Deus supremo e criador de tudo mas que é distante, a interação é com os Orixás, que são seres criados por ele. Se você usa a primeira classificação de um deus, essa religião é monoteista, mas se usa a segunda, é politeísta. Consegue ver a confusão que isso pode criar?

Ricardo: Acho que entendi. Um antropólogo podia perguntar aos nativos quantos deuses eles tem pensando em um conceito de deuses e os nativos responderem pensando em outro. Isso realmente gera confusão, como no caso do Candomblé.

Tomé: Isso. Monoteísta seria aquele que define "deus" da primeira forma e acredita na existência do Deus supremo. Henoteístas e politeístas definem "deus" da segunda forma, com a diferença entre o numero de deuses que cultuam.

Ricardo: Sim, essas definições diferentes sobre o que é uma divindade poderiam causar problemas sérios pra entender as religiões mesmo.

Tomé: Outro problema relacionado a esse é a prática. O Catolicismo é monoteísta, mas muitas ações de católicos envolvendo os santos confundem muita gente. Da mesma forma, muitas tribos tinham algum tipo de veneração de ancestrais ou de certos seres mágicos e rituais para ganhar coisas que eram confundidas com práticas genuinamente politeistas. Essas são umas coisas que eu acho importante falar antes.

Ricardo: Sim, entendo.

Tomé: Outra coisa importante é que antigamente era muito comum na Europa aquelas noções de um tipo de escala evolutiva que as sociedades passavam, aquele negócio de Progresso, tipo no Marxismo e no Positivismo, dividindo assim as culturas mais avançadas e as menos avançadas. Junta isso com o racismo, e não era incomum pesquisadores negarem que os povos tribais eram monoteístas mesmo com os relatos de pesquisadores.

Ricardo: E como eles negavam os relatos?

Tomé: Lembrando de cabeça acho que alguns defendiam que como essas ideias eram muito avançadas deviam vir dos missionários, que interpretavam errado ou que acabavam tentando corrigir as tribos.

Ricardo: E qual o problema nessa ideia?

Tomé: Dizer que os casos de Monoteísmo eram enganos é ser enviesado, como assim eles só erram ao darem as respostas que eu não quero? E os índios geralmente eram bem conservadores, especialmente na Austrália, então eles não iam jogar suas culturas fora, até escravos tentavam manter. Fora que algumas mitologias envolvem o Deus cometer erros ou ter família, coisa que nenhum missionário deixaria de corrigir.

Ricardo: Entendi então, realmente parece uma resposta fraca.

Tomé: E é, acreditar em tribos monoteístas era dizer que esses "selvagens" eram capazes de pensamento complexo, então não era exatamente permitido.

Ricardo: Era algo comum mesmo eles subestimarem outros povos, fazia parte da ideia do colonialismo, tinham que justificar isso de algum jeito.  Tem então alguns exemplos de povos mais "primitivos monoteístas ou coisa do tipo?

Tomé: Um fácil são os Tupi daqui, eles acreditavam num Deus supremo chamado Nhaderuvuçu, que criou tudo, incluindo os outros deuses. Assim como os candomblecistas, dá pra chamar eles de monoteístas, eles tem um Deus e alguns seres superiores aos humanos.

Ricardo: Lembro de já ter ouvido falar disso antes. Muita gente não saber disso mostra o quanto esse tipo de coisa confunde.

Tomé: Sim, é um exemplo bom do trabalho que é entender as tribos. Indo agora pra América do Norte, temos os Yuki, tribo norte-americana beeem primitiva, com um Deus supremo chamado Taikomal que criou a tudo e onde iam as almas das pessoas quando elas morriam. Temos os Maidu, com um Deus supremo chamado Wonomi. Temos ainda os Anishinaabe, os Algonquinos e outras tribos que acreditavam num Deus supremo chamado Gitchie Manitou, embora pareça que outro ser chamado Nanabozho seja o criador do mundo da forma que está, variava dependendo da tribo.

Ricardo: Acho que conheço uma tribo ou outra pelo nome, o conceito do Grande Espirito é algo que em algumas parecia bem monoteísta sim. Além das Americas, você tem algo na África?

Tomé: Sim. Além dos Yorubas, que são a origem do Candomblé, tem os Quicuios e Kambas: Do Quenia, acreditavam num Deus supremo chamado N'gai, que criou tudo e pra quem eles oferecem sacrifícios debaixo de uma arvore.  Tem os Maasai: Tribo do Quenia que só tem um Deus supremo e distante, chamado Enkai. Esses são só alguns, alguns pesquisadores defendem que os africanos foram muito mal interpretados nisso, fora o resto, por causa do racismo e colonialismo.

Ricardo: Os africanos sofreram bastante com serem subestimados. Reinos como a Etiópia ou a Somália não eram pobres antigamente.

Tomé: Verdade, é impressionante a diferença entre esses povos uns 200 anos atrás e hoje! A história é meio complexa mesmo, é um tema bem interessante e cheio de erros coloniais que são espalhados até hoje.

Ricardo: Mas voltando ao assunto, você conhece tribos monoteístas na Austrália? Era uma lugar bem isolado, então é um bom lugar pra procurar quando se busca a origem de algo do tipo.

Tomé: Conheço algumas. Tem por exemplo os Narrinyere, aborigenes que acreditam num Deus invisível chamado Nurrundere, que criou tudo e lhes ensinou todos seus ritos e lhes deram ferramentas e armas. Tem os Gunai que acreditavam num Deus supremo chamado Mungan-ngaua, que lhes ensinou tudo que sabiam e tinha um filho chamado Tundun, que se tornou o ancestral dos Gunai. Mungan acabou se enfurecendo com o povo por revelarem seus segredos às mulheres e provocou um dilúvio que matou muitos, indo morar no céu em seguida.  Tem tribos como Kammirou, Eora e outras que tinham um Deus chamado Baiame, que criou tudo, incluindo as leis e cultura, e era tão sagrado que só os homens e meninos iniciados podiam saber dele. Esse tinha mulher e filhos, mas ainda é próximo do conceito de Deus mais comum.

Ricardo: É bem estranho ver que nessas tribos as mulheres nem sequer podiam conhecer a religião direito. Situação complicada essa que as mulheres tinham nessas tribos.

Tomé: É uma tradição nojenta mesmo, igualdade não é exatamente algo comum em caçadores-coletores, mesmo que alguns neguem. Isso é uma atitude tão não cristã que destrói a ideia de que isso vem de missionários.

Ricardo: Os missionários também não iam gostar de um deus com mulher e filhos. Fora que anciãos que levavam a religião tão a serio que não a compartilhavam com as mulheres dificilmente iam adotar a religião dos estrangeiros. A hipótese
 de que essa religião veio dos missionários é fraca mesmo.
  
Tomé: Sim, pois é, é uma ideia bem ruim. Outro exemplo de povo beeeem primitivo é o dos andamaneses, que são nativos da ilha Andamão, fica perto da India. Se não tô enganado, acreditam num Deus chamado Puluga que é invisível e criador de tudo e que, depois de ter suas leis desobedecidas pelos homens, parou de visitar os homens e deixou um dilúvio que matou todos, exceto dois casais.

Ricardo: É, me parece bem monoteísta. Isso do dilúvio poderia animar alguns, mas não precisa de tanta criatividade pra esse tipo de historia, então não acho que isso prova alguma revelação divina.

Tomé: É verdade, pode ser coincidência. Já que estamos perto da Índia, um ultimo exemplo legal seria os Os chineses na Dinastia Shang, coisa de mais de mil anos a.C, que provavelmente acreditavam num Deus supremo chamado Shangdi, que eventualmente foi fundido com o Tiān ou Céu alguns séculos depois na Dinastia Zhou, acho. Conceitos ateus, panteistas e outros surgiram na China com o Budismo e o Taoismo, mas essa visão de Deus ainda existe na China, mesmo com confucionistas dizendo que a visão cristã é um pouco diferente da deles.

Ricardo: Caramba, foram bastante exemplos, só conheço alguns. Imaginando então que a crença no Monoteísmo é normal nas sociedades caçadoras-coletoras, por que o Politeísmo é comum em sociedades com agricultura?

Tomé: Deve ter vários motivos possíveis e é difícil dizer os comuns, são MUITAS sociedades, mas o primeiro deve ser logístico: pense ai em como a vida é para caçadores-coletores, é uma vida que dá trabalho, toda comida tem que ser caçada, então arranjar oferendas para deuses provavelmente nem passaria pela cabeça do sujeito comum numa sociedade dessas. Fora que ter vários altares e objetos especiais quando você tem que se locomover pra outros cantos bastante ia ser imprático.

Ricardo: Sim, povos sedentários teriam menos trabalho pra ter vários deuses mesmo.

Tomé: Outra coisa é o sincretismo, bem comum nos povos politeistas. Quando você começa a ter contato e guerras com outros povos, talvez você não perceba que o seu deus e o deus deles são o Mesmo, ai acaba tentando encaixar as "duas" divindades num tipo de panteão hierárquico que é imposto aos vencidos, como é comum em impérios. Um exemplo perfeito são as evoluções no panteão da Mesopotãmia, que mudava com as mudanças políticas. Nesse caso específico, acho que só os judeus não adotaram os deuses dos seus conquistadores.

Ricardo: É verdade que o contato com vários povos diferentes muda as coisa..

Tomé: Outra provável motivo podia ser que um grupo de caçadores-coletores não tem tempo pra pensar em lidar com muito luxo, então Deus garantir a moral e a unidade já é o bastante. Com povos sedentários, você tem tempo de querer uma ajudinha pra conseguir ganhar um pouco de comidinha, uma mulher, amaldiçoar o outro e coisas do tipo. Como Deus não pode ser subornado com oferendas e não liga pra feitiços e rituais, as pessoas podem abandonar lentamente o culto a Ele e dar atenção para seres espirituais mais "disponíveis".

Ricardo: Sim, acha que os politeistas podiam querer vantagens, então iam atrás dos deuses mais úteis?

Tomé: Isso, vemos isso até hoje, como com católicos brasileiros que nem são politeistas mas tem simpatias com imagens de santos pra arranjar namorado ou coisa assim. As religiões indianas costumam ver os deuses como manifestações do Absoluto ou só seres de reinos superiores e focar em meditação e estudo, embora tenha culto monoteísta lá sim, mas o povo normal parece ligar mais pros vários deuses, é como as pessoas são. Fora que é mais difícil se aproximar de Deus absoluto e distante, então os deuses podem ser mais atrativos no geral para alguém focado na vida prática, longe de abstrações.

Ricardo: Esses motivos possíveis fazem sentido, acho que entendi a sua ideia. Não consigo ver um motivo pra achar que o Animismo é a primeira religião então, não parece que dá pra dizer a origem mais comum dessa crença em divindades.

Tomé: Bom, se essa hipótese do Monoteísmo Primitivo é uma posição aceitável, o apóstolo Paulo não necessariamente errou ao falar do assunto na Carta aos Romanos e a sua objeção contra o Sensus Divinitatis falha. 

Ricardo: Sim, mas o Monoteísmo Primitivo não foi provado, como você disse, então Paulo não necessariamente está certo. 

Tomé: Essa hipótese ser possível já ajuda bastante. Eu diria que assim como existe em nós uma tendência a acreditar na existência do mundo externo e de outras mentes, existe uma tendência a acreditar na de Deus. Assim como é racional acreditar nas duas primeiras, também é acreditar na terceira.

Ricardo: Mas existem teorias totalmente naturalistas envolvendo evolução, neurociência etc que explicam essa crença. Não precisamos supor que essa tendência exista por ser algo que um deus colocou.

Tomé: Existem teorias do tipo que "explicam" como o ser humano constrói a realidade ordenada que vemos. Você também acha que não precisamos acreditar na existência de um mundo real por causa delas?

Ricardo: Não, para uma teoria dessas provar que nossa noção de realidade é falsa teria que mostrar que o mundo é consideravelmente diferente do que vemos ou coisa do tipo, e isso nenhuma fez. Dizer que é possível que nossa noção de mundo real seja uma mentira construída pelas nossas mentes e dar uma explicação hipotética de como a evolução gerou essa visão falsa não derruba nossa confiança na nossa capacidade de conhecer o mundo.

Tomé: Digo o mesmo pra sua tentativa de derrubar a crença em Deus usando explicações hipotéticas dessa crença. Para dizer então que a crença é irracional você teria que provar que Deus não existe, só ai sua explicação naturalista das crenças religiosas deveria ser aceita.

Ricardo: Mas então a crença em deus pode ser racional só com base em experiências? Sem provas?

Tomé: É.

Ricardo: E o que impede o mesmo com crenças como terra plana, minotauros, duendes ou coisas do tipo?

Tomé: O cidadão médio tem um conhecimento bom da natureza da linguagem ou mesmo do português?

Ricardo: Não, bem longe disso.

Tomé: Mas se eu chegar e falar "ai negiu ma inganinua" ele não saberia que isso não significa nada mesmo sem saber exatamente o que é significado e o que faz algo ter significado?

Ricardo: Saberia sim.

Tomé: Exatamente, então mesmo sem um critério definido, o cidadão médio sabe separar as frases com significado das besteiras. Parece meio óbvio que é a mesma coisa com as crenças. Se você duvida, vai andar por ai tentando convencer as pessoas comuns dessas ideias ai, vai ouvir coisa boa, haha.

Ricardo: Hahaha, imagino. Tem mesmo um tipo de separação entre a crença aceitável e a crença ridícula.

Tomé: Sim, e a tendência é considerar o Teísmo uma delas. A grande maioria das pessoas concordaria, mesmo entre descrentes. 

Ricardo: Nesse caso, o Ateísmo é racional e todas as outras religiões também! Todas essas crenças são aceitáveis também.

Tomé: Sim, não vejo problema nisso.

Ricardo: Mas então como criticar os ateus, os hindus, os espiritas? Todos eles são racionais em suas crenças, então você não pode criticar elas.

Tomé: Não tem nada a ver, basta você dar motivos para o que você acredita ou mostrar que as crenças do outro não são verdade. Não é um relativismo, você pode sem problemas mostrar que uma crença é falsa, ai a pessoa vai ter motivos pra mudar o que acredita.

Ricardo: Então essas crenças são racionais mas podem ser atacadas?

Tomé: É. Se pra alguém algo parece ser verdade e não tem um motivo pra duvidar, essa crença é justificada. Todo mundo sabe que esse é o jeito racional de agir, tirando céticos profissionais. E olha que até eles levam isso a sério para algumas crenças.

Ricardo: Você quer então que eu te diga motivos pra não acreditar em alguma coisa divina?

Tomé: Sim, ai não teria como a crença em Deus ser racional. Se você quer fazer essa crença ser irracional, só provar que Deus não existe.

Ricardo: Não sei se algo assim pode ser provado, mas existem vários problemas nessa crença, então vou te dizer eles.

Tomé: Certo.

Ricardo: Existe muito mal no mundo, certo?

Tomé: Existe sim. Imagino que você vá falar algo como: "Se o tal deus é onisciente e não pode parar o mal, não é onipotente. Se a tal divindade é onipotente e não sabe que ele existe, não é onisciente. Se é onipotente e onisciente mas não quer parar o mal não é boa". É isso que você ia dizer?

Ricardo: É isso mesmo, como adivinhou?

Tomé: Esse é o problema mais velho de todos envolvendo Deus, praticamente todo teísta da histórica já deve ter se perguntado isso, até os autores bíblicos já falaram do assunto. É um problema que realmente vale a pena ser meditado.

Ricardo: E como alguém pode acreditar em uma divindade que deixa o mundo ter tanto mal assim?

Tomé: Primeiro, eu pergunto: é um defeito ou algo ruim um cavalo ser irracional?

Ricardo: Não, é o normal.

Tomé: É um defeito ou algo ruim um homem não ter o uso da racionalidade?

Ricardo: Sim, é sempre uma coisa triste ver uma pessoa com algum problema cognitivo.

Tomé: Então você concorda que o significado de "mal" ou de "defeito" é algo como: Falta do que deveria estar ai? Tipo uma privação em algo naturalmente bom e não algo real?

 Ricardo: Isso faz sentido. Então o mal não é algo real mesmo mas é a falta de algo?

Tomé: Isso. Alguns gostam de dizer que Deus criou o mal porque criou tudo, mas a verdade é que o mal não pode ser criado porque não é uma coisa em si, mas a falta dela. O que acontece é que Deus criou coisas mutáveis, que podem não ter o deviam, por isso vemos o mal.

Ricardo: Então você acha que esse deus criou o mundo com essa possibilidade toda de ter mal? Pra que?

Tomé: Eu não sei nem o que motiva as suas ações, imagina saber o que Deus quer. Pra dizer que Deus não poderia ter um motivo para permitir o mal no mundo você teria que provar que não tem nenhuma justificativa possível pra isso, e o nosso conhecimento limitado do passado, do futuro, das possibilidades e das intenções do Senhor destroem a possibilidade de você fazer isso.

Ricardo: É essa sua resposta? Nós não sabemos quase nada então temos que confiar na divindade?

Tomé: É. Eu e praticamente todos os outros teístas sabemos que Deus sabe de tudo e que quer o bem de todos, então de alguma forma tudo tem um motivo. Seria como uma criança pequena que vai no dentista pela primeira vez: ela não sabe o que tá acontecendo, mas sabe que sua mãe a ama e quer o melhor pra ela, então ela confia que tudo vai dar certo.

Ricardo: Então eu sou uma criança assustada que não confia nos pais?

Tomé: Você não acredita na existência de pais, então não exatamente, hehe. Eu diria que a comparação faz sentido, já que ambos estão numa situação que não entendem tão bem assim, então tomam conclusões meio erradas. O que importa é: não existe justificativa pra dizer que Deus não poderia ter criado o mundo do jeito que está, já que sabemos muito pouco da situação.

Ricardo: E você não vê nada de errado em não saber o motivo disso tudo?

Tomé: Não, como bem lembrado perto do fim do Livro de Jó, Ele não nos deve explicação nenhuma ou qualquer outra coisa, então está tudo bem. Mas é aquilo né, temos algumas suposições.

Ricardo: Você acha que tem algum tipo de pista? Que motivo poderia ter pra um incêndio florestal?

Tomé: Bom, como eu falei antes, Deus criou o mundo com regras, padrões, naturezas. Isso significa que existem inúmeras possibilidades diferentes, incluindo incêndios florestais. Ou seja: para evitar incêndios ou o Senhor deixaria de criar um monte de coisa mutável, o que impediria várias coisas boas, ou Ele teria que pessoalmente interferir em tudo, o que Ele não tem a obrigação de fazer e provavelmente impediria as coisas boas, como certas situações.

Ricardo: Então você acha que um mundo sem mal não teria tanto bem quanto esse?

Tomé: Sim, com os seres humanos e os nossos erros isso fica mais fácil de ver porque interferência demais destruiria o livre-arbítrio dos seres racionais. Fora que no Cristianismo o sentido da vida não é ter prazer e conforto como um pet mas conhecer e amar Deus, então o mundo como está fica ainda mais justificável, já que provavelmente um mundo sem mal geraria menos cristãos.

Ricardo: Eu geralmente não me preocupo com esse tema do livre-arbítrio porque parece que temos, então não faz diferença, mas não acho que você devia tomar isso como um fato.

Tomé: Nós sentimos que temos livre-arbítrio e não tem um motivo pra duvidar disso, então por que duvidar?

Ricardo: Nossa percepção poderia estar enganada, então acho que preciso de mais um motivo pra não considerar o Determinismo possível.

Tomé: Essa duvida seletiva não faz sentido, mas ok. Bom, suponha que o Determinismo total é verdadeiro, significando que nada que eu faço é feito por ser uma escolha minha mas por algum outro motivo totalmente fora do meu controle. Se alguém duvida do livre-arbítrio, acredita em algo assim, certo?

Ricardo: É verdade.

Tomé: Agora, pra uma crença ser racional ela precisa ter algum tipo de justificativa, mesmo que eu ache que uma justificativa mais "fraca" como parecer ser o caso e não ter nenhum motivo contra seja o bastante. Todo mundo aceitaria isso, né?

Ricardo: É claro, seria loucura aceitar algo sem qualquer motivo que seja para aceitar.

Tomé: Mas se o Determinismo total é verdade, então toda ação minha é causada por algo totalmente fora de mim. Isso significa que o que eu acredito eu acredito porque sou obrigado a acreditar, não porque tenho algum motivo pra acreditar. Significa que o determinista defende que ele acredita em tudo que acredita por motivos irracionais, praticamente pedindo pra ser ignorado então.

Ricardo: Mas ele não teria uma justificativa pra acreditar nisso segundo seu critério? Já que tem um motivo pra acreditar e não tem pra duvidar.

Tomé: Na verdade ele tem um motivo pra duvidar do que acredita: seus pensamentos seriam causados por processos irracionais. Seria como um homem que vê uma pessoa o olhando pela janela, um homem normal deveria acreditar no que vê, mas um homem que sabe que é esquizofrênico não, porque a doença causa alucinações.

Ricardo: Sim, acho que entendi, realmente seria irracional acreditar em qualquer coisa nesse caso.

Tomé: Então ou o livre-arbítrio é real ou todas nossas crenças são irracionais. Algumas crenças são racionais, então algum tipo de livre arbítrio é real.

Ricardo: Acho que faz sentido.

Tomé: Ótimo. A questão do livre arbítrio é uma pista boa pra razão de ter mal no mundo. Sei que de alguma forma Deus permite o mal para tirar dele um bem maior.

Ricardo: Mesmo que isso prove que seja possível que o deus tenha um motivo pra deixar o mal existir, ainda sim a existência do mal pode deixar a existência da divindade improvável.

Tomé: Você por acaso vai dizer algo como "existe o mal e o mal é mais provável no Ateísmo do que no Teísmo, então, o Teísmo é improvável"?

Ricardo: É o que eu ia dizer mesmo. O mal no mundo é mais provável se não existe alguém capaz de parar o mal e que nos ama. Nesse caso, o Ateísmo é mais provável, já que vemos bastante mal.

Tomé: Bom, a primeira coisa a notar é que você imagina que um universo com Deus teria menos chance de ter o nível de mal que vemos, o que, igual antes, pra ser defendido exige que você saiba coisas que só Deus conhece. Você também imagina que, tirando a questão do mal, o Teísmo e o Ateísmo tem quase mesma probabilidade de serem verdade, dai o mal dar mais probabilidade ao Ateísmo, ignorando que o teísta pode dar argumentos pra aumentar a probabilidade de Deus existir, assim vencendo a disputa probabilística. Você também ignora que eu posso facilmente jogar esse argumento de volta contra você.

Ricardo: Como você usaria o argumento contra o Ateísmo?

Tomé: Bom, esse argumento depende da ideia de que o mal é mais provável no Ateísmo. Mas para ter o mal, precisamos que um universo exista, o que no Ateísmo comum significa estar aqui sem uma razão, surgindo do nada. Precisamos que ele seja um universo Bem Afinado para permitir a vida, o que a maioria dos cientistas acha muito, MUITO improvável. Precisamos que se formem planetas capazes de abrigar a vida. Precisamos que a vida surja e precisamos que a vida eventualmente fique um pouco complexa, algo que parece demorar. Te parece provável que o mal seja possível no Ateísmo?

Ricardo: Bom, é improvável sim, mas é possível com certeza. Fora que a ideia de que esse universo complexo precisa de um designer se auto-refuta, já que o designer seria ainda mais complexo e então precisaria de um designer também.

Tomé: Bom, essa objeção sua só funciona se alguém defender que o designer é um alien ou coisa assim, já que Deus não é feito de partes materias que precisam ser montadas, então perguntar se Ele tem um designer não faz sentido algum. Mas o argumento do design não é o nosso interesse aqui, e sim o fato de que a existência do mal pode ser na verdade um argumento contra o Ateísmo também, então brincar com probabilidade não é tão experto assim.

Ricardo: É, não vejo um jeito de demonstrar como a existência de um deus é impossível ou improvável considerando o mal no mundo então. Achava que essa versão probabilística daria certo, mas você levantou bons pontos.

Tomé: E é bom que você, diferente de muitos ateus, acredita em certo e errado, já que ai não preciso defender isso.

Ricardo: Eu não duvido mesmo disso, é muito obvio.

Tomé: Fora que rejeitar normatividade moral é o mesmo que rejeitar normatividade epistêmica, e isso seria dizer que não tem um jeito realmente racional de conhecer.

Ricardo: Como assim? 

Tomé: Pense comigo: Quando é que alguém tem conhecimento?

Ricardo: Quando acredita em algo que é verdade.

Tomé: Mas e se, por exemplo, eu acredito que se fizer a dança da chuva vai chover e daí chove no dia que danço? Eu acreditava que ia chover e choveu, então eu tinha conhecimento de que ia chover?

Ricardo: Não, de jeito nenhum, já que esse método ai é pura superstição. Nesse caso, pra ser um conhecimento tem que ter uma crença verdadeira que é justificada.

Tomé: Certo, suponha então que eu tenho muito dinheiro e vá disputar um torneio de Uno com meus amigos. Eu acredito que o mais rico de nós vai vencer, já que acho que vou ganhar e que sou o mais rico. Suponha então que meu colega na verdade é mais rico que todos nós e que ele acabe ganhando. Nesse caso, eu sabia que o mais rico ia ser o vencedor?

Ricardo: Não, você estava justificado em acreditar nisso pelo que sabia, mas não tinha conhecimento, já que só estava certo por sorte. Nesse caso, você só pode ter conhecimento real se a sua crença for uma que você não acreditaria se não fosse verdade, aí esse exemplo não ia funcionar.

Tomé: Imagina então que eu levei uma pancada na cabeça que me deu dano cerebral. Agora, o único efeito desse dado foi me fazer pensar que eu tenho dano cerebral. Nesse caso, se eu não tivesse o dano, não ia pensar que eu tenho, então eu tenho conhecimento aqui?

Ricardo: Não, já que você só está certo por sorte de novo. Pra ser conhecimento tem que ser uma crença verdadeira justificada  que vem de uma fonte que costuma garantir crenças certas.

Tomé: E se esse tipo de dano cerebral for um que faz a pessoa pensar que tem dano cerebral em 95% dos casos? Não parece que falta algo aqui? 

Ricardo: Tem algo faltando mesmo, esse exemplo não é justificado porque a fonte deles é literalmente dano cerebral, defeito.

Tomé: Não falta então algo como a noção de que o conhecimento tem que vir de uma mente que é feita pra gerar crenças verdadeiras que funciona direito? Isso parece resolver o problema.

Ricardo: Mas a ideia de que algo é feito pra fazer uma coisa ou outra não pressupõe a existência de um deus?

Tomé: Se fosse o caso, isso só seria um problema pros ateus. Mas eu acho que não pressupõe não, já que existem ateus que acreditam que existem padrões objetivos nas naturezas das coisas ou num tipo de reino platônico. 

Ricardo: Então acho que é uma noção necessária sim pra ter conhecimento. Nesse caso, negar padrões morais objetivos seria negar a própria possibilidade de conhecimento, certo?

Tomé: Isso, e temos conhecimentos, então nossas mentes são feitas para buscar a verdade e podem estar ou não estar em boas condições, de forma que existem padrões objetivos. E se existem padrões objetivos, então o bem e o mal existem.

Ricardo: Faz todo sentido. Nesse caso, não é possível negar racionalmente a existência de valores objetivos. Acho também que a própria noção de algo mais verdadeiro, mais próximo da realidade pressupõe normatividade objetiva, já que ninguém diz que o próprio ponto de vista só é real por convenção.

 Tomé: É verdade! Boa ideia. E que bom que deu pra entender, estava pensando nisso faz tempo. Acho que podemos ir pro próximo problema então.

Ricardo: Me diga então: se o mal não prova a inexistência de um deus bom, quer dizer que o bem não prova a inexistência de um deus do mal?

Tomé: Sim. Uma entidade maligna poderia fazer um mundo com tanto bem quanto o nosso por algum tipo de motivo malvado. O bem do mundo por si só não anula a existência de um deus do mal.

Ricardo: Então como você pode confiar na bondade do deus? Ele poderia ser um enganador que diz para os religiosos que é bonzinho para se divertir.

Tomé: Bom, nós vimos antes que um mal é uma privação, uma falta do que deveria estar ali, certo? Nesse caso, um sujeito mau é alguém que tem alguma privação na sua vontade, que não deseja o que deveria desejar. Tô fazendo sentido?

Ricardo: Está sim.

Tomé: Nesse caso, o deus do mal deveria ser de certa forma e não é, ele tem privações, defeitos. Junta isso com o fato de existir uma ordem fora dele e dá pra ver que esse "deus" seria só uma criatura. O Deus do Monoteísmo Genérico ou das religiões monoteístas não pode ser mau em principio, é uma contradição completa pensar em algo assim. Tanto é que Marcião e os gnósticos antigos acreditavam não só na existência de um deus do mal mas num deus supremo e bom.

Ricardo: Então o deus supremo não poderia ser mal de forma alguma?

Tomé: Isso, ser limitado e ilimitado ao mesmo tempo não dá. Mais algum problema com a existência de Deus?

Ricardo: Se um deus existe, como algumas pessoas não sabem da existência dele?

Tomé: Bom, a Terra não é plana e mesmo assim esse assunto é debatido. Casos de ignorância humana não são prova de muita coisa.

Ricardo: Mas o deus ia querer que os humanos soubessem que ele existe, então se fosse o caso não devíamos esperar que todo mundo acreditasse em deus?

Tomé: No Monoteísmo Genérico, Deus não se importa muito com as opiniões humanas, então seu argumento só é útil contra religiosos, logo, esse argumento falha em deixar a existência de qualquer Deus improvável. Não sei a resposta das outras religiões, mas o Cristianismo pode lidar com essa objeção também.

Ricardo: Como? O deus cristão quer que todos o aceitem, então era pra todo mundo acreditar. Um monoteísta não-religioso não teria problemas com isso, mas um cristão teria.

Tomé: Bom, como vimos antes, o apóstolo Paulo defende que em nível social ou individual, todo mundo sabe que Deus existe mas os infiéis rejeitam esse conhecimento. Isso é algo que faz sentido num nível meio social SE a hipótese do Monoteísmo Primitivo for verdade e alguns defendem que a rejeição acontece num nível individual, não sei quem tá certo. Ou seja, Deus dá conhecimento a todos, mas esse conhecimento é recusado de alguma forma social ou individual.

Ricardo: E por que ele deixaria as coisas assim? Eu certamente ia acreditar se tivesse evidencia. Se o deus não deixa as pessoas verem a evidencia não pode condenar ninguém por Ateísmo.

Tomé: Bom, a primeira coisa a notar é que Deus não condena ninguém por Ateísmo diretamente, se o Ateísmo é por pura ignorância MESMO, o que os católicos chamam de ignorância invencível, ai o ateu poderia ter aceitado a fé sem saber, "Se eu não tivesse vindo e falado ao mundo, não pecariam". Mas isso é se o Ateísmo é por ignorância e se esse tipo de ignorância sequer é possível, o que alguns defendem que não é.

Ricardo: Sim, entendo então que ignorância genuína não condena. É mais justo.

Tomé: Ótimo. O outro problema no que você disse é que o que importa no Cristianismo não é só saber que Deus existe como eu sei que as estrelas existem, mas dizer sim a Ele, o aceitar. "Crê em Deus? Muito bom, os demônios também, e tremem". Os judeus antigos podiam ver que Jesus era o enviado de Deus, mas não quiseram aceitar isso.

Ricardo: Como assim?

Tomé: Suponha que uma mulher te ame muito mesmo, querendo passar o resto da vida com você e você sabe disso. Se você sabe disso mas rejeita ela, estão juntos?

Ricardo: Não, eu teria que amar ela também.

Tomé: Da mesma forma saber que Deus existe não garante que você vá aceitar Jesus como seu Senhor e Salvador. Muitos ateus já falaram que não aceitariam Deus mesmo que Ele se revelasse pra eles e muitas pessoas creem mas sem agir de acordo. Significa então que dar mais evidência da Sua existência poderia não ajudar Deus em nada, portanto, a existência de não-cristãos não significa que o Cristianismo não seja verdade.

Ricardo: Mas alguns que não acreditam poderiam acreditar se tivessem nascido em outras situações, então o deus que condena eles.

Tomé: De novo, esse é o tipo de coisa que você só poderia dizer se fosse onisciente. Fora que é Deus que escolhe as condições do nascimento de cada um, então pode ser que aqueles que não acreditam nessa situação não acreditariam em nenhuma ou que mudar a situação deles condenaria outros. Nós erramos muitas vezes ao mexer no equilíbrio de biomas, por exemplo, imagina nesse tipo de assunto.

Ricardo: Bom, acho que é verdade que eu conheço muito pouco pra poder falar mesmo, então não tenho mais algum problema quanto a existência de um deus, mesmo sem evidência. Mas um milagre como a tal ressurreição parece impossível.

Tomé: Por que?

Ricardo: Nossa experiência mostra que existem leis da natureza invioláveis, regularidades universais, então, como um milagre é uma violação dessas leis feitas por uma divindade, a ideia de um milagre vai contra toda a nossa experiência e a de toda humanidade. Significa que ou toda a experiência humana errou ou os que dizem que viram um milagre erraram, e sempre vai ser mais provável que o grupo do milagre errou.

Tomé: Então nunca podemos ter certeza que um milagre aconteceu?

Ricardo: Talvez seria possível se o tal milagre fosse um evento onde pessoas cultas e não-supersticiosas olhassem algo praticamente impossível de ser um engano. Mas mesmo assim seria algo descartável, já que teria que ser um testemunho mais provável do que o testemunho de toda a humanidade de que a lei em questão é inviolável, e isso seria absurdamente difícil de mostrar.

Tomé: Você fala que um milagre é uma violação de uma lei da natureza, pode dar um exemplo de uma lei dessas?

Ricardo: Um exemplo fácil seria a ação da gravidade, todo mundo vê que a tendência natural de algo na Terra é ficar no chão.

Tomé: Bom, esse celular não está no chão, isso é uma violação da lei? Lembrando que é só um exemplo.

Ricardo: Esse caso seria uma violação se ele flutuasse sem motivo, mas não é nesse caso, já que você está vencendo a força da gravidade quando segura ele.

Tomé: Suponha que eu olhasse um livro com todas as leis da natureza e lá tivesse escrito entre elas "todo objeto em um planeta tende ao centro dele". Não estaria escrito em letra miúda embaixo dessa lei algo como "Exceto se ocorrer alguma interferência"?

Ricardo: Parece que sim, já que a gravidade é vencida toda hora.

Tomé: Nesse caso, não ia ter algo parecido nas outras leis?

Ricardo: Sim, teria.

Tomé: Então o milagre não é uma violação das leis naturais, mas uma ação de Deus na natureza que faz as coisas fugirem do que aconteceria normalmente. Assim como eu segurar o celular não viola a gravidade, um milagre não viola as leis naturais, é algo já previsto.

Ricardo: Mas essas interferências serem possíveis não destruiria a confiança nas leis? eu nunca saberia se a lei tá sofrendo interferência ou se não é uma lei.

Tomé: Isso pertuba tanto quanto algo que parece flutuar destrói a confiança na lei da gravidade. 

Ricardo: Certo, entendi. Mas milagres são bem fora do normal, não parece estranho que algum tenha acontecido?

Tomé: Não sei se é algo muito incomum, ouvi coisas incríveis antes. E é esperado que não aconteçam milagres sempre, já que Deus só os faria se tivesse motivo, então é o tipo de coisa mais esperada num contexto religioso.

Ricardo: Faz sentido. Mas existem milagres em outras religiões, então como confiar no milagre cristão?

Tomé: Dá pra comparar os eventos e ver qual o mais confiável. Não conheço nada como a ressurreição, mas discutiria outros milagres sem problema. 

Ricardo: Acho que entendi. não consigo achar um problema então na ideia de um milagre. Sobraram os problemas com o Cristianismo então.

Tomé: Ótimo, pode falar.

Ricardo: Certo. O problema principal é que a divindade do Antigo Testamento e a do Novo são muito diferentes. O deus de Jesus ama todo mundo, enquanto o de Moises não tolera qualquer falha e mata violentamente os pecadores.

Tomé: Bom, como eu só defendo o Cristianismo Humilde e Simples, eu não sei exatamente como tratar a Escritura, se ela é inerrável ou não e quais livros são inspirados. Então eu admito que não vou saber exatamente o que dizer nesse caso.

Ricardo: Se a Bíblia não é necessariamente inerrável, como você sabe qualquer coisa sobre Jesus?

Tomé: Do mesmo jeito que conheço outras pessoas do passado: Estudando história. O Novo Testamento é a nossa maior fonte de informações sobre Jesus, mas eu só trato como fonte sobre Ele e os primeiros cristãos, não como escritos sagrados, necessariamente. Podem ser ou não, não sei.

Ricardo: Então você não tem problemas diretamente com falhas nos livros?

Tomé: Eu não sei, esse debate é algo entre cristãos mesmo, o básico é só o Cristianismo Humilde e Simples. Mas a ideia de que Deus muda entre os dois testamentos é um erro, não vejo isso não nos textos. É algo que vem de gente que geralmente só lê trechos de cada um e cria na cabeça esses personagens diferentes, especialmente Jesus, que sempre é alterado pra dizer o que querem que Ele diga.

Ricardo: Você acha que o deus de Jesus é o de Moises?

Tomé: Claro, o próprio Jesus não via qualquer contradição em dizer que o Pai é o Deus de Moises. Um exemplo claro dessa igualdade é que os Dois Mandamentos que o Senhor dá, amar Deus acima de tudo e o próximo como a si mesmo, vem justamente da Torá, da lei de Moises. Essa separação é falsa, erro de Marcião e dos gnósticos. 

Ricardo: Sim, acho que eu sei quais passagens são. Tem muitas mensagens de preocupação com os pobres e fracos no Antigo Testamento mesmo.

Tomé: Isso, fora a em Ezequiel onde Deus pede que os maus se arrependam, porque é o que Ele quer. Jesus não via erro ai e nem nós devemos.

Ricardo: Entendi. Acho que meu ultimo problema de cara é a morte de Jesus. Como alguém pode deixar seu filho morrer assim? É uma história horrenda.

Tomé: Não é uma coisa nobre se sacrificar pelos outros?

Ricardo: É claro que sim, mas por que o deus ia precisar fazer isso?

Tomé: Bom, a ideia é que nós escolhemos recusar Deus, assim pecando, e isso é uma ofensa, uma desobediência. Deus é nosso fim, nosso objetivo, nosso rei, nosso amor, nosso mestre etc. Então, O recusar é algo ruim, que torna justo nos punir. Como Deus é a Justiça em Si, não pode fechar o olho pro pecado, mas tem que punir o crime.

Ricardo: E onde o sacrifício entra ai?

Tomé: Deus também é a Misericórdia em Si, então escolheu nos salvar gratuitamente. Agora, um homem não valia o bastante, então Deus se fez homem e se entregou por nós na cruz para pagar a divida. Essa é a Boa Nova: Deus se fez homem para que o homem pudesse ser divino, participar da Natureza Divina. 

Ricardo: Então a cruz seria um jeito de unir justiça e misericórdia? Entendi. É mais bonito do que eu achava que era, olhando assim não parece monstruoso.

Tomé: É bom que você acha isso, muito bom. Mas não é só uma história bonita, acho que tenho agora que te mostrar que Deus e a alma existem para depois defender a Boa Nova diretamente.

Ricardo: Sim, mas uma coisa que acho difícil de acreditar é que o deus não teria cérebro mas teria uma mente, e isso parece bizarro.

Tomé: Bom, mesmo que todo cisne que você vê seja branco, existem cisnes negros. Você não pode falar que algo é impossível porque nunca viu.

Ricardo: Sim, mas ficaria mais fácil de levar a sério se tivesse algo parecido.

 Tomé: Tem eu e você, temos cérebro mas nossas mentes são mais do que ele. Isso não é necessário pra acreditar em Deus, mas eu tinha mencionado antes que isso pode ser provado filosoficamente, acho que tá na hora de mostrar como.

Ricardo: Seria uma ajuda ótima.

Tomé: Mas antes, você devia dizer os problemas que tem com almas, ai eu já podia ajudar a tornar a ideia mas plausível.

Ricardo: Bom, o maior problema é que a neurociência mostra que certas áreas do cérebro são responsáveis por certas funções, com o dano cerebral destruindo elas e podendo mudar até a personalidade de alguém! Como dano cerebral pode afetar algo imaterial?

Tomé: Você acha que o Descartes nunca bebeu demais? Acha que o Agostinho de Hipona nunca ficou lerdo por falta de sono? Não é meio obvio que eles sabiam que danos no corpo afetam a mente?

Ricardo: Eu tenho certeza que eles sabiam, mas como uma alma imortal pode ser impedida de agir direito por dano no corpo?

Tomé: Algo pode ser impedido de agir por dano diretamente, como um homem que não pode andar por suas pernas estarem quebradas, e indiretamente, como um homem que não pode varrer por sua vassoura estar quebrada. Os danos no corpo afetam a alma do segundo jeito, já que a alma precisa do corpo para pensar e agir no geral, ela é diferente do corpo, mas um precisa do outro.

Ricardo: Bom, eu posso entender que a alma precise do corpo aqui, a relação entre eles ser bem próxima explica a neurociência, mas então como os mortos podem rezar pelos vivos?

Tomé: Bom, a crença judaica é que os corpos dos justos vão ser reunidos com a alma no ultimo dia, a ideia de uma alma consciente antes disso é algo polêmico entre os cristãos, não sei se a alma seria consciente sem o corpo. Mas os que defendem que sim diriam que Deus daria a alma essa capacidade provisoriamente, não seria algo da alma sozinha. 

Ricardo: Entendo. Não tenho problema então, dê seu argumento.

 Tomé: Claro. Se o Materialismo é verdade, somos feitos unicamente de matéria. Isso significa que tudo é essencialmente um amontoado de partículas, incluindo nossos pensamentos, certo?

 Ricardo: Sim, é isso mesmo.

Tomé: A ideia de que um pensamento é feito de partículas não faz nenhum sentido pra mim, mas ok. Nesse caso, absolutamente qualquer coisa possível é como uma torre de peças de plástico, né?

 Ricardo: Isso, qualquer coisa que existe é feita de matéria e nada mais.

Tomé: Certo, suponha então que uma certa configuração de partículas, tipo essa mesa, seja A. Outra configuração, tipo meu celular, seja B. E por ai vai. Suponha que eu pego um conjunto que teria todas as possíveis configurações. Consegue imaginar isso?

Ricardo: Sim, dá pra imaginar essa classificação.  

Tomé: Agora, pra cada configuração tem um pensamento possível, tipo "A é feito de matéria". Isso significa que o número de pensamentos possíveis é no mínimo igual ao numero das configurações de matéria, não é? 

 Ricardo: Mas certas estruturas não seriam muito complexas pra você poder diferenciar?

 Tomé: Sim, mas eu não estou contando com as nossas mentes, o que importa é que exista um pensamento logicamente possível para cada uma dessas estruturas, se é logicamente possível, então é pensável, mesmo que não exista nenhum ser que consiga. Fora que não parece ao menos possível que pudesse existir uma raça tão avançada que conseguisse diferenciar qualquer configuração de partículas e pensar de cada uma "Essa configuração é feita de matéria"? 

Ricardo: Sim, parece realmente possível. Qualquer fã de ficção cientifica concordaria.

Tomé: Ótimo. Nesse caso, pra cada configuração de partículas existe um pensamento possível. Significa que o conjunto de pensamentos possíveis é no mínimo do mesmo tamanho que o de partículas possíveis, certo?

Ricardo: Claro, isso faz sentido. 

 Tomé: Mas você não pode fazer comparações mentalmente? Eu posso facilmente comparar um Playstation com um PC gamer e pensar "O PC vale mais a pena", não é?

 Ricardo: Sim, isso é fácil. Não teria nem como comparar o Materialismo com o Dualismo se isso fosse impossível. 

 Tomé: Nesse caso, eu posso ter um pensamento como "A é maior que B", porque a mesa é maior que o celular. Não segue então que cada configuração de partículas em principio pode ser comparada com outra ou outras?

 Ricardo: Sim, isso é possível sim, mesmo que improvável.

Tomé: Mas se além dos pensamentos como "A é feito de partículas" temos pensamentos como "A é igual a B", não significa então que o número de pensamentos possíveis é maior do que o número possível de configurações de partículas?

Ricardo: Significa sim.

Tomé: Então não significa que no mínimo alguns pensamentos não são feitos de partículas? Já que a quantidade de configurações de partículas é menor que a de pensamentos?

 Ricardo: Espera, não pode ser o caso, já que cada pensamento É feito de partículas.

 Tomé: Mas vimos que não pode ser assim, já que cada pensamento teria que ser igual a uma configuração de partículas, e isso é impossível porque o número de pensamentos é maior.  

Ricardo: Olha... é verdade. Significa então que alguns pensamentos não pode ser igual a uma configuração de partículas.

 Tomé: E se alguns pensamentos não são iguais a certas configurações de partículas, não significa que nenhum é? Quer dizer, qual seria a diferença entre um pensamento igual uma configuração pra um que não é?

Ricardo: Acho que o pensamento que não é igual uma configuração teria que ser muito mais complexo.

 Tomé: Mas faz sentido uma classe de pensamentos ser separada de outra desse jeito por complexidade sendo que as duas tem as mesmas propriedades? Faz sentido uma torre de peças de plástico pequena precisar ser montada e outra não precisar porque é mais complexa? A mais complexa devia ser mais dependente, já que tem mais partes.

Ricardo: Bom, não faz, mas você não acredita que o deus existe por si só? Ele só é mais complexo que os outros seres, então se isso com os pensamentos não serem matéria por serem complexos demais não faz sentido, o deus existir sozinho também não. 

Tomé: É uma comparação esperta até, mas não defendo isso e acho que nenhum outro defensor da Asseidade Divina concordaria. Não dizemos que Deus existe necessariamente por Sua complexidade, mas por Sua natureza ser diferente, mesmo que a diferença exata seja difícil de compreender. Não é uma diferença quantitativa mas qualitativa, e acho que vamos acabar falando disso em breve.

Ricardo: Então os casos são diferentes?

 Tomé: Sim, Deus é fundamentalmente diferente da criação, enquanto o pensamento que não é matéria tem a mesma natureza do que supostamente é matéria, então a comparação falha.

Ricardo: Acho que entendi então, você tá dizendo que só complexidade não justifica uma mudança tão grande. Nesse caso, como todo pensamento tem a mesma natureza fundamental e sabemos que ao menos alguns não são iguais a matéria, significa que nenhum deles é igual a matéria.

 Tomé: Isso! Significa então que o Materialismo é falso e pensamentos não são iguais a matéria, mesmo que os nossos precisem do corpo. Logo, com a sua morte, parte do corpo continua existindo.
 
Ricardo: Bom, eu não consigo achar um erro ai, isso torna um deus mais possível. Mas e quanto a reencarnação? Jesus não ensinava isso?

Tomé: Os judeus não ensinavam isso antes da Era Medieval e Jesus também não, embora alguém que não conheça a cultura da época possa se confundir. Fora que a reencarnação é impossível, já que precisa de uma concepção de alma muito separada do corpo.

Ricardo: É, ela precisa de uma alma que não fica naturalmente no seu corpo, tem algum problema?

Tomé: Se a alma não é naturalmente unida ao corpo, a relação entre eles é como a entre um homem e uma marionete, a alma moveria o corpo sem ser afetada pelo que acontece por ele. Não vejo como isso faz sentido.

Ricardo: Entendi, seria como um dos tais anjos possuindo um corpo. Pode então dizer o argumento pro deus.

Tomé: Eu só não sei qual deles eu uso.

Ricardo: usa a sua quinta via então, hehe.

Tomé: Certo, é uma boa.

Ricardo: Você tem cinco? Sério.

Tomé: Sim, vou usar a que pediu.

Ricardo: Uau! Pode usar então.

 Tomé: Certo, não vemos que as coisas agem de forma ordenada, em direção a fins?

 Ricardo: Eu pensava que você não ia falar de design.

Tomé: Não vou. Os argumentos envolvendo design observam que a ordem que vemos dificilmente surgiria aleatoriamente, então provavelmente uma inteligência foi que ordenou tudo. Eu miro mais fundo: assim como o mal é uma falta de bem e portanto precisa do bem pra existir, a aleatoriedade é uma falta de ordem e portanto precisa de ordem pra existir. 

 Ricardo: Então você não vai argumentar que o mundo ordenado é improvável e portanto um deus provavelmente ordenou tudo?

Tomé: Isso. Meu argumento é essencialmente que é impossível ter qualquer possibilidade sem Inteligência por trás de tudo, então não faz sentido dizer que é possível que a ordem tenha surgido aleatoriamente. Pra começar eu te pergunto: não é verdade que existe a casualidade? Uma coisa não é a causa de outra toda hora?

 Ricardo: Sim, mas e se alguém negasse isso? Como você ia responder?

 Tomé: Olha, negar a casualidade pra escapar de Deus é algo digno de pena, mas aceito brincar com o seu desesperado hipotético. Como essa pessoa diria que nós sequer sabemos o que é casualidade se ninguém jamais viu alguma coisa causar outra?

 Ricardo: Pense numa bola de sinuca batendo em outra. Essa pessoa pode dizer que você viu a bola acertada parecer ser empurrada muitas vezes, ai então, por um habito, você espera que isso vá se repetir. Mas ela diria então que só porque um evento sempre segue outro não significa que um causa o outro. 

Tomé: Então eu vejo algo muitas vezes e isso faz com que eu tenha um habito?

Ricardo: Sim.

 Tomé: Então esse hábito é causado pelo que eu vejo? Repare que esse sujeito invoca a casualidade pra negar a casualidade. 

Ricardo: Boa observação. Outra coisa é que nós claramente sabemos que a casualidade existe porque vemos isso mentalmente, já que nossas crenças causam outras e o que vemos causa crenças. Se a casualidade existe mentalmente e a mente é alguma coisa, então a casualidade existe.

 Tomé: Verdade! Não tem motivo algum pra dizer que a casualidade é só algo mental.

 Ricardo: Então, como o argumento continua agora que sabemos que a casualidade existe?   

 Tomé: Bom, por que a casualidade funciona? Por que, por exemplo, a água molha ao invés de queimar ou cortar ou não fazer nada?

Ricardo: Por causa das leis da natureza, que direcionam a matéria.

Tomé: Então existem forças que movem a matéria? Eu podia parar aqui, mas acho que tenho que corrigir esse erro. Bom, quando algo é movido e causa um efeito, as características dessa coisa movida não determinam o efeito? Tipo a diferença entre bater em alguém com uma almofada ou com uma pedra.

 Ricardo: Sim, é verdade. 

 Tomé: Então as partículas só podem ser movidas por essas forças e causar efeitos porque possuem características específicas? Podemos dizer que elas tem então uma natureza própria que faz com que tenham essas características, certo?

Ricardo: Isso. É obvio que as partículas elementares tem uma natureza específica. 

 Tomé: Faz sentido. Mas se as partículas tem uma natureza própria, então pra que precisamos da ideia de leis ou forças que as movem? Já que a natureza das partículas garante as características delas e com isso garante os comportamentos previsíveis. Nesse caso, a própria ideia de leis já não pressupõe a existência de naturezas, que tornam as leis sem importância?

 Ricardo: Sim! Faz sentido isso. Então a ideia da matéria ser movida por leis não tem base, já que de qualquer forma vamos ter uma natureza específica para as partículas. Nesse caso, as leis não devem ser forças que movem a matéria, mas sim leis descritivas, generalizações que nós fazemos ao observar o que acontece, igual as "leis" econômicas.  

 Tomé: Sim, eu diria que é isso mesmo, a ideia de uma lei como uma força que organiza algo surgiu entre os voluntaristas justamente pra tentar substituir a ideia de naturezas específicas. Nesse caso, a água molha porque sua natureza, sua causa formal, garante que ela tenha as características que produzem esse efeito, a natureza de cada coisa é necessariamente teleológica, "mirando" em efeitos específicos, suas causas finais. 

 Ricardo: Sim, tínhamos visto isso antes, quando vimos que o bem e o mal existem, embora o segundo seja um parasita do primeiro.

 Tomé: Isso mesmo. Então a natureza das coisas "mira" em direção à características específicas. Agora, quando vemos teleologia aparente na natureza, a resposta ateia geralmente é que essa teleologia aparente é só aparência, as coisas parecem ter funções  mas é algo ilusório. 

Ricardo: Sim, um exemplo fácil é a ideia de que os olhos são "feitos" para enxergar, a "causa final" deles, quando na verdade o processo não-teleológico da evolução gerou essa pseudo-teleologia. 

 Tomé: Sim, sempre que parece que design existe na natureza, o ateu diz que é só aparência gerada por um processo cego. Mas você acha que isso poderia ser aplicado pra casualidade?

 Ricardo: Sim. Tem algum erro?

 Tomé: Bom, pense por exemplo na evolução. A ideia é que graças a basicamente sorte a matéria chegou numa configuração com vida e que graças a mutações genéticas "selecionadas" pelo processo da seleção natural a vida se diversificou em formas mais adaptadas pra cada local, dai a aparência de design, certo?

Ricardo: Eu acho que é um sumário bom o bastante. Você vê algum erro ai?

 Tomé: Eu não tenho problemas com a teoria, mas ela não te ajuda. Afinal, não é verdade que pra evolução sequer ser possível precisamos que a matéria exista e tenha uma natureza própria, gerando assim determinadas características?

 Ricardo: Sim. Se a matéria fosse totalmente caótica, o processo da evolução ia ser impossível. Boa sorte pra passar os genes se as vezes o bebê nasce pegando fogo ou nasce de outra espécie, haha.

Tomé: Sim, hahaha. Isso não é o mesmo em todo processo?

Ricardo: Sim, todo processo "aleatório", precisa que a matéria envolvida seja ordenada.

Tomé: Não é verdade então que sempre antes de se ter ordem aparente causada basicamente por sorte precisamos de uma ordem real garantindo assim que o processo sequer seja possível?

 Ricardo: Isso, não parece então que toda ordem é ilusória, alguma ordem real existe na natureza das coisas, permitindo que as coisas tenham características especificas. Então a ordem não pode ser explicada pela desordem, mas tem que vir primeiro.

 Tomé: Ótimo. Nesse caso, a ordem que existe na natureza das coisas não é ilusória, as coisas realmente "miram" nos efeitos que causam, se não a ordem não existiria.

Ricardo: Sim, é isso mesmo.   

Tomé: Mas pra essa relação existir não é necessário que as duas coisas existam de alguma forma? Como mirar em algo totalmente inexistente?

 Ricardo: Não necessariamente, já que um artista mira em criar uma obra que não existe ainda, por exemplo.

 Tomé: Mas ai a obra existe de certa forma, ela é uma ideia. Se o artista produzir uma obra acidentalmente é uma exceção, mas o artista não estaria mirando na obra, então não é o caso aqui.

 Ricardo: É, as naturezas não fazem o que fazem por acidente, elas miram de verdade, como vimos antes. 

Tomé: Então pra mirar em algo esse algo tem que existir de certa forma? No caso das naturezas, os efeitos não podem existir antes ou ao mesmo tempo da mira da natureza porque as naturezas das coisas explicam as características, que explicam os efeitos. Nesse caso, os efeitos, pra serem mirados, tem que existir mentalmente.

 Ricardo: Mas as naturezas das substâncias não são seres pensantes, então elas não podem estar pensando em nada.

 Tomé: Sim, por isso eu digo que as naturezas não miram em nada, não sozinhas. A única explicação da casualidade então é que existe A Mente, que é quem explica as causas formais e finais de absolutamente tudo que existe ou poderia existir, e Esse é quem nós chamamos de Deus.

 Ricardo: Mas deus não tem uma natureza também? Então ele ia precisar de uma explicação também pra sua natureza.

Tomé: O deus visto pela maioria das pessoas como um homem nas nuvens ou o visto pelos antigos deístas como uma mente sem corpo e com mais força e inteligência do que nós sim. Mas o Deus do Teísmo Clássico que eu e a maioria dos filósofos clássicos defendemos não é assim.  Deus não é um ser que possui uma natureza um pouco mais legal do que a nossa, mas transcende essa ideia de natureza, não existe uma natureza divina que poderia estar em vários seres ou que poderia não estar em nenhum, ao invés disso a "Natureza Divina" É Deus. Deus É Necessário, Imutável e Único, qualitativamente separado da criação, de forma que não é contingente, mutável e pluralista como ela, sendo a sua explicação.

 Ricardo: Sim, então essa seria a distinção qualitativa que você estava falando antes. Mas isso parece tornar a ideia de deus muito misteriosa.

 Tomé: Entendo o que você quer dizer e é verdade. Através da análise do mundo podemos ver que ele é explicado por Um Criador que é totalmente diferente de tudo que vemos, como acabamos de fazer. Como nosso raciocínio parte das coisas criadas e Deus é completamente diferente delas, as coisas criadas não nos mostram como Deus é exatamente, só sabemos o que Ele não é.

 Ricardo: Então não sabemos nada sobre quem seria esse criador?

 Tomé: Não sabemos tanta coisa mas sabemos um pouco. Sabemos que Ele não é como nada que vemos na ordem natural, mas sabemos que é perfeito, sem mal ou outra forma de limitação, mas o que Ele é exatamente não dá pra saber. Deus não é irracional, limitado de qualquer forma, contingente, material etc. Isso não explica tudo, mas é o bastante. E essa foi a prova via causas finais. Deu certo?

 Ricardo: Bom, eu não acho nenhum jeito de derrubar esse argumento.

 Tomé: Então você aceita o argumento?

 Ricardo: Não, ainda não. Mas você já monstrou como a filosofia poderia demostrar que Deus existe. Não tô convencido, mas você mostrou o argumento que prometeu e também já mostrou o da alma e o pra existência de valores, então agora você vai argumentar pro Cristianismo Humilde e Simples, né?

 Tomé: Bom, é uma pena que você não se convenceu mesmo concordando que os argumentos pra alma e pra Deus são sólidos e mesmo que não ache nenhum erro neles, mas tudo bem, é bom que viu que são racionais. Nesse caso, dá pra ir pra argumentação cristã sim.

 Ricardo: Ótimo. Nesse caso me responda: por que achar que Jesus sequer existiu? Buda, Dionísio, Osiris e tantos outros não nasceram de uma virgem, tiveram doze discípulos e foram mortos e ressucitaram?

 Tomé: Não, nenhum desses nem os outros geralmente citados tem uma história sequer próxima da de Jesus.

 Ricardo: O Buda, por exemplo, não é um ser mitológico que tinha essas caracteristicas? 

Tomé: Não, o Sidarta Gautama, o Buda, foi um homem real que realmente viveu na India cerca de 500 anos antes de Jesus. Ele não nasceu de uma virgem mas tinha pai, que era um rei que o isolou o máximo que podia por causa de uma profecia que tinha recebido sobre o menino. Pra encurtar a história, Sidarta acabou abandonando a realeza pra tentar descobrir como acabar com o sofrimento, atingiu a Iluminação e fundou o Budismo. Diferente do que dizem os defensores da inexistência de Jesus, o Buda teve bem mais que doze discipulos e morreu de causas naturais.

Ricardo: E quanto ao Dionísio? O deus grego era assim como Jesus, não?

Tomé:  É mais difícil falar dele, tem várias versões do personagem, que parece que nem surgiu na Grécia, e acho que os gregos acreditavam em mais de um Dionísio. Mas não tem muito a ver não, Dionísio não nasceu de uma virgem mas Zeus era o pai dele nas duas versões, a primeira com a deusa Perséfone e a segunda com uma mortal chamada Sêmele. Ele, até onde eu sei, nasce como Zagreu, que é despedaçado pelos titãs graças a Hera e ou é remontado pela sua mãe ou tem o coração dado pra Sêmele comer antes dela engravidar do Zeus, depende da versão. Além de não ter nascido de uma virgem nem de ter ressucitado no sentido judaico, Dionísio não parece ter uma tradição de ter doze discipulos, então é outro exemplo falho.

Ricardo: E quanto ao Osiris, o deus egípcio?

Tomé: Osíris também não nasceu de uma virgem, ele tinha um pai chamado Geb, nem tinha doze discípulos. Parece que, por inveja, Osíris foi morto por seu irmão Seth que eventualmente o esquartejou. Sua mulher, Isis, recuperou todos os pedaços do corpo dele menos o penis, comido por peixes, ai! Enfim, ela acaba mumificando ele com ajuda de outros deuses e se transforma num pássaro que cria um vento mágico que ressucita ele por pouco tempo, dando tempo deles terem uma ultima relação que gerou o Hórus. Depois disso tudo, o Osíris passa a governar o submundo. Será que temos que continuar com TODOS os nomes antigos que os conspiradores adoram dizer que inspiraram Jesus ou eu não preciso corrigir todos? 

 Ricardo: Acho que já é o bastante. Admito que eu repetia isso sem ter estudado a história de nenhum e você claramente fez isso, então acredito em você.  

 Tomé Ótimo. O que esse povo tem que entender é que a ideia de que Jesus é inspirado nesses outros é ridícula, os judeus tinham nojo nesses mitos, então os discípulos não iam ter ideia nenhuma porque viram um deus "ressucitar" ou coisa assim numa história. 

 Ricardo: Mas tem algum motivo pra achar que Jesus existiu mesmo?    

 Tomé: O motivo de cara é que a ideia de que o Cristianismo poderia ser levado a sério tendo como centro um homem que nunca existiu é absurda. Os falsos apóstolos iam anunciar a ressurreição de alguém que ninguém viu e ninguém ia acreditar?

 Ricardo: O Cristianismo não podia ter sido criado por Constantino? Ele podia ter usado o poder do Império Romano pra impor essa fé nova e assim unificar tudo.

 Tomé: De cara isso já quebra igual a hipótese anterior ao usarmos o argumento principal feito no Kitab Al Khazari pro Judaísmo: a fé nunca poderia começar assim. O Constantino ia criar uma religião e dizer que ela já existia faz três séculos pelo império inteiro em praticamente todos os locais do império? Como ele ia explicar o fato de que ninguém vivo ou ninguém nos textos antigos e textos históricos conhecia essa religião supostamente espalhada por todo o império por trezentos anos? Não sei se a ditadura da Coreia do Norte conseguiria fazer isso, provavelmente não dá, imagina um império inteiro já longe do auge e sem a técnologia moderna. Dizer que o Constantino poderia convencer alguém, quanto mais o império todo, é patético, desespero puro.   

 Ricardo: Bom, olhando assim parece muito esquisito mesmo. Algum texto escrito antes de Constantino menciona Jesus?

 Tomé: Além dos 27 livros do Novo Textamento, tem o Didaquê, os escritos de Clemente de Roma, de Policarpio de Esmirna, Inácio de Antioquia, Quadrado de Atenas, Papias e todos os outros Padres da Igreja ou Padres Apostólicos. Do lado não-cristão, tem o Talmude, os escritos de Flávio Josefo, de Tácido, Plínio o Jovem, o imperador Trajano, Luciano de Samósata e alguns que não citei por serem mais incertos. Todos esses textos mencionam no mínimo que Jesus existiu e muitos que foi crucificado, então Constantino teria que ter mandado escreverem TODOS esses textos e explicar o porquê de ninguém ter ouvido falar deles antes, não é a toa que historiadores especializados aceitam meio que em consenso que Jesus realmente existiu como líder religioso que dizia fazer milagres, foi morto e gerou o Cristianismo.  

 Ricardo: É, aceito então que ele existiu. Mas a maioria dessas menções, até onde sei pelos nomes que reconheci, são décadas depois da cruxificação, então imagino que não dê pra pra provar que ele voltou a vida por elas. 

Tomé: É, a maioria das menções não diz tanto, a base principal pra informações é o Novo Testamento. Antes que você pergunte, não temos os manuscritos originais, mas os manuscritos que temos tem uma distância dos originais menor do que a maioria dos textos clássicos e existem em quantidade de copias maior do qque a maioria dos textos clássicos, então é aceito por praticamente todo especialista que qualquer Bíblia grega hoje tem livros praticamente iguais aos originais.

 Ricardo: Sim, agora que você falou, eu lembro de ter visto informações quanto a esses livros serem iguais aos originais, os do Antigo Testamento também não tem como terem sido alterados. Mas como saber se devemos confiar nesses livros ou nos chamados apócrifos? 

 Tomé: Bom, os livros do Novo Testamento foram escritos entre 20 e 70 depois de Jesus e quase todos eram aceitos pela Igreja Primitiva desde o inicio, como vemos as várias citações deles que os Pais da Igreja fazem. Os livros apócrifos, por outro lado, foram escritos bem depois e tiveram origem em grupos gnósticos que não foram aceitos na Igreja Primitiva.

 Ricardo: Existia algum tipo de organização naquela época? 

 Tomé: Sim, os apóstolos estabeleceram igrejas e eventualmente estabeleceram sucessores, bispos, nas igrejas, você vê que no fim do primeiro século essa organização já era uma coisa tradicional, por exemplo, na carta de Clemente de Roma aos coríntios. Os bispos estabeleceram sucessores que estabeleceram sucessores etc, tanto que Irineu de Lyon listou a todos os bispos de Roma até sua época como exemplo dessa sucessão aproximadamente no ano de 180 d.C.

 Ricardo: É impressionante que eu nunca ouvi falar disso antes! O pessoal evangélico costuma falar da Bíblia e pronto. Mas se as coisas são assim, como você não é católico ou ortodoxo? Essas versões do Cristianismo que dizem que existe essa ligação com os apóstolos graças a sucessores.

 Tomé: Essas versões do Cristianismo também defendem uma ideia chamada Sucessão Apostólica, a ideia de que a imposição de mãos que o bispo faz nos outros confere uma autoridade especial que começou nos apóstolos. Eu não conheço o bastante ainda pra saber se essa ideia de sucessão especial é válida ou não, então não confio nessas denominações, mas a Igreja Primitiva tinha uma hierarquia. 

Ricardo: Sim, então tem essa hierarquia divide as escrituras, faz sentido. Você disse que os livros do Novo Testamento são razoavelmente próximos de Jesus, no máximo uns 70 anos. Esse tempo realmente é muito pouco pra espalharem várias lendas e mudarem muito as coisas, até porque muitos que viram os discípulos estariam vivos. Mas será que os livros são tão próximos da crucificação?

 Tomé: Sim, é universalmente aceito que várias cartas do Paulo de Tarso e a Carta aos Hebreus foram escritas antes da Queda de Jerusalém pros romanos em 70 d.C e mesmo as datas mais distantes pros Evangelhos colocam eles entre 70 d.C e 96 d.C, embora eu ache que eles tenham surgido bem antes. Com os outros livros é bem mais difícil de falar em consenso, mas esses livros não vão ser necessários pra nós.

 Ricardo: Agora que você falou, eu lembro de já ter visto mencionarem que Paulo realmente foi um líder cristão histórico e que ao menos algumas cartas foram escritas por ele sim, estranho eu ter esquecido. Mas por que então você acha que os especialistas erraram na data dos evangelhos?  

Tomé: Porque o argumento deles pra os Evangelhos terem sido escritos depois da destruição de Jerusalém não é bom. Basicamente, eles reparam que nos evangelhos existem inúmeras passagens onde Jesus diz que Jerusalém será destruída, o que aconteceu uns quarenta anos depois. Eles argumentam então que  os evangelhos foram escritos depois da derrota dos judeus e que essas passagens foram colocadas na boca de Jesus pra parecer que Ele tinha previsto isso.

 Ricardo: E por que esse argumento é ruim? Qual o problema? 

 Tomé: Ele supõe que a melhor explicação pras palavras de Jesus seja que os escritores viram o evento acontecer e colocaram nos livros. Jerusalém já tinha sido destruída antes, existiam grupos rebeldes na Palestina daquele tempo que poderiam talvez começar uma guerra e Jesus se via como o ultimo dos mensageiros de Deus, ou seja, parte dos profetas, logo, Ele poderia ter dito sim que Jerusalém seria destruída ao observar bem as coisas e ter acertado.

 Ricardo: Pensei que você fosse defender a hipótese de que Jesus previa o futuro de verdade.

 Tomé: Eu não achei que ia ser preciso, já que é obvio que eles não tem motivo real pra descartar de cara um milagre real. Essa rejeição dogmática do sobrenatural é sem base, que analisem os acontecimentos e vejam se algum milagre aconteceu ou não. 

 Ricardo: Bom, você argumentou bem que não é impossível mesmo. Então você diria que os Evangelhos realmente foram escritos antes da destruição de Jerusalém?

 Tomé: Sim. De cara, a atmosfera dos evangelhos é bem hostil aos judeus e bem neutra com os romanos, o que é estranho se Jerusalém foi destruída pelos segundos. Fora que se os escritores dos evangelhos escreveram depois da destruição de Jerusalém você espera que eles escrevessem depois das profecias algo como "E Jerusalém realmente foi destruída", pra dar a ilusão de que Jesus tinha acertado a "previsão", mas você não vê nada disso.

 Ricardo: É, eu sempre achei isso esquisito.  

 Tomé: Outra coisa é que Atos dos Apóstolos foi escrito pelo mesmo escritor de Lucas, mas o livro termina lá pra 62 d.C, com o fim da prisão de Paulo, e nem menciona a morte do apóstolo, ou a morte de Tiago o Justo, ou a perseguição do Imperador Nero aos cristãos ou a destruição de Jerusalém. Enfim, o livro não menciona nenhuma das coisas interessantes que já teriam acontecido se o livro tivesse sido escrito lá pra 70 d.C, então é justo considerar que Lucas foi escrito lá pra 63 d.C, por ai, e Mateus provavelmente nessa época ou até antes.  

 Ricardo: Entendi, faz sentido. Tem também aquele negócio de parte do livro ser em primeira pessoa que sempre achei estranho. Marcos teria sido escrito antes?

 Tomé: É certeza, já que Lucas e Mateus usaram esse livro como fonte. Pro livro ficar importante o bastante pros dois quererem usar tem que ser sido escrito bem antes, talvez em 50 e poucos ou antes. Fora que a história da Paixão de Jesus presente em Marcos é ainda mais velha. 

Ricardo: Você fala da história de como Jesus foi humilhado e morto, né?  Por que ela seria mais velha?

 Tomé: O Evangelho de Marcos não segue uma narrativa muito conexa, a maior parte é contando histórias ou mensagens de Jesus que não tem muito a ver uma com a outra. A Paixão não é assim, é uma narrativa toda juntinha, então deve refletir uma tradição antiga já estabelecida que o escritor usou.

 Ricardo: Entendo. 

 Tomé: Outra coisa engraçada é que Marcos é o único evangelho que não menciona o nome de Caifás, ao invés disso ele só é chamado de "o sumo sacerdote", o que soa como você falar "O governador fez isso ontem" ou coisa assim, você não precisa dizer o nome do homem porque ele ainda tá no cargo, então todo mundo sabe quem é. Parece que o Caifás só ficou no cargo até o ano 38, então pelo menos a história da Paixão em Marcos deve ter sido compilada só uns seis anos anos depois da morte de Jesus. 

Ricardo: Entendi, Marcos deve ter sido escrito bem cedo então.  Eu ouvi dizer que tem algumas coincidências legais nos textos também, mas nunca fui olhar. A única que conheço é aquela sobre os caras que espancam Jesus dizerem "profetiza quem te bateu", o que só faz sentido em um dos livros porque nesse dizem que ele foi vendado ou coisa do tipo.

 Tomé: Tem algumas mesmo. Um exemplo é quanto Jesus alimenta os cinco mil. Lucas menciona que isso acontece em Betsaida mas João não menciona o lugar. O engraçado é que em João Jesus pergunta pra Filipe onde eles comprariam pão pra essa gente toda, algo meio estranho, não é? Filipe tem pouco destaque.

 Ricardo: É estranho, mas não acho que isso seja prova de que o evento aconteceu.

Tomé: Entendi, mas o engraçado é que no capitulo 1 de João é dito que Filipe era de Betsaida! Ou seja: Lucas diz que Filipe era de Betsaida enquanto João não diz isso, mas nos diz que Jesus escolheu falar justamente com Filipe quando estavam em Betsaida! Não é estranho se isso tudo é inventado? 

Ricardo:  Bom, seria estranho. Mas o autor de João não podia ter lido Lucas e então colocado essa informação escondida pra enganar algum leitor atento?  

Tomé:  Claro que é possível, João é bem diferente de Lucas, então é difícil ele ter lido esse livro, mas vou aceitar a possibilidade. Mas pensa comigo: muita gente lê os evangelhos, quantos é que perceberam esse detalhe? 

Ricardo: Acho que poucos, nunca tinha ouvido isso.

Tomé: Exatamente! Se não tivessem me mostrado eu ia morrer sem saber. Será que o autor de João se daria o trabalho de omitir algumas informações e dar a dica só pela possibilidade mínima de alguém perceber? Ainda mais sem saber que o livro dele e Lucas vão ser lido juntos? Ninguém fabrica esse tipo de coincidência porque é muito improvável que alguém ache. Agora, esse tipo de informações espalhadas fazem sentido se os livros são feitos por pessoas diferentes com base em relatos em ocasiões diferentes, as pessoas acabam falando esse tipo de coisa sem querer. 

 Ricardo: Bom, é bem esquisito mesmo, isso eu admito. Você tem outro exemplo? 

 Tomé: Outro é que em Mateus o rei Herodes diz aos seus criados que Jesus deve ser João Batista ressucitado. Soa estranho que eles saberiam de uma conversa privada, né?

 Ricardo: Bastante.

 Tomé: Exceto que Lucas menciona que uma das mulheres que ajudava Jesus era mulher de um funcionário do Herodes, o que podia explicar como a Igreja sabia disso, não?

 Ricardo: É, é algo que parece bem certinho. Acho então que faz sentido que as cartas do Paulo e os quatro evangelhos sejam as fontes principais, parecem ser próximos dos eventos.

Tomé: Ótimo, dai já dá pra podermos tentar reconstruir o que houve.   

 Ricardo: Bom, eu aceito que esses livros são confiáveis e próximos dos eventos originais sim, mas você não sabe se os livros são inerráveis, então não podemos acreditar em tudo que eles dizem por supostamente serem inspirados. Um bando de textos de seguidores de um dito milagreiro não devem ser tratados sem ceticismo.

Tomé: Eu não tô dizendo que só porque está na Bíblia você deve acreditar nos milagres e na ressurreição, estou dizendo que se analisarmos esses livros como qualquer outro registro histórico nós vamos ver que aconteceram vários eventos na época cuja melhor explicação é que Jesus realmente ressuscitou dos mortos. Por isso eu tentei argumentar a favor da existência de Deus e da alma, já que se você ao menos acredita que essas coisas são possíveis vai achar que a hipótese da ressurreição é pelo menos algo que vale a pena observar.

 Ricardo: Que tipo de critérios você usaria pra analisar o texto?

 Tomé: Eu usaria critérios usados pelos que analisam os textos. O primeiro seria o Critério da Múltipla Atestação, que diz que algo citado por mais de uma fonte independente tem mais chance de não ser inventado. A crucificação de Jesus é o mais obvio, já que é citado até por não-cristãos.

Ricardo: Faz sentido.

Tomé: Tem também o Critério de Dessemelhança, que diz que algo que é diferente do ensinado pelo Judaísmo em que Jesus foi criado e diferente da religião cristã tem mais chance de não ter sido inventado. 

Ricardo: Sim, entendi.

Tomé: Outro é o Critério do Embaraço, que diz que algo que seria vergonhoso pros discípulos e a Igreja Primitiva tem mais chance de não ter sido inventado. Um exemplo é o batismo de Jesus por João Batista.

Ricardo: Sim, esse é um critério que não é tão obvio, mas já vi usarem até ao analisarem o caso em que o rei assírio Senaqueribe escreve sobre o fracasso que foi a tomada de Jerusalém e ao analisarem algumas histórias embaraçosas envolvendo o Confúcio e seus discípulos.     

Tomé: O último é o critério de Consistência Contextual, que diz que coisas que condizem com o que já sabemos sobre Jesus tem mais chance de ter acontecido.

Ricardo: São critérios aceitáveis.

Tomé: Que bom que acha, então podemos fazer a analise. Mas antes disso é bom lhe mostrar que Jesus realmente se via como o Filho de Deus num sentido único.

Ricardo: Por que achar isso? Jesus era um profeta apocalipstico, mas dificilmente era louco. Não era Jesus um lider político que sofreu uma divinização da Igreja Primitiva?

 Tomé: Não é provável, já que um bando de judeus fielmente monoteístas dificilmente inventariam isso, só ver que levou alguns séculos pra Igreja resolver exatamente o que a Trindade significa. Fora que existiram alguns lideres políticos no tempo de Jesus que diziam ser o Messias previsto no Antigo Testamento, mas todos eles eventualmente eram mortos e o movimento deles acabava, ninguém criava uma religião. Então dificilmente Jesus foi só mais um deles. 

 Ricardo: É, parece improvável que tenha sido igual os outros casos.

 Tomé: Outra coisa estranha dessa ideia de Jesus ser um líder politico é que os primeiros cristãos não eram guerreiros, eles não combatiam o império diretamente. Isso é bem esquisito se o movimento nasceu de um líder politico numa época onde movimentos como os zelotes já ajudavam a fornecer a atmosfera anti-romana, não?

 Ricardo: Bom, é esquisito mesmo, mas Jesus realmente se referiu a si mesmo dessa forma divina ou será que é criação dos outros? Será que ele não podia ter sido só um líder religioso qualquer?

 Tomé: Tem gente que gosta de falar que Jesus era só um sábio judeu ou filósofo, o problema é que não só seria difícil surgir o conceito de Homem-Deus como criação de discípulos fortemente monoteístas como um Jesus "light" assim dificilmente seria crucificado, Ele seria só mais um pensador lembrado pelos judeus, como um Hilel ou um Fílon de Alexandria. Fora que os Evangelhos mostram os discípulos como sem entender o papo divino, difícil alguém inventar isso dos discípulos que seriam fonte de ensinamento.
  
 Ricardo: Ele não poderia ter criticado a pessoa errada e sido morto?

 Tomé: É possível, os Evangelhos e Joséfo mencionam que João Batista morreu assim. Mas é bem improvável que alguém fosse crucificado por isso, era uma punição reservada pra crimes graves e os judeus acreditavam que quem morria pendurado em madeira era amaldiçoado, como visto no capitulo 21 do Deuteronômio. 

 Ricardo: Entendi. Tem exemplos de Jesus falando assim de si mesmo nos evangelhos? 

 Tomé: Sim, um exemplo é a famosa Parábola dos Lavradores Maus. Essa parábola é vista por praticamente todos como autentica, já que tem o estilo de Jesus e parece o tipo de coisa que os judeus da sua época entenderiam direitinho. 

Ricardo: Essa é clássica. Nessa parábola, Jesus coloca Israel como uma vinha, simbolismo do profeta Isaias, coloca deus como o dono da vinha, acho que dele também, coloca os profetas como servos do dono e coloca os lideres judeus como lavradores que cuidavam da vinha. O dono manda um servo no tempo da colheita para pegar os frutos da vinha, mas os lavradores espancam e expulsam ele. O dono manda mais servos, com alguns sendo expulsos ou mortos. Finalmente, o dono manda seu filho, Jesus, mas os lavradores o matam por saberem que é o herdeiro. 

Tomé:  Sim, em seguida, Jesus pergunta o que acontecerá com os lavradores maus e os lideres respondem que o dono da vinha vai matar todos. Claramente essa parábola é uma metáfora pro fracasso de Israel em ser santa causado pelos seus lideres, que em breve seriam julgados. 

 Ricardo: É verdade. A parábola também sugere que Jesus se via como o ultimo profeta, o último aviso antes do julgamento de Israel. É um profeta apocalíptico, não é exatamente deus.

 Tomé: Você só esqueceu que Jesus se vê não como um servo, mas como filho, bem mais próximo do Pai do que os profetas. Isso não é estranho se Ele era só um profeta apocalíptico? 

 Ricardo: É esquisito sim, mas preciso de mais exemplos pra ter uma conclusão.  
  
Tomé: Bom, temos mais exemplos sim nos Evangelhos. Pegue por exemplo o título Filho do Homem que Jesus usava pra falar de Si. O nome aparece no capitulo 7 do Livro de Daniel como alguém que recebe glória e domínio e se torna dono de um reino que jamais passará. Bem ambicioso, não?

 Ricardo: Mas será que Jesus falava assim de si mesmo?

Tomé: Sim. Uma coisa interessante é que nos Evangelhos Jesus usa esse nome pra Si direto enquanto as pessoas não falam Dele assim, o que é esquisito se você quer que o nome pegue. Outra coisa é que esse nome está não só no Evangelho de João, como aparece em Marcos, já duas fontes, como também aparece nos ensinamentos exclusivos de Lucas e Mateus, então temos o Critério de Multipla Atestação. O último negócio é que esse titulo não aparece nos primeiros credos ou formulações liturgicas, então a Igreja Primitiva não usava tanto, estranho se eles inventaram.

Ricardo: Entendi, nesse caso, me parece improvável que tenha sido inventado pela igreja. Mas esse titulo não necessariamente sugere que Jesus é deus, só exaltado por ele. 

 Tomé: Esse ponto de vista na verdade é mais do que exaltado por Deus, acredite. Basta ver que na conversa entre Jesus e o sumo sacerdote presente em Marcos o uso desse termo por Jesus é falado de um jeito que imediatamente todos no local reconhecem como blasfêmia, sendo Jesus condenado a morte em seguida. 

 Ricardo: Isso é bem interessante, lembro agora dessa passagem. 

Tomé: Outro exemplo é a historia do paralítico de Marcos onde Jesus diz ao paralítico que "Seus pecados estão curados", o que faz os escribas reclamarem mentalmente que só Deus tem esse poder, algo que Jesus escuta. Qual a resposta de Jesus? Ele pergunta se dizer isso é mais difícil do que fazer o homem andar e então pra provar que "O Filho do Homem tem poder de perdoar pecados" cura o paralítico. O termo Filho do Homem era usado por Jesus e tem uma conotação divina implícita em Daniel e explicita nos Evangelhos. Ou seja, já sabemos que em Marcos, o primeiro dos evangelhos, existe essa ideia do Jesus Deus e esse ideia vem do Próprio.

Ricardo: Agora que olhei bem, o tema fica mais obvio nos outros, com Jesus falando com autoridade sobre a Lei Mosaica nas questões do sábado e o divórcio, mas você me convenceu de que Jesus falava de si mesmo como divino.

Tomé: Ótimo! A ressurreição seria Deus confirmando essa suposta blasfêmia, mostrando a autoridade de Jesus e Seu status divino. E a ressurreição é a melhor explicação dos eventos na época, então o Cristianismo Humilde e Simples é suportado pela evidência.

Ricardo: Então você pode falar desses eventos?

 Tomé: Claro. O primeiro evento é que Jesus foi crucificado e depois seu corpo foi enterrado por José de Arimatéia.

 Ricardo: Que ele foi crucificado tudo bem, mas que motivos temos pra acreditar que ele foi enterrado por esse José citado nos evangelhos?

  Tomé: Bom, esse acontecimento é citado nos Evangelhos Sinóticos e no Evangelho de João, que são razoavelmente independentes, já temos o apoio do Critério da Multipla Atestação. 

 Ricardo: Você não conta quatro fontes porque Mateus e Lucas claramente usam Marcos como fonte, certo?

 Tomé: Isso, mas João é bem diferente desses três livros, então é considerado uma fonte diferente.

 Ricardo: Ótimo, faz sentido.

 Tomé: Verdade. Agora, como João menciona José, a história não é criação de Marcos, mas uma tradição de antes dos Evangelhos. Além disso, se fosse uma historia inventada você espera que os discípulos diriam que foram eles que enterraram, não que eles fugiram e que o trabalhou ficou pra um membro do Sinédrio.  

 Ricardo: Sim, isso aumenta a possibilidade, mas eles não poderiam ter criado o José pra tentar dizer que até o Sinédrio que matou Jesus tinha alguns crentes? Parece propaganda pra mim.

 Tomé: Não acho plausível, já que toda a atmosfera dos Evangelhos é de conflito com as autoridades judaicas, então seria estranho dar esse papel nobre a um membro da classe alta, o Critério do Embaraço sugere que é improvável que essa história foi inventada.

 Ricardo: Mas os romanos deixariam o José enterrar Jesus? Parte da graça macabra não era deixar o corpo lá?

 Tomé: Eles poderiam recusar, mas os judeus tinham muito cuidado com os corpos, então a historia é plausível. Lembro de uma passagem de um dos livros do Flávio Joséfo onde ele está falando do massacre em 68 d.C, eu acho, feito por zelotes e idumeus após um cerco no templo em que ele nos diz que os judeus se importavam tanto que costumavam enterrar condenados e crucificados antes do por do sol.

 Ricardo: Bom, é verdade que os judeus levavam isso muito a sério e que os romanos os respeitavam. Realmente, me parece que a história do José é plausível. 

 Tomé: Bom que concorda. Outra coisa é que acharam os ossos de um judeu que morto por crucificação próximo do tempo de Jesus. Ele era chamado Yehohanan e os ossos dele estavam num ossuário, então provavelmente os romanos costumavam deixar os judeus enterrarem seus mortos.

 Ricardo: Sim. Qual o próximo acontecimento que pode ajudar o Cristianismo?

Tomé: No domingo, três dias após a crucificação e enterro de Jesus, algumas seguidoras Dele acharam Seu túmulo vazio.

Ricardo: Esse me parece mais estranho, por que acreditar?

 Tomé: Bom, a primeira coisa é que todos sabiam onde Jesus tinha sido enterrado, tem até a Basílica do Santo Sepulcro, que parece ter sido achada no ano 335, acho, que seria o lugar original do enterro. Isso significa que quando os discípulos começaram a proclamar a ressurreição de Jesus a primeira reação das pessoas seria olhar o lugar pra ver se o corpo estava lá. Se estava, o Cristianismo teria acabado ali. Outra coisa importante é que a história é bem simples, não tem muitos elementos exagerados. Um exemplo claro de lenda é um apócrifo, um Evangelho de Pedro, onde tem vários guardas que veem os anjos descerem do Céu, anjos esses cujas cabeças vão até o Céu, e que também ouvem uma voz do Céu que é respondida pela cruz!

Ricardo:  É sério que a história é assim? Haha, impressionante.

 Tomé: Hehe, sim, parece que é baseado simbolicamente em um dos salmos ou coisa assim.

 Ricardo: Entendi, deve ser simbólico mesmo. Mas uma ideia dessas realmente tem bem mais cara de lenda.

 Tomé: Verdade. O fato da versão da tradição que influenciou Marcos não ser legendária assim torna a descoberta do túmulo vazio bem provável.  

 Ricardo: Bom, mas se o corpo estivesse lá não poderiam dizer que Jesus ganhou um corpo novo? 

 Tomé: Não, porque o conceito judaico de ressurreição envolve a transformação do mesmo corpo que o morto tinha antes, isso era inspirado em passagens como aquela do Livro de Ezequiel da visão dos ossos secos e aquela de Daniel sobre os mortos que "dormem no pó da terra". As passagens onde Paulo, por exemplo, falam do assunto deixam isso claro, como o capitulo 15 da Primeira Carta aos Coríntios. 

 Ricardo: Entendi. Eu pensei que você fosse começar com aquela história de Mateus sobre o guarda, algo que sendo tão conveniente e só citado em um evangelho certamente é invenção.  

Tomé: Mesmo que seja invenção, o que eu não tenho certeza, esse caso reforça a historiedade do evento do túmulo vazio, já que Mateus nos fala do guarda pra poder atacar a acusação de que os discípulos roubaram o corpo de Jesus. Ou seja, o túmulo foi achado vazio e a resposta judaica não foi tentar negar isso, mas sim tentar explicar isso de outro jeito. Ou seja, a atitude dos judeus confirma a história! 

 Ricardo: Sim! Faz sentido, essa história, falsa ou não, parece tornar o túmulo vazio bem provável mesmo. Me parece então que aconteceu mesmo.  

 Tomé: Ótimo, alguma outra dúvida nesse assunto?

Ricardo: Bom, por que acreditar que quem achou o túmulo vazio foram especificamente mulheres? 

 Tomé: Além do resto da história ser plausível e ter boa evidência a favor, o Critério do Embaraço se aplica, já que a sociedade judaica não levava as mulheres muito a sério, dizem que as vezes até o testemunho delas valia menos. Uma criação cristã colocaria homens no local, já que tornaria a história mais confiável.  

Ricardo: Bom, é verdade que os judeus confiavam pouco nas mulheres, mas existem mulheres em posições importantes na Bíblia e Jesus tinha várias seguidoras. Será que não poderiam ter escolhido colocar mulheres pra mostrar que era menos importante pra eles?

 Tomé: Bom, tinham mulheres importantes na Igreja Primitiva, mas eles não eram feministas, tanto a cultura judaica quanto a cultura helênica viam a mulher de uma forma inferior, tanto é que os bispos, os lideres, eram todos homens. Nesse caso, era mais provável que escolheriam homens se fossem inventar a história.

  Ricardo: Entendi, é improvável mesmo que esse detalhe seja inventado. Qual é então o terceiro fato?

 Tomé: O terceiro fato seria que os apóstolos e outros sujeitos pensaram ter visto o Jesus ressucitado inúmeras vezes em várias circunstâncias. Isso num período de quarenta dias, segundo Lucas, embora o período exato não importe muito.  

Ricardo: Sim, qual a razão pra acreditar nisso? É por causa do que Paulo mencionou? Lembro da passagem onde ele fala que Jesus apareceu pra Pedro, pros doze discípulos, uns quinhentos homens, Tiago e pro próprio Paulo, né? É graças a essa passagem? 

 Tomé: É o motivo principal, essa passagem que você mencionou. Os Evangelhos mencionam isso também, tanto João quanto os Sinóticos, então as três fontes, Sinóticos, João e Paulo, concordam que as aparições aconteceram. Paulo e Lucas concordam na aparição pra Pedro e os dois concordam com João na aparição dos doze, além de João e Mateus concordarem quanto a aparição pras mulheres que viram o túmulo vazio. 

 Ricardo: Uma coisa que eu queria perguntar, alias, por que os evangelhos discordam uns dos outros em tantos detalhes se estão falando da mesma história?

 Tomé: Bom, um motivo óbvio é que os evangelhos são baseados em depoimentos dos discípulos ou no mínimo nos de pessoas que ouviram os discipulos, então alguns detalhes podem escapar de uma pessoa, alguém pode ver a cena de outro jeito, esse tipo de coisa. Quando olhamos as coincidências onde um evangelho parece completar outro vimos algo parecido com esses detalhes sendo dados de forma meio aleatória, não?

 Ricardo: Vimos algo do tipo sim. O motivo que eu estava cogitando era que os autores literalmente não se importavam tanto com detalhes, já que tanto Lucas quanto Mateus se basearam em Marcos e mesmo assim as vezes colocavam algo diferente do que estava nessa fonte. 

 Tomé: Verdade, tem isso também. Os evangelhos foram baseados nas biografias romanas, e essas eram um pouco mais livres com detalhes que as biografias modernas.

 Ricardo: Sim, faz sentido, eles poderiam mudar as coisas pra dar uma perspectiva diferente ou coisa do tipo.

 Tomé: Exatamente. Acho que então dá pra voltarmos pro terceiro fato, certo?

 Ricardo: É uma boa. Então você acha que a mais importante é a menção que Paulo fez? Lembra em qual parte?   

Tomé: Isso, as aparições são mencionadas por Paulo na Primeira Coríntios, que os especialistas universalmente acreditam que foi escrita mais ou menos em 54 d.C, pouco mais de vinte anos depois do evento original. Acho que foi no capitulo 15 que ele falou disso. 

 Ricardo: Sim, é nessa carta mesmo!

 Tomé: Então, além de ser tão cedo, a passagem parece narrar uma tradição anterior. Paulo menciona em sua Carta aos Gálatas que conheceu Pedro e Tiago e antes de mencionar as aparições em Coríntios ele fala que " que entregou o que também recebeu" falando da história das aparições, então me parece que essa sequência de aparições é algo que o Paulo ouviu com os discipulos. 

 Ricardo: Bom, ele não podia ter inventado essa tradição pra parecer mais confiável? Paulo fala disso para refutar aqueles que duvidam da ressurreição dos mortos, então seria útil.    

Tomé: Bom, a maioria dos doze ainda estavam vivos nessa época e eram bem famosos entre os cristãos, já que Paulo fala deles em suas cartas sem parar pra explicar quem são, então parece improvável que ele pudesse sair por ai inventando essas coisas. 

Ricardo: Mas a comunicação naquela época era bem limitada, talvez nenhum apóstolo estivesse próximo.  

Tomé: Era limitada, mas não impossível, até por Corinto ser só uma das cidades do país com uma igreja. Não só alguém podia eventualmente avisar algum dos apóstolos como alguns membros da igreja de Corinto provavelmente teriam contato com outros cristãos gregos, que iam estranhar que só uma igreja recebesse esses ensinamentos, então Paulo não ia poder sair mentindo assim mesmo que quisesse, o que eu duvido. 

 Ricardo: Bom, eu admito que é uma hipótese meio sem sentido e que, agora que eu vi, também não explica o motivo dos evangelhos falarem das aparições também, já que eles não tem quase nenhum elemento paulino, praticamente nada. Nesse caso, eu acho que não tenho como discordar desse terceiro fato.

 Tomé: Ótimo! Vamos pro ultimo fato então!  

Ricardo:  Claro, qual é esse fato?

 Tomé: Simples: os discípulos passaram a acreditar seriamente na ressurreição de Jesus, esse é o quarto fato.  

 Ricardo: Ai eu acho improvável, eles poderiam só ter ter tido as visões e depois toda a história das pregações apostólicas foi inventada por pessoas inspiradas nos relatos.

 Tomé: Bom, a cartas de Paulo foram escritas entre uns vinte e trinta anos depois da morte de Jesus e claramente pressupõem que todos saibam quem os apóstolos são: indivíduos que conheceram Jesus, tiveram experiências com Ele após Sua morte e que lideram a igreja proclamando a ressurreição.

 Ricado: Isso é verdade.

 Tomé: Além disso, Paulo mesmo menciona que viu dois dos discípulos e fala deles como ainda estando vivos, fora que Flávio Joséfo menciona que Tiago foi morto pelos judeus nos anos 60, então os discípulos ainda estavam vivos e atuantes enquanto a igreja proclamava a ressurreição. Como os apóstolos podiam conhecer todo mundo e pregar na igreja sem corrigirem erros tão absurdos?

 Ricardo: Bom, você está certo de que eles próprios deviam pregar a ressurreição. Mas lideres de cultos não necessariamente acreditam no que defendem, como Jim Jones, então os discípulos poderiam ter inventado a ressurreição. 

Tomé: Bom, então a ressureição seria uma invenção? Você acha que eles nem acreditavam de verdade mas proclamavam pra ter benefícios?

 Ricardo: Exatamente. É a hipótese mais provável. Os benefícios materiais seriam poucos, mas provavelmente benefícios psicológicos e sociais seriam ganhos. 
  
 Tomé: Bom, essa hipótese é muito sem sentido. Pra começar, a fé cristã por si só não parece algo que foi criada pra ganhar coisas. Se você quer criar uma religião pra ganhar dinheiro ou poder não faz sentido criar uma religião próxima o bastante das formas de pensamento comuns? 

 Ricardo: Sim, eu pensaria em algo aceitável para a maioria das pessoas.

 Tomé: E o Cristianismo é tudo menos isso! A cruz era "escândalo para os judeus e loucura para os gregos", como Paulo escreve. Pra começar, se você lembra, a fé judaica dizia que qualquer homem pregado na madeira era amaldiçoado e que a ressurreição iria acontecer no fim do mundo. Fora, é claro, a parte de Jesus, o Messias, não se tornar um líder político e ainda morrer!  O Cristianismo não pode ter sido inventado pra convencer judeus.

 Ricardo: Pode então ter sido inventado para convencer os romanos. 

 Tomé: Isso é bem improvável, já que Paulo claramente diz em Gálatas que os apóstolos combinaram com ele que eles iriam pra os judeus e ele para os gentios. 

 Ricardo: Bom, isso é verdade, admito que o foco apostólico era judaico.  

 Tomé: Sim, tanto que é assim que é mostrado no livro Atos dos Apóstolos, além dos evangelhos refletirem brigas com judeus. Além disso, quem seria tão idiota a ponto de achar que os romanos, que tanto valorizavam poder, iam aceitar de cara um deus que eles próprio humilharam e que morreu de forma "patética"? Os não-cristãos que eu citei antes claramente desprezavam muito a fé, só os ler. Tem até um desenho feito pra zoar o Cristianismo dos primeiros séculos onde Jesus está com cabeça de burro. Tanto para os judeus quanto para os romanos o Cristianismo era absurdo, ninguém em sã consciência ia inventar uma religião assim se não acreditasse.   

 Ricardo: Bom, admito que é bem estranho mesmo que a fé cristã seja assim tão contra a cultura da época.

 Tomé: Sim, pra nós parece normal porque fomos criados numa sociedade com herança cristã, mas naquela época era outra história. Outra coisa é que uma conspiração tão grande não dura muito sem um traidor, como vimos, por exemplo, na Inconfidência Mineira. Como um bando de semi-analfabetos que já tiveram um traidor antes iam conseguir manter a coordenação necessária pra manter essa mentira por anos? Ainda mais sofrendo pressões enormes?

 Ricardo: É verdade que uma mentira dessas é bem difícil de segurar, mas de que tipo de pressões você está falando?
 
 Tomé: Além de subornos e promessas de inimigos, sabemos que Tiago morreu pela fé por Joséfo, Atos relata a morte de outro Tiago e João deixa fortemente implícito que sabia que Pedro morreu, então no mínimo três dos apóstolos foram mortos por evangelizarem. A tradição indica que quase todos foram executados. 

 Ricardo: Mas eles morrerem pela fé não significa que ela seja verdade, muçulmanos morrem pela fé bastante e ninguém usa isso como argumento para o Islã.

 Tomé: Eu sei, mas esses suicidas geralmente acreditam na fé islâmica. Eu não uso os martírios sozinhos como prova do Cristianismo, mas como prova de que os apóstolos não inventaram tudo. Qualquer um que morre por uma mentira é um idiota.

 Ricardo: Bom, isso é verdade, mas não torna impossível que todos continuassem a mentira até o fim. Políticos fazem isso diariamente.   

 Tomé: Torna impossível sim! E políticos não são martirizados sempre por algo falso. Talvez um ou dois dos discípulos fossem movidos por ego ou vergonha o bastante pra mentir até a morte, mas mais de dez homens morreriam em ocasiões diferentes por uma mentira sem nenhum fraquejar? Eles teriam que ser sobrehumanos pra fazer algo do tipo, até soldados treinados que acreditam nas causas geram traidores, imagina um bando de pescadores que nem acreditavam no que defendiam. Fora que o jeito que eles proclamaram a fé cristã não bate com o jeito que farsantes agiriam.

 Ricardo: Admito que é uma hipótese desesperada mesmo, isso eu reconheço. Mas não me parece obvio que o jeito que eles proclamaram indica sinceridade.

 Tomé: Bom, se eu fosse criar uma fé falsa com base histórica, eu tomaria alguns passos. Primeiro, eu iria pra beeem longe dos acontecimentos, já que assim poderia inventar coisas e ter menos chance de ser desmascarado. Eu também esperaria um bom tempo, pra que os eventos não estivessem tanto na memória. Como eu venderia essa fé como a continuação de outra, eu também me certificaria que estivesse longe de seguidores da fé original, já que ai poderia inventar coisas sobre essa fé. Não te parecem ideias muito espertas se você quer criar uma fé falsa?

 Ricardo: Sim, eu faria isso tudo também.

 Tomé: Bom, mas os apóstolos fizeram questão de começar a pregar na mesma Jerusalém onde Jesus morreu para os mesmos que o mataram poucos meses depois dos acontecimentos. Ou seja, um bando de sujeitos serem idiotas o bastante pra tentarem pregar uma fé falsa e, pior, essa fé durar mais que um dia, é um milagre ainda maior do que a ressurreição.

 Ricardo: Bom, eu não tinha visto por esse lado, realmente é bizarro.

 Tomé: É muito. Dizer que os discípulos inventaram a fé é dizer que o grupo foi tão burro a ponto de criarem uma fé falsa que boa parte da população sequer cogitaria, que foram mais burros ainda ao pregarem essa fé do pior jeito possível e ainda dizer que esse bando de idiotas conseguiu manter uma perfeita unidade, a ponto de não terem nenhum traidor mesmo sofrendo horrível perseguição e mesmo já tendo um traidor antes. Alguém que acredita seriamente que os discípulos eram farsantes é honestamente retardado, eles poderiam ser loucos, mas eram sinceros.

Ricardo: Olhando bem, admito que você está certo, realmente é verdade que os discípulos acreditaram sinceramente na mensagem que pregavam. Nesse caso, acho que todos os fatos aconteceram mesmo.

 Tomé: Isso. Jesus foi crucificado e enterrado, Seu túmulo foi achado vazio por suas seguidoras, Seus discípulos e outras pessoas começaram a ter visões Dele ressucitado e Seus discípulos passaram a acreditar fielmente que Ele era o Filho de Deus que dizia ser e que ressucitou dos mortos. Qual a melhor explicação desses fatos? 

 Ricardo: Pra sabermos isso vamos ter que olhar qual das explicações possíveis é a superior. Temos que ver qual é a que melhor explica todos os eventos, que envolve menos forçadas de barra, que bate mais com o que sabemos e que é mais plausível. A hipótese que vencer as outras deve ser a verdadeira.  

 Tomé: São bons critérios. Qual a primeira explicação possível?   

Ricardo: Bom, você mostrou que os discípulos não eram farsantes, mas eles podiam ter se enganado de algum jeito, como, sei lá, alguém ter alucinações causadas pela tristeza e confusão e outros acabarem tendo também. Com o tempo, muitos teriam essas alucinações, até por pressão social, e com isso passariam a acreditar que Jesus voltou a vida. 

 Tomé: Acha possível que eles podiam todos ter alucinações desse jeito? Até gente que nem acreditava como Tiago e Paulo?

 Ricardo: Acho possível sim, até hoje algumas pessoas tem sonhos ou coisa assim com mortos, tudo indica que na Antiguidade isso era até mais comum. Fora que pessoas dispostas a largar tudo para seguir um homem devem ter uma tendência maior a algo assim, especialmente depois de colocar as esperanças em um homem e ver ele ser morto, o ser humano não lida muito bem com esse tipo de coisa.

 Tomé: Bom, é verdade que não é incomum que alguém tenha sonhos ou coisa assim com os mortos, mas não acho que isso explique esse caso não.

 Ricardo: E qual o problema nessa hipótese?
   
Tomé: Bom, pra começar, é bizarro que isso tenha acontecido só com os seguidores de Jesus e não com nenhum outro grupo de seguidores de outros movimentos messiânicos. Tiveram outros nessa época que foram mortos por dizerem ser o messias e seus seguidores não criaram religiões.  

 Ricardo: Mas Jesus defendia que seu reino não era deste mundo e que ele era o próprio filho de deus que devia morrer e ressucitar dos mortos, então os apóstolos poderiam ter pressão para esperar isso depois da crucificação que serviu de gatilho para as alucinações. 

 Tomé: Ai você depende da ideia que Jesus disse a eles que ia ressucitar, o que muitos especialistas duvidam. Se você não acreditar que Ele disse isso a eles, então a teoria cai no chão, já que para os judeus o messias jamais é derrotado e morto e a ressurreição judaica só acontece no fim do mundo, então os discípulos nunca iam ver Jesus sendo morto e pensar que Ele era o messias que tinha ressucitado, no máximo iam, pelas visões Dele vivo, achar que Ele foi levado aos céus como Enoque e Elias.  

 Ricardo: Sim, mas se você acredita que Jesus dizia a eles que ia morrer e ressucitar eles poderiam ter conseguido a ideia com ele, ai não é implausível que tivessem o conceito de um messias que morre e ressucita, foi o que Jesus os ensinou!

 Tomé: É verdade que eles podiam pegar a ideia dai. Eu mesmo acredito que Ele disse pra eles sim, mas os evangelhos representam eles como não entendendo nada sobre isso até Jesus ressucitado explicar tudo. A Igreja Primitiva, que via os apóstolos como uma autoridade inquestionável, dificilmente ia inventar isso, então podemos acreditar que é um fato histórico que os Doze não esperavam que Jesus ressucitasse, eles não entendiam o que Ele queria dizer ao falar disso.

 Ricardo: Bom, eles poderiam ter entendido o que Jesus queria dizer depois de ter visto o túmulo dele vazio. Um deles ia acabar lembrando que Jesus disse que ia ressucitar e então eles cogitariam que o corpo tinha sumido por isso, as alucinações seriam a confirmação. Claro que todos eles estariam muito deprimidos e chocados, mas acho que seria possível que o túmulo vazio os lembrasse das promessas de ressurreição o bastante pras alucinações.  

 Tomé: Eu realmente acho que você acabou de mostrar duas falhas enormes nessa teoria: o túmulo vazio e as alucinações.

 Ricardo: Como esses dois são falhas? 

 Tomé: Bom, Eu vou começar pelas alucinações, certo? 

Ricardo: Claro, fiquei curioso. Admito que o túmulo vazio é um problema, mas alucinações envolvendo alguém morto recentemente não são incomuns, você vê vários relatos da nossa época e em praticamente qualquer sociedade. Não vejo como essa parte possa ser falha.

 Tomé: Bom, é exatamente porque as alucinações de mortos são comuns que elas não seriam prova de nada: ver alguém morto era normal pra eles! Ver algum próximo morto seria algo que alguém entre eles já teria ouvido ou visto. Isso não provaria que Jesus ressucitou, provaria justamente que Ele estava morto, o primeiro a ver Jesus vivo ia contar a experiência pros outros e alguém ia mencionar que sabe de coisas parecidas.

Ricardo: Teria então essa posibilidade sim, teria a possibilidade dele ter prometido ressucitar e o túmulo estar vazio por isso ter acontecido e a possibilidade dele ter sido morto e as visões serem a confirmação. Acho que a dissonância cognitiva só ia de resolver com a ressurreição sendo aceita.  

Tomé: Você está vendo os discípulos pensando de cabeça fria, com eles sentando pra discutir hipóteses. Mas eles tinham acabado de ver o Jesus em que eles tinham botado todas as esperanças ser massacrado e morto de uma forma que literalmente significava que Ele era amaldiçoado por Deus, num tempo onde outros supostos messias já tinham sido massacrados pelos romanos antes. Essas pessoas estavam numa situação muito complicada pra terem esperança tão rápido em um ensinamento que eles nem entendiam, reles visões individuais de Jesus não seriam o bastante. Fora que Jesus ensinava por parábolas, então os discípulos não entenderiam a ideia de Jesus, o messias, morrendo literalmente.

Ricardo: Sim, então teria que ser algum tipo de visão mais forte?

 Tomé: É certeza, visões de mortos não são tão incomuns e Jesus não era entendido ao falar da ressurreição. Só experiências transformadoras iam convencer essas pessoas e é exatamente isso  que nós vemos na tradição que Paulo passa adiante para a igreja de Corínto. Eles nos informa que Jesus apareceu não só pra individuos, mas pros doze de uma vez, pro Tiago, que nem acreditava nele, e pra quinhentas pessoas de uma vez! Isso tudo já era tradição vinte e cinco anos depois dos acontecimentos, já que o mesmo Paulo que falou com os apóstolos claramente tratava assim. Como sua ideia de alucinações causadas por dissonância cognitiva podem explicar isso?

 Ricardo: Pera, você acha mesmo que quinhentas pessoas viram Jesus? 

 Tomé: É o que Paulo diz, e ele claramente diz que enquanto alguns desses já tinham morrido alguns ainda viviam, então ele tinha algum contato com esses.  

 Ricardo: Ele não podia estar inventando?

 Tomé: Improvável demais, ele citou essa tradição como prova de que Jesus tinha ressucitado para céticos que ele planejava encontrar, já que ele fala na carta sobre ir a Corínto. Quem em sã consciência ia inventar uma mentira desse tamanho logo antes de ir visitar um grupo que sabe que ia pedir mais informações? 

Ricardo: Políticos e famosos mentem todos os dias.

 Tomé: Sim, mas mentem para seus fãs mais fieis, Paulo estava falando nesse momento com os céticos que ele pretendia encontrar. A segunda carta dele à essa igreja confirma que alguns lá o atacavam em outros pontos, mas ninguém insistiu nesse quando era o jeito mais fácil de derrubar o apóstolo se fosse uma mentira. Podemos estar certos então que quinhentos fieis viram Jesus ressucitado sim. 

 Ricardo: Não pode ser que o evento em Pentecostes foi mal interpretado e acabou gerando essa lenda dos quinhentos fieis?  

 Tomé: Não tem como, se você for ver a descrição de Pentecostes em Atos, vai ver que é uma tradição totalmente diferente da dos quinhentos fieis, não tem nada a ver.

 Ricardo: É que é esquisito imaginar tanta gente vendo Jesus.

 Tomé: É esquisito se for uma alucinação, se Ele realmente estava lá, não tem problema. E mesmo que você ache que isso não aconteceu só porque é estranho, o que é sacanagem, ainda tem a aparição aos doze apóstolos ou seja, um grupo. Também tem a aparição a Tiago, que não acreditava em Jesus mas que depois da aparição virou um dos maiores lideres cristão e foi até martirizado, como ele tinha falado antes.

 Ricardo: Eu não tenho como derrubar o caso dos quinhentos fieis, e admito que essa aparição aos Doze e a Thiago são muito difíceis de explicar também. 

 Tomé: São muito difíceis de explicar mesmo. Como só breve visões podem fazer o trabalho? Não acho nem que é possível que um grupo inteiro veja a mesma coisa, então os discípulos terem uma alucinação coletiva é no mínimo MUITO  improvável. Thiago também é um caso estranho, ele não levava Jesus a sério, não cogitava a ressurreição, então uma reles visão comum seria besteira pra ele.

 Ricardo: Espere, mas e a aparição em Fatima? Um enorme grupo de pessoas pensaram ter visto um milagre naquele dia, então uma alucinação coletiva é possível.

 Tomé: O primeiro problema desse exemplo é que de cara você supõe que isso tenha sido uma alucinação coletiva, quando poderia ter sido um milagre real, muitas pessoas inteligentes e até descrentes acreditaram naquele dia. 

 Ricardo: Mas como você pode considerar que tenha sido um milagre? Você nem é católico.

Tomé: Mesmo que o Catolicismo seja falso, Deus poderia escolher fazer um milagre, não com a intenção de defender essa fé, mas, com outro motivo, como combater o secularismo forte em Portugal na época. Fora que um demônio poderia ter agido, então dizer de cara que um milagre real é impossível não é justo. Além disso, a situação em Fatima era outra.

 Ricardo: Sim, talvez dizer que não foi um milagre seja prematuro, mas não acho provável. E em que exatamente a situação é diferente? Me parecem dois casos de alucinação coletiva.

 Tomé: As crianças em Fatima tinham tido algumas visões antes onde Maria as dizia que no dia 13 de outubro, acho, aconteceria um milagre no local, algo que se espalhou e atraiu inúmeros fieis, então as pessoas tinham uma grande expectativa, tinha data e tudo. É diferente dos apóstolos, que tinham acabado de ter todas suas expectativas messiânicas destruídas e tinham no máximo uma pequena esperança da ressurreição, isso, é claro, se eles entenderam as falas de Jesus antes das aparições. Outra coisa é que Jesus apareceu a "todos os apóstolos" e aos quinhentos de uma vez, enquanto alguns em Fatima viram algo diferente da maioria ou não viram nada. Esse não é um caso de alucinação coletiva, ao menos não do tipo que você precisa. 

Ricardo: Bom, eu admito que o tipo de alucinações necessárias pra convencer essas pessoas seria bem diferente do que as simples visões de mortos que são mais comuns, isso realmente enfraquece a minha hipótese, mas eu ainda defendo que é possível. Existem várias histórias estranhas de histeria coletiva, talvez visões bem realistas vistas por grupos sejam possíveis, mesmo que só tenha acontecido uma vez.

 Tomé: Ótimo, vamos pra a segunda falha então: o túmulo vazio. A sua hipótese das alucinações precisa que o túmulo esteja vazio pra dar esperança aos discípulos, mas como você explica essa parte? A sua hipótese de cara falha em explicar esse detalhe tão importante. 

Ricardo: Eu admito que não tenho como explicar essa parte, realmente é um problema sério não poder explicar isso. 

 Tomé: Bom. Então a sua hipótese depende de Jesus falando que ia ressucitar, depende  dos discípulos entenderem isso e terem esperança no estado mental destruído deles na hora, depende de inúmeros indivíduos e grupos tendo alucinações extremamente realistas em várias circunstâncias, algo que não acontece sempre, se sequer já aconteceu, e não pode explicar o túmulo vazio, o fato número três. 

 Ricardo: Bom, mas ainda pode ser a melhor hipótese. 

 Tomé: A hipótese da ressurreição não precisa que os discípulos esperassem a ressurreição, não precisa que esse tipo improvável de alucinação coletiva extremamente realista tenha acontecido e explica o túmulo vazio. Olhando aqui, a hipótese da ressurreição é melhor. 

 Ricardo: Mas ela depende que um deus exista e que ele tenha feito um milagre. A primeira parte não é um problema se você já acredita em Deus, mas não tenho confiança nisso. 

 Tomé: Sim, mas você falhou em provar que Deus não existe, então é possível, fora que eu dei um argumento pra existência de Deus que não foi derrubado. Quanto ao milagre: esse milagre está num contexto religioso onde é bem mais provável, já que o milagre tinha sido prometido por um líder religioso, um lider cujos ensinamentos mudaram a história, como forma de confirmar suas afirmações. Ou seja, dizer que um milagre é geralmente improvável não quer dizer nada porque esse era justamente o contexto certo para um milagre. 

 Ricardo: Bom, eu admito então que mesmo sem a certeza que um deus exista a hipótese da ressurreição é melhor que a das alucinações. 

 Tomé: Sim, então você deve ter uma nova hipótese pra poder dizer que a da ressurreição não é a melhor opção. 

 Ricardo: É verdade. Será que tudo não podia ter sido um engano? José de Arimatéia podia ter enterrado Jesus provisoriamente no seu túmulo logo após a crucificação e então ter colocado o corpo no túmulo coletivo dos criminosos durante o fim de semana. Quando os discípulos chegaram e viram o túmulo vazio, pensaram que Jesus tinha ressucitado, quando o corpo estava em outro lugar.

Tomé:  Acha essa hipótese possível?   
      
 Ricardo: Acho. Tem algum problema nela?

 Tomé: Um problema ai é que provavelmente o local onde os criminosos eram enterrados era bem perto do local da crucificação, quer dizer, é muito mais prático. O nome do lugar ser relacionado com "crânio" indica que tinha túmulos lá. Então José estaria é gastando tempo a toa ao colocar o corpo em seu próprio túmulo antes de colocar no túmulo coletivo. E esse nem é o maior problema!

 Ricardo: Bom, acho que eu lembro de ser mencionado algo sobre isso do nome do lugar sim. Qual é o outro problema?

 Tomé: Você imagina que o túmulo é achado vazio porque José trocou o corpo de lugar. Se foi assim, por que ele não avisou ninguém sobre trocar o corpo de lugar e, principalmente, por que ele não avisou a ninguém depois que os discípulos começaram a dizer que Jesus ressucitou? Alguns sabiam que ele enterrou Jesus, bastava ele explicar o mal entendido e o Cristianismo acabava.

 Ricardo: Ele não poderia ter algum motivo para não revelar esse segredo?

 Tomé: Não vejo nenhum. A fé dele ia sumir ao saber que Jesus não ressucitou e ele não tinha nada a ganhar materialmente ao esconder o corpo, talvez o contrário, já que o resto do Sinédrio ia pedir pra ele refutar o movimento cristão. 

 Ricardo: Ele não poderia ter algum beneficio social entre os cristãos?

 Tomé: Impossível, você está imaginando de novo que ser cristão naquela época era como ser pastor da Universal hoje, quando aos olhos de alguém da época eles eram só um bando que não duraria nada. Além disso, José não tem protagonismo depois desse evento, então ele dificilmente foi um líder cristão, provavelmente escolheu ficar longe do movimento.     

 Ricardo: Sim, reconheço então que essa hipótese não funciona. Será então que Jesus não sobreviveu a crucificação e escapou do túmulo? Ai ele poderia aparecer depois aos discípulos e os inspirar. Isso explicaria tudo sem alucinações, então é uma hipótese boa.

 Tomé: Não é não. Jesus foi espancado, chicoteado com um instrumento que geralmente tinha na ponta um pedaço pontudo de osso até não ter força pra carregar a cruz, então foi crucificado e ficou lá por horas. Como um homem sobreviveria a isso e ainda teria como escapar do túmulo? 

 Ricardo: Deve ser possível, já vi pessoas sobreviverem a queda de aviões ou coisas igualmente difíceis.

 Tomé: Sim, mas além desse caso ser outro, os romanos sabiam o que estavam fazendo, eles dificilmente iam se enganar, especialmente sem alguma droga pra deixar Jesus desacordado. Não sei se um homem poderia ter sobrevivido a isso hoje, imagina com a medicina da época!

Ricardo: Bom, talvez seja possível, vai saber

 Tomé: Mesmo que seja, o que não acho que seja, como Jesus ia conseguir escapar do túmulo, se esconder bem e convencer os discípulos? Estamos falando de um homem todo cheio de feridas sérias e com os membros perfurados. Ele não ia poder sequer sobreviver até domingo, imagina rolar a pedra do túmulo e escapar sem deixar sujeira. 

 Ricardo: Admito que é muito esquisito.

 Tomé: Além disso, como um Jesus tão massacrado ia convencer alguém? O Jesus ressucitado tem um corpo glorioso e imortal, como vemos nos evangelhos e nas cartas de Paulo, especialmente a Primeira Coríntios, os apóstolos não eram idiotas ao ponto de não ver o estado decrépito de seu líder. Toda essa sua série de eventos hipotética não é melhor que um milagre, ela mesma envolve vários!  

 Ricardo: Bom, olhando bem, é verdade. Admito que essa hipótese também falha. será então que Jesus não podia ter um irmão gêmeo? Jesus morre e seu irmão esconde o corpo e finge ser o Jesus ressucitado, pode funcionar.

Tomé: Tem algum registro desse irmão gêmeo em algum lugar?

 Ricardo: Bem, não.

 Tomé: Isso não é esquisito? Esse irmão não seria lembrado? E como ele ia enganar alguém se fosse conhecido? Ninguém iam estranhar ele sumir assim do nada?

 Ricardo: Talvez, talvez, ele não fizesse parte do movimento. Ai a memória do irmão podia se perder.

 Tomé: Não só você imagina que os discípulos não tinham nenhum contato com a família de Jesus, o que não faz sentido, vendo as inúmeras referências a família, a Maria e o fato de Tiago ser um dos líderes da Igreja Primitiva, como isso fica ainda mais estranho. Por que o irmão gêmeo que não ligava pro movimento ia querer fingir ser Jesus e como ele ia conseguir? Pessoas próximas de um gêmeo geralmente notam diferenças no outro, imagina um gêmeo que não conhecia ninguém e nem a doutrina. Outra hipótese sem pé nem cabeça cai.

 Ricardo: É verdade, eu admito que não sei o que pode ter acontecido. Estou dando essas ideias por dar, reconheço que nenhuma se sustenta.

 Tomé: Então você concorda que a ressurreição é a hipótese que melhor explica os fatos? 

 Ricardo: Não sei. Se ela é, por que os especialistas não são todos cristãos?

 Tomé: Como falei antes, você não vai levar a sério a hipótese de um milagre se não acha ao menos possível que Deus exista e o Ateísmo é uma posição bem popular no mundo acadêmico, então muitos não considerariam sequer possível. Tem também a questão do Naturalismo Metodológico, muitos acham que, mesmo que seja possível, o método cientifico não aceita causas não-naturais, então não podem defender algo do tipo.

 Ricardo: É, também acho improvável que alguém seja levado a sério defendendo um milagre. Mas então por que você defende a hipótese? 

 Tomé: Eu não sou historiador, então eu não dou a mínima pras limitações do método. Sem ter evidência pro Ateísmo, não dá pra descartar um milagre assim, então não acho justo você ignorar a evidência para eles, mesmo que um historiador não possa os defender. 

 Ricardo: Sim, entendi. 

 Tomé: Além disso, ser cristão não é só acreditar em algumas coisas, é um compromisso. É uma coisa você acreditar que uma mulher te ama e vice-versa, outra coisa é você assumir um compromisso de a amar e a respeitar pra sempre, é uma decisão e tanto. Uma pessoa honesta não pode declarar seguir Jesus e viver como qualquer um, Ele não nos deu essa opção. 

Ricardo: Bom, acho que faz sentido, realmente é uma situação complicada mesmo. Entendi então, não consegui vencer a evidência para essa hipótese da ressurreição. Se ela aconteceu então o deus só podia ter feito isso para confirmar as afirmações de Jesus, então, se a ressurreição acontecer o Cristianismo Humilde e Simples é verdade. 

 Tomé: Aceita então a ressurreição? Você não conseguiu achar nenhum problema no argumento pra alma, no pra Deus ou no para a ressurreição.

 Ricardo: Eu vou ter que olhar isso melhor, tenho muito que conferir ainda.

 Tomé: Ainda? 

 Ricardo: Sim, talvez eu só não queira fazer o compromisso, mas não acho que seja o suficiente. Eu sei muito pouco sobre o Cristianismo, o Judaismo, o Islamismo, o Hinduísmo etc. Tenho que recuperar o tempo perdido e não é só o Cristianismo que tem tradição, inteligência e profundidade.  

 Tomé: Entendi, realmente vale a pena observar bem as coisas, não consigo ver um tema mais importante. Um sujeito inteligente e genuinamente curioso como você vai longe, isso eu sei! 

Ricardo: Obrigado, sério mesmo. Tenha certeza de que essa conversa abriu meus olhos, você me ajudou a ver muito além do que eu podia.

 Tomé: Ótimo! Estar aberto a algo além do material já é muito, principalmente hoje. Que a sua caminhada te leve longe! Sei que Ele te levará no lugar que procura.

 Ricardo: Sei que essa viagem vai ser interessante, mesmo que eu não ache nada. Obrigado mesmo por me ajudar a ver que essa viagem vale a pena ser feita. 

Tomé: De nada! Avalie bem as coisas, sei que isso vai acabar bem. 


Iluminação

 Não quer luz quem dorme. Iluminado, ruim é o despertar. Grogue, não entende ao escutar, A luz não leva a enxergar, Os olhos ela só faz irri...